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Sexo, mentiras e liderança

As críticas quanto às remunerações excessivas dos executivos levou a encontros frenéticos das comissões de remuneração de muitos conselhos de administração. Mas há uma questão presente nas notícias que ainda não recebeu atenção suficiente por parte das administrações: o abuso sexual de menores.

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As notícias podem servir frequentemente como um catalisador importante para a introspeção, mas nem sempre para os membros dos conselhos de administração das empresas. As últimas revelações sobre o envolvimento do Governo russo no ataque ao sistema informático do Comité Nacional Democrático – apenas dois anos depois de a Coreia do Norte ter pirateado a Sony Pictures – fez com que conselhos de administração por todo o mundo tenham decidido apertar a segurança cibernética das suas organizações.

 

As histórias de práticas laborais ilegais e sem ética – por exemplo, entre os fornecedores da Apple na China – inspiraram as empresas a olharem com atenção para as suas cadeias de abastecimento. E as críticas quanto às remunerações excessivas dos executivos levou a encontros frenéticos das comissões de remuneração de muitos conselhos de administração. Mas há uma questão presente nas notícias que ainda não recebeu atenção suficiente por parte das administrações: o abuso sexual de menores.

 

Em Novembro, no Reino Unido, foram divulgados relatórios devastadores sobre o abuso de menores nas equipas de futebol de juniores, onde jovens atletas promissores lutavam para tentarem chegar ao nível profissional. Na última contagem, 98 clubes amadores e profissionais no Reino Unidos estavam implicados de alguma forma nestes casos.

 

Ainda que o público tenha ficado chocado com estas revelações, os líderes dos clubes afectados podem não ter ficado – pelo menos, não com todos os casos. Afinal, anteriormente muitos clubes tinham já ouvido as acusações de abuso sexual de jovens jogadores, mas escolheram ignorá-las e encobri-las, sendo que, por vezes, deram dinheiro de forma secreta às vítimas – tudo para proteger as suas próprias reputações.

 

A administração do clube Crewe Alexandra, por exemplo, discutiu activamente as acusações de abuso sexual que recaíam sobre o treinador, Barry Bennell, no final da década de 1980, mas decidiu não denunciá-lo à polícia e nem sequer o despediu. Bennell revelou-se um pedófilo. Foi julgado e condenado em 1998. Mas antes disso pôde continuar a abusar de jovens rapazes durante mais alguns anos, graças em grande parte ao conselho de administração do Crewe.

 

Mesmo hoje, as administrações escolhem por vezes defender as suas reputações à custa da decência humana. No final de Julho, o Chelsea Football Club pagou a um antigo futebolista 50 mil libras por este ter concordado em não falar sobre os abusos que, alegadamente, sofreu na década de 1970. A revisão das medidas de segurança infantil, lançadas pela Associação de Futebol (o órgão que dirige o futebol no Reino Unido) em 2001, caíram apenas dois anos depois, alegadamente, devido à resistência dos funcionários da Associação de Futebol.

 

Ainda assim, o escândalo que atormenta o futebol britânico não é caso único. De acordo com uma investigação desenvolvida pelo IndyStar e pelo USA Today, divulgada recentemente, pelo menos 368 ginastas nos Estados Unidos alegaram ter sofrido algum tipo de abuso sexual nos últimos 20 anos. Os principais responsáveis pela ginástica norte-americana (a USA Gymnastics), uma das organizações Olímpicas mais proeminentes do país, não falharam apenas porque não alertaram a polícia para estas acusações; eles esconderam as acusações. Mesmo os treinadores que foram despedidos, afirma o relatório, não foram identificados, o que significa que os treinadores predadores podiam simplesmente começar a treinar crianças num outro ginásio.

 

E depois há também o escândalo Penn State, no qual os administradores universitários fecharam os olhos, encobrindo os casos de pedofilia de Jerry Sandusky, um antigo treinador adjunto de futebol que teve acesso às suas vítimas através da sua própria obra de caridade para jovens problemáticos. Dois antigos membros da Universidade foram acusados por, alegadamente, estarem envolvidos no encobrimento do caso.

 

Agora que a verdade foi divulgada, não há sítio onde se possam esconder. A Associação de Futebol e os clubes britânicos estão a conduzir investigações e análises. A USA Gymnastics contratou um antigo procurador para que os ajude a reforçar as políticas de protecção das crianças e o seu conselho de administração estabeleceu um painel de revisão de políticas. Penn State despediu o treinador que trabalhou com Sandusky, Joe Paterno, por este não ter dado seguimento às acusações contra Sandusky que um subordinado lhe tinha transmitido, em 2002.

 

Mas não devem ser apenas as organizações afectadas a tomarem medidas. As empresas e organizações "inocentes" têm de avaliar e melhorar as suas políticas de protecção para com as pessoas vulneráveis, bem como reforçar os meios para executarem estas políticas. Têm também de analisar os seus arquivos para identificarem os lapsos ocorridos e assegurar que os erros do passado não são repetidos.

 

Tais revisões são necessárias não apenas nos sectores relacionados com as crianças, como a educação e o desporto, mas também onde os diferenciais de poder são uma característica permanente das operações. Qualquer organização a operar em países ou comunidades onde tenha uma grande influência e poder, tem de tomar acções para assegurar que nenhum funcionário está a usar a sua posição para tirar vantagem sobre pessoas ou grupos vulneráveis. Exemplos disso incluem o sector petrolífero e do gás, o sector da saúde e o sector humanitário, incluindo as agências humanitárias e as forças de manutenção de paz das Nações Unidas.

 

A responsabilidade vai para além das próprias organizações. Como vimos com o escândalo de corrupção da FIFA, os patrocinadores e investidores podem usar a sua influência para levarem a mudanças. Além do imperativo moral, estas mudanças são do interesse destes actores. Esconder um escândalo pode ajudar no curto prazo mas hoje é mais difícil que nunca manter um segredo – e aqueles que os encobrem permitem que crimes e violações éticas sejam cometidas e são cúmplices dos mesmos.

 

As empresas devem considerar que as organizações que estão na sua cadeia de abastecimento também são responsáveis. Tal como nos casos de práticas laborais injustas e ilegais, as empresas têm de se recusar a patrocinar, fornecer ou trabalhar com organizações que falham em proteger os seus trabalhadores de abusos sexuais. Caso contrário, eles também são culpados.

 

O abuso sexual de menores não é um problema novo. O que se tornou mais visível ultimamente é o poder que as administrações das empresas – bem como os grandes investidores, como os fundos de pensões e fundos soberanos – têm para ajudar a travá-lo. Numa altura em que há perda de confiança nas "elites" – desde líderes políticos até aos membros das administrações – usar activamente este poder para proteger os mais jovens terá o benefício acrescentado de fomentar a confiança dentro de sociedades divididas. Não há desculpas para atrasos.

 

Lucy P. Marcus é CEO do Marcus Venture Consulting.

 

Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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