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Trump, comércio e os potências médias

Através de cooperação reforçada, as potências intermédias mundiais podem evitar tornar-se danos colaterais da ofensiva Trump anti-globalização. E podem ajudar a manter o projecto estabilizador de cooperação internacional avançando com uma agenda comercial progressiva baseada no Estado de direito.

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A presidência de Donald Trump está a colocar desafios fundamentais a um sistema de comércio internacional baseado em regras que têm suportado o crescimento global há décadas. Mas enquanto as manobras proteccionistas da América ameaçam o regime de comércio global assente em normas legais, estas poderão também, paradoxalmente, ajudar a reformá-lo.

 

Isso porque as potências médias – países com PIB’s modestos mas com influência global – têm uma oportunidade de moderar e reorientar a tempestade Trump anti-comércio. Através de cooperação reforçada, as potências intermédias mundiais podem evitar tornar-se danos colaterais da ofensiva Trump anti-globalização. E podem ajudar a manter o projecto estabilizador de cooperação internacional avançando com uma agenda comercial progressiva baseada no Estado de direito. 

 

A ordem executiva de rejeição de Trump à Parceria Trans-Pacífico (TPP), a sua promessa de renegociar o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) e a sua reivindicação de que a Organização Mundial de Comércio (OMC) é um "desastre", são factores que prenunciam prováveis tensões comerciais. Isto pode desencadear, de várias formas, conflitos comerciais que as potências médias gostariam de evitar e desescalar.

 

Dissuadir Trump não será fácil. Tendo em conta a sua perspectiva sobre comércio, ele poderá adoptar uma posição negocial dura e impiedosa. Aparentemente acredita que os Estados Unidos perderam terreno e que a China avançou; que a China não pode suportar uma confrontação económica prolongada com os Estados Unidos; e que a União Europeia e o Japão estão a competir de forma desleal com os Estados Unidos porque estão a aproveitar a boleia da despesa americana com o sector da Defesa. Tal como outros tiraram benefícios à custa da América, os Estados Unidos serão "grandes outra vez", na óptica de Trump, somente à custa de outros.

 

Uma análise similar pode levar Trump a olhar para o referendo sobre o Brexit como uma oportunidade para seduzir outros países a sair da UE. Ele pode embarcar numa estratégia de dividir para reinar, negociando com o Reino Unido um acordo de livre comércio reciprocamente favorável, na esperança de que outros Estados-membros da UE se sintam tentados a abandonar o bloco europeu para obter acordos de comércio atractivos com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha.

 

Apesar de Trump saber seguramente que medidas comerciais restritivas têm um custo, ele parece animado por esta perspectiva. Algumas indústrias podem fazer regressar a sua produção para os Estados Unidos, criando alguns novos postos de trabalho mas, provavelmente, muito menos do que os que foram perdidos ao longo de 30 anos de globalização e de um crescimento da produtividade impulsionado pela automação.

 

Ao celebrar acordos bilaterais, é claro que os Estados Unidos irão violar as regras que ajudaram a criar, o que pode fazer parte do plano de Trump. Os Estados Unidos seriam processados pela OMC e provavelmente perderiam. Mas qualquer litigação demoraria o seu tempo. No entretanto, as queixas seriam ouvidas e adjudicadas e os Estados Unidos ganhariam vantagens no curto prazo, contornando as regras globais.

 

Mesmo assim, uma vitória temporária para Trump seria uma derrota no longo prazo para as normas legais. Por defeito, países com enquadramentos legais maduros são melhores parceiros comerciais. Leis robustas e a sua aplicação efectiva significa menor arbitrariedade e corrupção, regras mais claras de compromisso, contratos mais credíveis e menos zonas cinzentas de burocracia. O antigo procurador-geral britânico, Dominic Grieve, disse certa vez que, no comércio global, "os países que aderem ao Estado de direito, que o cultivam e o revêem e renovam constantemente, são aqueles que irão emergir mais à frente". Inversamente, um mundo com menos comércio implicaria menor atenção prestada aos sistemas legais que suportam as trocas comerciais.

 

Portanto o que é que podem as potências intermédias fazer para apoiar o sistema de comércio baseado em regras que Trump está a ameaçar desmantelar?

 

Em 2018, dois líderes de potências médias têm uma hipótese única de empurrar Trump no sentido de uma postura mais conciliatória sobre comércio e estabelecer uma agenda internacional amiga das trocas comerciais: o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, cujo Governo organizará a cimeira do G7, e o presidente argentino, Mauricio Macri, quando os líderes do G20 se encontrarem em Buenos Aires.

 

Eles podem começar agora. Trudeau deve exercer alguma influência positiva e encorajar uma cooperação contínua sobre comércio e regulamentações entre Estados-chave, bem antes da cimeira do próximo ano. Desenvolvimentos recentes – tais como a conclusão do Acordo Abrangente sobre Economia e Comércio (CETA, na sigla inglesa) entre a UE e o Canadá, e as conversações bilaterais sobre comércio com a China – sugerem que o Canadá é uma vez mais uma força progressista na cena internacional. Mas, enquanto um país altamente dependente do comércio e que beneficia desproporcionalmente da governança internacional assente em regras, o Canadá deveria fazer todos os possíveis para garantir que o sistema de comércio global resiste.

 

Macri pode ter uma chance idêntica quando o seu país assumir a presidência rotativa do G20. Macri tem feito muito para reabilitar a imagem internacional da Argentina, normalizar relações com os Estados Unidos e reforçar relações com a China e a UE. Se a Argentina e o Canadá coordenarem as suas acções, podem fazer muito para conter as consequências económicas resultantes das ameaças de Trump e atenuar o impacto da retaliação económica.

 

As instituições financeiras internacionais e a OMC podem ainda emergir como importantes contrapesos a inclinações proteccionistas. Como pode também a comunidade de empresas americanas; ao sublinhar os benefícios de um sistema de comércio integrado e da aplicação em todo o mundo de regras de direito de propriedade intelectual, por exemplo, os líderes empresariais americanos podem ajudar a Casa Branca a ver os benefícios do comércio internacional e da cooperação em termos de regulação.

 

Mas são as potências médias – aquelas economias com mais a perder – que têm de se posicionar melhor para preservar um sistema que Trump parece inclinado a desmantelar. Se o conseguirem, o resultado deverá passar por um regime comercial mais inclusivo e progressista, em que o Estado de direito permaneça no centro da competitividade global. Se fracassarem, a vitória de Trump será a derrota do mundo.

 

Oonagh Fitzgerald, é directora do International Law Research Program do Center for International Governance Innovation, foi coordenadora para a segurança do Departamento de Justiça do Canadá e antiga conselheira jurídica do Departamento Nacional de Defesa do Canadá. Hector R. Torres é um antigo director-executivo doFMI e ex-membro do staff da OMC.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org

 

Tradução: David Santiago

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