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Koichi Hamada 21 de Maio de 2014 às 18:18

Sangue patriótico da Ásia

Se um alienígena aterrasse hoje no este da Ásia, encontraria uma região moldada pela rápida transformação económica, dinâmicas geopolíticas complexas e animosidades históricas profundas. Talvez a visualização da região a partir desta perspectiva seja exactamente o que os líderes da Ásia precisam fazer para assegurar que as suas tendências positivas continuam – e para deter aquelas que são perigosas.

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O nosso convidado alienígena deveria provavelmente aterrar no maior país do este da Ásia, a China, onde três décadas de crescimento económico fenomenal retiraram milhões da pobreza e transformaram a sociedade chinesa. Ainda assim, a China mantém a sua visão do mundo sinocêntrica, que parece veemente a em impor aos seus vizinhos. De facto, com a China a expandir os seus recursos militares, toma passos cada vez mais atrevidos na reivindicação do seu domínio sobre as rotas marítimas em todas as direcções – provocando tanto ansiedade como raiva aos seus vizinhos regionais.

 

No Japão, que a China recentemente ultrapassou como a segunda maior economia do mundo, o visitante encontraria um país mais interessado em proteger os padrões de vida dos seus cidadãos e o sistema político relativamente estável do que o domínio económico ou político. No entanto, o Japão está ansioso por se reestabelecer como um país completamente independente, livre de culpa e obrigações decorrentes da Segunda Guerra Mundial. De certo modo, procura completar o equivalente diplomático da tradição japonesa do samurai chamado genbuku – um tipo de cerimónia da maturidade, depois da qual seria considerado um país "adulto" normal.

 

Perto, a Coreia do Sul também está a trabalhar para transcender um passado doloroso, que incluiu estar no campo de batalha das guerras sino-japonesa e russo-japonesa. Na visão dos coreanos, a tragédia que o seu país suportou, ao longo dos últimos dois séculos, os méritos da aceitação dos seus vizinhos da sua visão da história, especialmente em relação à Segunda Guerra Mundial.

 

A divisão resultante entre o Japão e a Coreia do Sul cria um problema para outro participante chave na região: os Estados Unidos. Dada a capacidade diminuída da América em proporcionar liderança mundial, deve confiar mais do que nunca nos seus aliados para assegurar que os assuntos regionais e mundiais talham os seus ideais e interesses – o que inclui preservar a Pax Americana que moldou os assuntos do leste asiático desde a Segunda Guerra Mundial.

 

Se o alienígena ao levar tudo isso tivesse algum conhecimento da teoria do jogo (pelo menos um entendimento geral do seu uso na avaliação do conflito), compreenderia imediatamente que todos os objectivos relevantes dos países – ou as narrativas territoriais ou relacionadas com a história – não podem ser completamente satisfeitos de forma simultânea. Mas o desafio vai mais além: as disputas sobre o território e a história pode bem ser uma situação de soma zero ou, pior, um dilema do prisioneiro, no qual a desconfiança e a traição requerem um preço elevado das partes envolvidas.

 

Considerem a controversa visita do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, no passado mês de Dezembro, a Yasukuni Shrine, que honra aqueles que morreram ao serviço do Japão Imperial na Restauração de Meiji até 1951 – incluindo 14 criminosos de guerra de classe A na Guerra do Pacífico. Ao contrário da interpretação predominante, a visita de Abe não foi planeada para celebrar os aspectos brutais da história do Japão ou justificar a sua causa na Segunda Guerra Mundial; Abe foi conduzido pelo desejo sincero de honrar aqueles que sacrificaram as suas vidas pelo seu país. Foi praticar genuinamente as políticas fiéis às quais Max Weber chamou "a ética da convicção".

 

Mas a comunidade internacional não estava interessada nesta distinção. A condenação da visita de Abe era esperada da China e Coreia do Sul, que sentiram em primeira mão a devastação provocada pelo militarismo japonês. Mas poucos anteciparam que os Estados Unidos adoptariam este tom áspero na expressão do seu descontentamento – uma resposta que foi provavelmente conduzida pelo receio americano em torno da paz cada vez mais frágil da região (e talvez, em algum nível, pela recordação do Japão como o inimigo que atacou Pearl Harbor).

 

Os Estados Unidos têm razão num ponto. O facto é que, em relação às intenções dos líderes, tais disputas podem minar a cooperação, criando uma situação de soma zero. Abe pode ter de considerar mais a "ética de responsabilidade" de Weber, que ao contrário da ética da convicção, se foca nas consequências de uma acção, não na intenção por trás dela.

 

Neste sentido, as reivindicações territoriais concorrentes – como as do Japão e China pelas ilhas de Senkaku (Diaoyu em chinês) no mar do leste da China – colocam um desafio particularmente intratável dada a virtual impossibilidade de alcançar um compromisso. É por isso que a disputa está a impulsionar a crescente tensão entre os dois países, afectando a sua capacidade de expandir a cooperação em formas que poderiam beneficiar a ambos.

 

Por exemplo, a reinvindição territorial da China está a impedi-la de aceder a postos de trabalho – e as transferências associadas de conhecimento e tecnologia – que a cooperação económica mais profunda com o Japão ofereceria. De forma semelhante, o Japão está a perder a oportunidade de proporcionar à China ferramentas para reduzir a poluição do ar, muito do que sopra em direcção ao arquipélago japonês.

 

Cabe aos políticos e diplomatas mover os países de impasses sem vitória para o tipo de resultados mutuamente benéficos que são quase sempre encontrados no comércio e no investimento. Felizmente, embora Abe tenha sido criticado por abraçar o nacionalismo, está em posição de ter um papel instrumental no aprofundamento das relações económicas do Japão com os seus vizinhos.

 

De facto, isto é um pouco de uma lei de ferro da política que apenas os falcões da política externa e os nacionalistas podem entregar tais resultados: considerem a abertura do presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, à China em 1972, ou a resolução de Charles de Gaulle sobre a guerra da França na Argélia. Talvez apenas líderes como Abe, o presidente chinês Xi Jinping, e o presidente sul-coreano Park Geun-hye – líderes cujas credenciais patrióticas são inquestionáveis – podem fazer o que for necessário para transformar os jogos de soma zero do leste da Ásia em políticas ganha-ganha.

 

Claro, é improvável que os alienígenas do espaço cheguem ao leste da Ásia em breve. Mas uma pessoa pode facilmente imaginar que eles, como nós, prefeririam aterrar numa região próspera onde os países perseguem a cooperação mutuamente benéfica, em vez de uma zona de fervilhar de conflitos onde as reivindicações territoriais e históricas concorrentes têm impedido o vasto potencial dos habitantes. 

 

Koichi Hamada, assessor económico do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, é professor de Economia na Universidade de Yale e professor emérito de Economia na Universidade de Tóquio. Este comentário reflecte a visão pessoal do autor e não a do governo japonês.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Raquel Godinho

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