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A mudança de panorama dos riscos globais

Os riscos económicos, financeiros e geopolíticos mundiais estão a mudar. Alguns riscos têm agora uma menor probabilidade de acontecer – mesmo que não estejam totalmente extintos. Outros tornaram-se mais prováveis e importantes.

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Há um ou dois anos, existiam seis grandes riscos: 

 

  • 1. O colapso da Zona Euro (incluindo a saída da Grécia e a Itália e/ou a Espanha perderem o acesso ao mercado de capitais)
  • 2. Uma crise orçamental nos Estados Unidos (devido a lutas políticas sobre o tecto da dívida e outra paralisação governamental)
  • 3. Uma crise da dívida pública do Japão (à medida que uma combinação de recessão, deflação, e elevados défices elevou o rácio da dívida face ao PIB)
  • 4. Deflação em muitas economias avançadas
  • 5. Guerra entre Israel e Irão devido à alegada proliferação nuclear iraniana
  • 6. Aumento da destabilização da ordem regional no Médio Oriente 

 

Estes riscos diminuíram. Graças do discurso "o que for preciso" do presidente do Banco Central Europeu Mario Draghi, a novos instrumentos financeiros para estabilizar os Estados soberanos em dificuldades, e ao início de uma união bancária, a Zona Euro deixou de estar à beira do colapso. Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama e os republicanos do Congresso alcançaram um acordo sobre a necessidade de elevar o tecto da dívida e evitar uma nova paralisação governamental.

 

No Japão, as primeiras duas "setas" da estratégia económica do primeiro-ministro Shinzo Abe – flexibilização monetária e expansão orçamental – impulsionaram o crescimento e travaram a deflação. Agora, a terceira seta da "Abenomics" – reformas estruturais – em conjunto com o início de uma consolidação orçamental de longo prazo, pode levar a uma estabilização da dívida (apesar de ser incerto o impacto do aumento do imposto sobre o consumo).

 

Da mesma forma, o risco de deflação tem sido controlado através de políticas monetárias exóticas e não convencionais: taxas de juro próximas do zero, "quantitative easing", flexibilização do crédito e "forward guidance". O risco de uma guerra entre Israel e o Irão também diminuiu depois de o Irão e a comunidade internacional terem chegado a um acordo sobre o programa nuclear do país. A queda do prémio de risco levou a uma queda nos preços do petróleo, mesmo que muitos duvidem da sinceridade do Irão e estejam preocupados que o país esteja apenas a tentar ganhar tempo enquanto continua a enriquecer urânio.

 

Apesar de muitos países do Médio Oriente continuarem altamente instáveis, nenhum deles é, sistemicamente, importante em termos financeiros e nenhum conflito afectou, até agora, seriamente a oferta de petróleo e de gás. No entanto, o agravamento de alguma destas crises ou conflitos pode renovar as preocupações com a segurança energética. Aalém destes seis riscos recentes terem diminuído, outros seis têm vindo a crescer.

 

Para começar, há o risco de uma aterragem brusca da economia chinesa. O reequilíbrio do crescimento baseado no investimento fixo para o consumo privado está a ocorrer muito lentamente, porque cada vez que o crescimento do PIB se aproxima dos 7%, as autoridades entram em pânico e aplicam uma nova ronda de estímulo ao investimento de capital suportada pelo crédito, que depois provoca o aumento de activos tóxicos e crédito mal-parado, investimento excessivo no sector imobiliário, em infra-estruturas e na capacidade industrial, e mais dívida pública e privada. No próximo ano, poderá não existir maneira de continuar este caminho.

 

Existe também o risco da Reserva Federal dos Estados Unidos cometer erros políticos durante a diminuição do programa de estímulos à economia. No ano passado, o simples anúncio de que iria reduzir gradualmente o programa de compra de activos agitou os mercados financeiros globais e os mercados emergentes. Este ano, a redução do programa já foi assumida pelos mercados, mas a incerteza sobre timing e a velocidade dos esforços da Fed para normalizar a política de taxas de juro está a criar volatilidade nos mercados. Muitos investidores e governos estão preocupados com a possibilidade da Fed aumentar as taxas de juro demasiado rápido e demasiado cedo, provocando ondas de choque financeiras e económicas.

 

Em terceiro lugar, a Fed pode também abandonar a política de taxas de juro baixas demasiado tarde e muito lentamente (o plano actual aponta para uma taxa de juro de 4% apenas em 2018), provocando outro boom no preço dos activos e, eventualmente, uma bancarrota. De facto, as políticas não convencionais seguidas pela Fed e por outros bancos centrais de economias avançadas já levaram a uma inversão do preço dos activos, que com o tempo pode provocar bolhas no sector imobiliário, no crédito e nos mercados accionistas.  

 

Em quarto lugar, as crises que se vivem em alguns mercados emergentes frágeis podem piorar. Os mercados emergentes estão a enfrentar desafios (devido à queda dos preços das matérias-primas e aos riscos associados com as alterações estruturais da economia chinesa e alteração da política monetária da Fed) numa altura em que as suas políticas macroeconómicas são ainda demasiado fracas e a falta de reformas estruturais está a penalizar o crescimento económico. Além disso, muitos destes países enfrentam riscos políticos e eleitorais.

 

Em quinto lugar, há o sério risco de que o actual conflito na Ucrânia leve a uma segunda Guerra Fria – ou mesmo a uma guerra se a Rússia invadir o leste do país. As consequências económicas – devido aos impactos na oferta de energia e no fluxo de investimento, aliados à destruição de vidas e capital físico – podem ser imensas.

 

Por último, existe também o risco de que os desentendimentos territoriais e marítimos (a começar pelas disputas entre a China e o Japão) possam escalar para conflitos militares. Semelhantes riscos geopolíticos – no caso de se materializarem – teriam repercussões económicas e financeiras sistémicas.

 

Até agora, e apesar destes novos riscos, os mercados financeiros têm-se mantido optimistas. A volatilidade registou um aumento ligeiro, e os preços dos activos mantiveram-se. Os comentários sobre estes riscos têm ocasionalmente (e apenas brevemente) abanado a confiança dos investidores e as modestas correcções nos mercados tendem a reverter rapidamente.

 

Os investidores podem estar certos ao acreditar que estes riscos não se vão materializar na sua forma mais severa ou que as políticas monetárias e a recuperação económica vão conter esses riscos. Mas os investidores podem estar a iludir-se ao acharem que a probabilidade destes riscos acontecer é baixa – e terem uma surpresa desagradável quando um ou mais destes riscos se materializarem. 

 

De facto, como aconteceu na crise financeira global, os investidores foram incapazes de estimar, valorizar e protegerem-se contra os riscos. Apenas o tempo dirá se a sua actual despreocupação constitui outra falha de avaliação e a preparação para eventos extremos.

 

Nouriel Roubini é president da Roubini Global Economics e professor na Stern School of Business da Universidade de Nova Iorque

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Luísa Marques

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