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Revisitar as políticas de redução de risco

A lacuna entre o que acontece em Wall Street [investidores] e Main Street [cidadão comum] (subida dos preços das acções, apesar do desempenho económico ser inferior ao esperado) pode ser explicada por três factores.

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Até ao recente episódio de turbulência dos mercados financeiros, vários activos de risco (incluindo acções, obrigações soberanas e matérias-primas) estavam em alta desde o Verão do ano passado. No entanto, apesar de a aversão ao risco e a volatilidade estarem baixas, e os preços dos activos a subir, o crescimento económico manteve-se lento em todo o mundo. Agora, as galinhas da economia global talvez estejam a regressar ao galinheiro.

 

O Japão, que luta contra duas décadas de estagnação e de deflação, teve de recorrer à “Abenomics” para evitar uma quinta recessão em forma de W. No Reino Unido, o debate desde o Verão de 2012 focalizou-se na perspectiva de uma recessão com três cristas. A maioria dos membros da Zona Euro mergulhou numa grave recessão – que está agora a espalhar-se da periferia para algumas regiões do “core” da união monetária. Mesmo nos EUA, o desempenho económico manteve-se medíocre, com o crescimento a estagnar em torno de 1,5% nos últimos trimestres.

 

E agora os próprios mercados emergentes, que eram os favoritos da economia mundial, revelaram não estar preparados para reverterem os seus próprios abrandamentos. Segundo o FMI, o crescimento anual do PIB da China desacelerou de 10% em 2010 para 8%; no mesmo período, o ritmo de crescimento da Índia abrandou de 11,2% para 5,7%. A Rússia, o Brasil e a África do Sul estão a crescer em torno de 3%, e outros mercados emergentes estão também a registar abrandamentos.

 

Esta lacuna entre o que acontece em Wall Street [investidores] e Main Street [cidadão comum] (subida dos preços das acções, apesar do desempenho económico ser inferior ao esperado) pode ser explicada por três factores.

 

Em primeiro lugar, os riscos de cauda (acontecimentos de fraca probabilidade mas que, quando ocorrem, têm um forte impacto) na economia global – um desmoronamento da Zona Euro, uma queda dos EUA no precipício orçamental, uma difícil aterragem económica na China, uma guerra entre Israel e o Irão devido à proliferação nuclear – são agora menores do que do há um ano.

 

Em segundo lugar, apesar de o crescimento ter sido decepcionante nos mercados desenvolvidos e emergentes, os mercados financeiros continuam na expectativa de que surjam dados económicos melhores nesta segunda metade de 2013 e em 2014, especialmente nos EUA e no Japão, com o Reino Unido e a Zona Euro a baterem no fundo e a retomarem e com a maioria dos mercados emergentes a regressarem à forma. Os optimistas afirmam constantemente que “este ano é diferente”: após um prolongado período de penosa desalavancagem, a economia mundial está supostamente na senda de um crescimento mais sólido.

 

Em terceiro lugar, em resposta ao menor crescimento e à inflação mais baixa (devido, em parte, à queda dos preços das matérias-primas), os principais bancos centrais de todo o mundo levaram a cabo mais uma ronda de flexibilização monetária pouco convencional: uma política de taxas mais baixas, mensagens dos bancos centrais sobre a orientação da política monetária, flexibilização quantitativa (QE, em inglês) e flexibilização do crédito. Da mesma forma, muitos bancos centrais dos mercados emergentes reagiram à desaceleração do crescimento e à descida da inflação com cortes nos juros.

 

Esta grande onda de liquidez à procura de rendibilidade alimentou um relançamento temporário dos preços dos activos em todo o mundo. Mas houve dois riscos associados a este relançamento dos activos motivado pela liquidez. Em primeiro lugar, se o crescimento não recuperasse e não surpreendesse ao superar as previsões (caso em que se justificariam elevados preços dos activos), o crescimento lento acabaria por domina os efeitos levitacionais da liquidez e obrigaria a uma queda dos preços dos activos, em linha com os fundamentais económicos mais débeis. Em segundo lugar, era possível que alguns bancos centrais – nomeadamente a Fed – “retirassem a rolha do ralo da banheira”, abandonando as políticas de flexibilização quantitativa e de taxas de juro em torno de zero.

 

Isto leva-nos à recente turbulência dos mercados financeiros. Era já evidente, nos primeiro e segundo trimestres deste ano, que o crescimento na China e noutros mercados emergentes estava a desacelerar. Isto explica o pior desempenho das matérias-primas e das acções dos mercados emergentes mesmo antes da recente turbulência. Mas os recentes sinais da Fed de que em breve procederia à retirada gradual dos estímulos económicos – de par com maiores provas do abrandamento da China e da incapacidade dos bancos centrais chinês, japonês e europeu de providenciarem a flexibilização monetária adicional que era esperada pelos investidores – constituiu mais um golpe para os mercados emergentes.

 

Esses países descobriram que não só eram vítimas de uma correcção nos preços das matérias-primas e das acções, mas também de uma brutal revalorização das moedas e dos activos de rendimento fixo em moeda local e estrangeira. O Brasil e outros países que se queixavam da entrada de capitais especulativos e das ‘guerras cambiais’ obtiveram subitamente o que desejavam: a probabilidade de uma retirada precoce dos estímulos à economia por parte Fed. As consequências – fortes inflexões dos fluxos de capital que estão agora a atingir todos os activos de risco dos mercados emergentes – estão longe de ser positivas.

 

Estão em jogo vários factores para a correcção nos activos de risco ser temporária ou marcar o início de um “bear market”. Uma é até que ponto a Fed vai realmente iniciar a retirada de estímulos tão depressa quanto indicou. Há fortes probabilidades de o fraco crescimento nos EUA e a baixa inflação obrigarem a reduzir o ritmo de retirada desses estímulos.

 

Uma outra variável reside na questão de saber em que medida é que as políticas monetárias de outros países desenvolvidos ficarão mais flexíveis. O Banco do Japão, o Banco Central Europeu, o Banco de Inglaterra e o Banco Nacional Suíço estão já a flexibilizar as suas políticas monetárias, numa altura em que o crescimento das suas economias está aquém do crescimento dos EUA. Prosseguirem ou não nessa via é algo que pode muito bem ser influenciado pelos respectivos contextos nacionais e também pela medida em que o crescimento mais débil na China exacerbará riscos de contracção nas economias asiáticas, exportadores de matérias-primas, EUA e Zona Euro. Uma desaceleração adicional na China e noutras economias emergentes constitui mais um risco para os mercados financeiros.

 

Existe igualmente a questão de saber como é que os responsáveis dos mercados emergentes reagirão à turbulência: sobem juros para travar a depreciação inflacionista e as saídas de capital ou cortam juros para impulsionarem o anémico crescimento do PIB, aumentando assim o risco de inflação e de uma súbita inflexão dos fluxos de capital?%%

 

Dois factores finais que há que ter em conta: saber quando é que a Zona Euro terá realmente tocado no fundo (houve alguns sinais recentes de estabilização, mas os problemas crónicos da união monetária continuam por resolver) e saber até que ponto é que as tensões no Médio Oriente e a ameaça de proliferação nuclear na região – bem como as respostas a essa ameaça por parte dos EUA e Israel – continuarão a escalar ou serão travadas com êxito.

 

Arrancou um novo período de incerteza e volatilidade e parece provável que conduza a uma agitação das economias e dos mercados. Com efeito, poderá estar muito próximo um ciclo mais amplo de redução do risco para os mercados financeiros.

 

Nouriel Roubini é professor de Economia na Stern School of Business da Universidade de Nova Iorque e presidente da consultora global de macroeconomia Roubini Global Economics. Já trabalhou para o Fundo Monetário Internacional, para a Reserva Federal norte-americana e para o Banco Mundial.

 

Direitos de autor: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org

 

 

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