Opinião
O Neville Chamberlain da América
Ao lançar uma guerra de tarifas que também afecta a União Europeia e o Canadá, Trump está a fazer com que a China pareça um parceiro mais atractivo do que os EUA.
Quando os países ficam nervosos em relação à sua segurança, muitas vezes insistem que precisam de reduzir a sua dependência de produtos estrangeiros, encurtar as cadeias de fornecimento e produzir mais bens no mercado interno. Mas será que o proteccionismo melhora realmente a segurança? Agora que o mundo está à beira de uma guerra comercial em grande escala, devemos analisar alguns dos argumentos a favor do proteccionismo e, depois, revisitar a maior guerra comercial do século XX.
Há tendência para uma grande duplicidade nos debates sobre o comércio. As tarifas de importação e outras medidas semelhantes são muitas vezes apresentadas como ferramentas convenientes de política externa para servir o bem geral. Mas se olharmos para além da retórica, é óbvio que essas medidas só recompensam constituintes específicos e equivalem a uma forma injusta de tributação.
O presidente dos EUA, Donald Trump, argumentaria que uma guerra comercial é um meio para um fim. Na sua opinião, as tarifas são uma resposta razoável a práticas cambiais injustas e ameaças à segurança nacional. Mas, naturalmente, há também um cálculo político doméstico: as tarifas ajudarão produtores e constituintes específicos, tornando os produtos dos seus concorrentes mais caros. O problema é que as tarifas forçam inevitavelmente os consumidores domésticos a pagarem a conta desse subsídio, através de preços mais elevados.
Não há nada de novo na afirmação de Trump de que "as guerras comerciais são boas e fáceis de vencer". E isso significa que podemos testar a sua convicção face aos registos históricos. Quando Neville Chamberlain era ministro das Finanças do Reino Unido, em 1932, ele reverteu a posição centenária do seu país como defensor do livre comércio. Preocupado com o défice comercial, anunciou um novo "sistema de protecção", que esperava usar "para negociações com países estrangeiros que até agora não prestaram muita atenção às nossas sugestões".
Chamberlain concluiu que era "prudente armarmo-nos com um instrumento que será pelo menos tão eficaz como aqueles que podem ser usados para nos discriminar em mercados estrangeiros". Com isto, estava a abrir caminho para a Segunda Guerra Mundial. A sua política comercial enfraqueceu o Reino Unido e fortaleceu a Alemanha. E em apenas seis anos, a sua política de apaziguamento em relação ao regime da Alemanha nazi alcançaria o seu auge com o Acordo de Munique de 1938, que Hitler descartou seis meses depois, destruindo o que restava da Checoslováquia e colocando-a sob o controlo do Terceiro Reich.
Os anos entre guerras foram dominados pelo receio de um ressurgimento do nacionalismo alemão. Para as potências ocidentais, conter a Alemanha exigiria um sistema de alianças ou um pacto de segurança colectiva mais ambicioso. França preferiu a primeira opção e defendeu um acordo no qual a sua aliança com a Polónia, mais a "Pequena Entente" da Checoslováquia, Roménia e Jugoslávia, conteria tanto o expansionismo húngaro como o alemão. A Grã-Bretanha favoreceu a segunda opção e viu a Liga das Nações como o instrumento mais eficaz para defender a integridade territorial.
Ambas as abordagens colapsaram na Grande Depressão, sobretudo por causa das próprias políticas proteccionistas de França e da Grã-Bretanha. Os dois países mudaram abruptamente para uma política de tarifas elevadas e quotas de importação que davam preferência a produtos dos seus impérios ultramarinos. O resultado foi que os produtores industriais da Checoslováquia e os exportadores agrícolas da Roménia e da Jugoslávia deixaram de poder vender para a Europa Ocidental. Em vez disso, tornaram-se cada vez mais dependentes - tanto em termos económicos como políticos - da Alemanha nazi. Da mesma forma, a Polónia, depois de travar uma guerra alfandegária com a Alemanha na década de 1920 e início da década de 1930, entrou num pacto de não-agressão com o regime nazi em 1934.
Durante este processo, a Liga das Nações e outros órgãos multilaterais tentaram organizar conferências e cimeiras para impedir o proteccionismo. Mas todas essas conversações fracassaram.
Durante a Grande Depressão, as acusações de manipulação cambial foram o principal argumento para medidas proteccionistas. Hoje, ouve-se o mesmo tipo de retórica por parte de Trump, tanto quando critica a Reserva Federal dos Estados Unidos por apertar a política monetária como quando alega - falsamente - que a China está a depreciar artificialmente a sua moeda.
A lição da Grande Depressão é clara: as guerras comerciais que têm como objectivo fortalecer a segurança nacional na verdade só a prejudicam. Isso é especialmente verdade no caso de alianças defensivas, porque as barreiras comerciais forçam os aliados a forjar laços mais estreitos com o próprio poder revisionista que é suposto conter.
É precisamente este o cenário actual. A retórica proteccionista de Trump é uma resposta à rápida ascensão da China. Mas ao lançar uma guerra de tarifas que também afecta a União Europeia e o Canadá, Trump está a fazer com que a China pareça um parceiro mais atractivo do que os EUA. Trump e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, chegaram agora a um acordo preliminar para desescalar a luta de tarifas EUA-UE. Mas Trump já agitou a aliança transatlântica. Como os vizinhos da Alemanha na década de 1930, a Europa e o Canadá podem achar que não têm outra opção senão procurar um parceiro mais aberto - ou pelo menos mais estável.
A viagem de Trump à Europa no mês passado deu um grande contributo para a destruição das alianças que mantiveram a estabilidade global desde o final da Segunda Guerra Mundial. E a sua conferência de imprensa com o presidente russo, Vladimir Putin, teve mais do que um toque de apaziguamento ao estilo de Chamberlain. Se Trump quiser tornar a China mais atractiva para o mundo, não pode fazer melhor do que continuar a sua guerra contra o livre comércio e as instituições multilaterais que surgiram das ruínas de 1945.
Harold James é professor de História e Relações Internacionais na Universidade de Princeton e membro sénior no Center for International Governance Innovation.
Copyright: Project Syndicate, 2018.
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Tradução: Rita Faria