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24 de Outubro de 2016 às 20:00

Quebrar o gelo no Mar do Sul da China

Restabelecer o tipo de relação bilateral mutuamente benéfica que tivemos no passado – uma relação que apoie a paz e o desenvolvimento sustentável na nossa região - deve ser uma prioridade para ambos os lados.

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Há três meses, o Tribunal Permanente de Arbitragem em Haia decidiu que não havia base legal para a China reivindicar direitos históricos sobre os recursos no Mar das Filipinas Ocidental (também conhecido como Mar do Sul da China) e, portanto, que as Filipinas têm direitos exclusivos sobre o território. A China rejeitou a decisão, e o gelo passou a dominar a outrora amigável relação bilateral. É hora de recuperar algum calor.

 

Pouco depois da decisão, o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, inesperadamente designou-me, aos 88 anos, para ser o enviado especial do meu país à China, com o objectivo de fazer exactamente isso. Graças a banqueiros de Hong Kong (incluindo o meu amigo pessoal Wai Sun Ng, do Jibsen Capital), o meu primeiro ponto de contacto foi Fu Ying, que foi embaixadora da China nas Filipinas e ministra adjunta dos Negócios Estrangeiros.

 

Tive a sorte de conhecer Fu, que hoje é presidente do comité dos assuntos externos da Assembleia Popular Nacional. Ela não só possui um conhecimento detalhado das questões que envolvem o Mar do Sul da China/Filipinas Ocidental, como também está bem informada sobre a cultura e política das Filipinas. Na nossa primeira reunião exploratória, também tive contacto com o igualmente experiente Wu Shicun, presidente do Instituto Nacional de Estudos do Mar do Sul da China.

 

A atmosfera da nossa reunião foi amigável. Wu e Fu discutiram abertamente a necessidade de encontrar um caminho que garanta uma paz duradoura e uma cooperação mais estreita entre a China e as Filipinas.

 

Mas, ao reflectirmos sobre a questão territorial, profundamente sensível para ambos os lados, a conclusão primordial da nossa reunião foi que a redução das tensões exigiria mais discussões destinadas a reforçar a confiança e segurança. Discussões essas que teriam que abordar uma série de questões ao longo do tempo.

 

Para começar, a China e as Filipinas devem chegar a um acordo sobre a necessidade de preservação marinha. Para evitar tensões, a pesca no Mar das Filipinas deve ser cuidadosamente gerida. Na verdade, deve-se acrescentar à agenda bilateral a cooperação em matéria de pescas, tal como esforços conjuntos para enfrentar o tráfico de droga, o contrabando e a corrupção. Esforços mutuamente benéficos para melhorar o turismo e incentivar o comércio e o investimento, e para promover o intercâmbio entre grupos de reflexão e instituições académicas sobre questões relevantes, também são importantes.

 

Estas prioridades estão reflectidas nas recomendações que apresentei a Duterte. Na minha opinião, as Filipinas devem acelerar a nomeação e confirmação de um embaixador na China, para prosseguir as conversações exploratórias e aproveitar as oportunidades para construir confiança e uma base comum. À medida que progredirmos nessa frente, devemos estabelecer acordos sobre questões relacionadas com a pesca, frutas tropicais, turismo e infra-estruturas que suportem a iniciativa chinesa da Rota da Seda da China nas Filipinas e à sua volta.

 

Ao mesmo tempo, é fundamental lembrar que as discussões não são apenas sobre rochas e atóis; são discussões sobre guerra e paz. Há apenas um ano, a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou uma resolução – que, desde então, foi aprovada por 195 países membros da ONU - estabelecendo um quadro estratégico de longo alcance para evitar um conflito armado global que poderia conduzir à Terceira Guerra Mundial. Nas nossas reuniões com responsáveis chineses, a minha equipa e eu considerámos a resolução particularmente relevante - um lembrete claro das implicações de longo alcance das tensões actuais.

 

Como dissémos aos nossos homólogos chineses, "os mares devem ser usados para salvar e melhorar as nossas vidas, e para garantir a sobrevivência futura da humanidade. Não devem ser lugares onde os povos são mortos e as instituições destruídas". Felizmente, os chineses aceitaram e até reiteraram esta crença fundamental.

 

Na prática, esta crença deve traduzir-se num compromisso para evitar confrontos violentos de qualquer tipo. Uma guerra prejudicaria seriamente os interesses tanto das Filipinas como da China, que possui riqueza e poder militar, mas precisa de paz para transformar a sua economia e proporcionar uma vida melhor a centenas de milhões de chineses que ainda vivem na pobreza. Mais importante ainda: dado o papel central dos Estados Unidos na segurança da Ásia, qualquer disputa com a China poderia escalar rapidamente. Esta dura realidade deve nortear todas as discussões sobre o Mar das Filipinas Ocidental nas próximas semanas, meses e anos.

 

Naturalmente, as conversações bilaterais podem ser muitas vezes controversas. Mas há bons motivos para fazermos progressos. Na verdade, a nossa proximidade geográfica torna a procura de uma base comum entre a China e as Filipinas uma necessidade, e não uma escolha. Restabelecer o tipo de relação bilateral mutuamente benéfica que tivemos no passado – uma relação que apoie a paz e o desenvolvimento sustentável na nossa região - deve ser uma prioridade para ambos os lados.

 

Fidel V. Ramos, antigo presidente das Filipinas (1992-1998), foi membro do grupo de personalidades da ASEAN – Associação de Nações do Sudeste Asiático – que forneceram os conceitos e directrizes da Carta da ASEAN.

            

Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria


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