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Trump, o destruidor

Nem mesmo Trump acredita na sua própria representação. Certamente, não a vai conseguir manter por muito tempo. A sua governação definida pela identidade significa que ele vai sempre revelar o seu verdadeiro ser.

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Com a habilidade de um incendiário experiente, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está a preparar o país para uma tempestade. As suas acções têm intensificado a insegurança, a instabilidade e o medo, enquanto torna as populações de outros pontos do mundo mais susceptíveis ao início de fogos políticos. Os eleitores nos Estados Unidos, que pensavam que estavam a apoiar o único bombeiro capaz, foram enganados.

 

Mas Trump tem jeito para a manipulação. Para desviar as atenções de políticas potencialmente incendiárias, Trump lançou acusações sem fundamento contra os seus supostos inimigos – começando pelos meios de comunicação social. Referir-se à cobertura noticiosa negativa como "notícias falsas" ajudou Trump a desviar as atenções de escândalos grandes e pequenos: os conflitos de interesses da sua família, os seus negócios duvidosos por todo o mundo, os partidários da supremacia branca entre a sua equipa sénior, a rejeição de formação ética para os elementos seniores da Casa Branca e muitas outras coisas.

 

Talvez o escândalo mais proeminente esteja relacionado com o que liga a administração Trump à Rússia, incluindo a resignação de Michael Flynn, conselheiro de Segurança Nacional, dado ter "enganado" o vice-presidente sobre a natureza das suas conversas, antes da tomada de posse, com o embaixador da Rússia nos Estados Unidos. Quando a acusação de "notícias falsas" demonstrou ser insuficiente para silenciar os rumores, Trump puxou da grande (e imaginária) arma, escrevendo tweets em que afirmava que o antigo presidente Barack Obama tinha "colocado escutas" na Trump Tower, antes das eleições.

 

Entre o pão e o circo, Trump continua o seu caminho de destruição. A primeira proposta de Orçamento que fez iria reduzir o financiamento dos programas sociais, diminuía os esforços para reduzir o consumo de drogas e o tráfico, [diminuía o orçamento das] artes, ciência climática, investigação médica, educação, do "Meals on Wheels" (um programa de entrega de comida para os mais idosos), da assistência financeira para os estudantes com baixos rendimentos, do Programa de Nutrição Suplementar para mulheres, bebés e crianças e muito mais. Trump está também determinado em eliminar as protecções ambientais: uma das suas principais acções foi eliminar a norma que proíbe as empresas de carvão de despejarem os resíduos da extracção nas correntes. Entretanto, Trump vai perseguir o seu objectivo de aumentar significativamente os gastos com a defesa, mesmo que as suas políticas coloquem em risco de deportação alguns membros das famílias dos militares norte-americanos.

 

Tais movimentações são flagrantes e as empresas têm de resistir à tentação de tirar vantagens disso, mesmo que essas medidas dêem às empresas benefícios no curto prazo. Os membros dos conselhos de administração e os executivos têm de lembrar-se que também são pais, filhos, parceiros e amigos. Devem temer uma poluição esmagadora no futuro, uma educação inadequada, fracas condições de trabalho, eventos climáticos cada vez mais extremos, conflitos geopolíticos e a destruição de programas e políticas criadas para construir um futuro mais seguro, mais protegido e mais próspero para todos.

 

Trump não é um líder. Ele não pode criar, apenas desviar e destruir – e colocar o seu nome naquilo em que outros construíram. Isto é também verdade para a proposta que fez para construir um muro na fronteira dos Estados Unidos com o México, que vai superar todos os edifícios, espalhados por todo o mundo – do Brasil à Indonésia – que licenciou em seu nome. Em tamanho, extensão e fama, o muro vai ultrapassar o Hoover Dam e o Mount Rushmore. Nenhuma auto-estrada ou aeroporto que venha a ter o seu nome, como forma de homenagem, vai sequer aproximar-se. (A única coisa na qual Trump não quer ver o seu nome envolvido é na proposta dos Republicanos para os cuidados de saúde, que visa substituir a assinatura de Obama no Affordable Care Act).

 

O que é que se segue? Talvez Trump vá seguir o exemplo de Saparmurat Niyazov, o primeiro presidente vitalício do Turquemenistão e começar a renomear os meses do ano, começando com o "Trumpuary".

 

O absurdo não termina aqui. Tendo já passado por cima das normas de nepotismo, porque não nomear a sua esposa como vice-presidente, como o presidente do Azerbaijão ou o da Nicarágua fizeram? Ou pode começar a marchar, com o seu uniforme militar feito de acordo com as suas especificações (através de uma subsidiária da Trump Organization e feito, claro, na China). Trump já visitou um porta-aviões com uma casaca e com um boné.

 

Nem mesmo Trump acredita na sua própria representação. Certamente, não a vai conseguir manter por muito tempo. A sua governação definida pela identidade significa que ele vai sempre revelar o seu verdadeiro ser, seja na forma das suas alegações maníacas, como aquelas sobre ser escutado ou quando revelou as suas intenções verdadeiras, dizendo que o seu último decreto que proíbe a entrada de estrangeiros é o decreto antigo atenuado. Quando é que tudo se tornou tão absurdo? Em que altura vão os comentadores parar de dizer que Trump finalmente se tornou "presidencial" de cada vez que ele se mantem no guião? Quando é que os comentadores vão parar de tratar qualquer tweet delirante como parte de um plano racional?

 

Os correligionários de Trump, muitos dos quais não estão habituados a estar nas luzes da ribalta, só tornam as coisas piores. Por exemplo, Rex Tillerson, secretário de Estado, notando que não é "uma pessoa com um grande acesso aos meios de comunicação" voa por todo o mundo sem uma comitiva de imprensa – algo pouco surpreendente para um antigo CEO de uma multinacional petrolífera, mas altamente invulgar para um diplomata norte-americano de topo. E Tillerson encurtou a sua visita à Coreia do Sul – no meio de uma crise crescente na península – devido a cansaço (uma recordação de que nunca se deve enviar um homem para fazer o trabalho de uma mulher).

 

À medida que Trump se ocupa em manipular as aparências e o seu desempenho, o resto do mundo está preocupado com o programa de mísseis e programa nuclear da Coreia do Norte, com a crise na Síria, com as negociações do Brexit, com as mudanças climáticas e com a crescente ameaça de fome e inanição no Iémen, Somália, Sudão do Sul e Nigéria. Perante este cenário, a última coisa de que o mundo precisa é de volatilidade e de uma desonestidade sem pudor do presidente dos Estados Unidos, e muito menos de um que gosta de brincar com fósforos.

 

Lucy P. Marcus é o CEO da Marcus Venture Consulting.

(Nota: O projecto, no original, foi publicado a 22 de Março, altura em que a reforma da saúde nos EUA estava para ser votada, o que acabou por não acontecer uma vez que Donald Trump não tinha o apoio necessário para a sua aprovação)

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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