Opinião
Os três Trumps
Os desafios judiciais às acções executivas, as lutas com os meios de comunicação, as tensões decorrentes do aumento dos défices orçamentais e as novas revelações sobre Trump e a Rússia vão manter a panela a ferver – e o apoio público de Trump poderá evaporar.
Nunca, na história recente, uma mudança de liderança atraiu tanta atenção e especulação como a ascensão de Donald Trump à presidência dos EUA. Perceber o que esta mudança significa e o que ela pressupõe exige desvendar três mistérios, porque existem três versões de Trump.
O primeiro Trump é o amigo do presidente russo Vladimir Putin. O entusiasmo de Trump em relação a Putin é a parte mais consistente da sua retórica. Apesar de uma visão do mundo que considera os Estados Unidos como uma vítima de potências estrangeiras - China, México, Irão, União Europeia – a paixão de Trump por Putin é uma chama acesa.
Uns pensam que Trump é um admirador ingénuo de homens fortes como Putin; outros acham que não passa de uma ferramenta de longa data da inteligência russa. É quase certo que há aqui uma história por desvendar, capaz de destruir a administração de Trump, caso se confirmem certos rumores sensacionalistas. Sabemos agora que algumas datas e detalhes importantes no infame "dossiê" sobre as relações de Trump com Putin, reunidos por um antigo responsável de inteligência britânico, foram confirmados.
Um conjunto crescente de provas circunstanciais sugere que Trump tem sido apoiado por dinheiro russo há várias décadas. Oligarcas russos podem ter salvado Trump da falência, e diz-se que um deles viajou para vários dos locais onde Trump esteve durante a campanha, talvez com a função de servir de intermediário com o Kremlin. E muitos dos principais membros da equipa de Trump – incluindo o seu primeiro director de campanha, Paul Manafort; o conselheiro para a Segurança Nacional, Michael Flynn, que se demitiu em meados de Fevereiro; o antigo CEO da ExxonMobil e actual Secretário de Estado Rex Tillerson; e o magnata dos hedge funds e secretário do Comércio Wilbur Ross – todos têm grandes negócios com a Rússia ou oligarcas russos.
A segunda versão de Trump é a de um empresário ganancioso. Trump parece dedicado a transformar a presidência numa outra fonte de riqueza pessoal. Para a maioria das pessoas, chegar à presidência já seria uma recompensa, mesmo sem tirar lucros disso (pelo menos durante o mandato). Não para Trump. Contrariamente a todas as normas anteriores, e em violação dos padrões estabelecidos pelo gabinete de ética do governo, Trump mantém o seu império empresarial, enquanto os membros da família procuram monetizar o nome Trump em novos investimentos por todo o mundo.
O terceiro Trump é um populista e demagogo. Trump é uma fonte imparável de mentiras, que ignora as inevitáveis correcções dos media com a acusação de "notícias falsas". Pela primeira vez na história americana moderna, o presidente está a demonizar agressivamente a imprensa. Na semana passada, a Casa Branca proibiu o New York Times, a CNN, o Politico e o Los Angeles Times de participarem numa conferência de imprensa.
De acordo com certas interpretações, a demagogia de Trump está ao serviço do seu estratega, Stephen Bannon, que defende uma visão sombria de uma guerra de civilizações. Ao elevar o medo o mais possível, Trump pretende criar um violento nacionalismo na América. Hermann Göring explicou a fórmula, de forma arrepiante, a partir da sua cela de prisão em Nuremberg, após a Segunda Guerra Mundial: "[As] pessoas podem ficar sempre à mercê dos líderes. Isso é fácil. Tudo o que é preciso é dizer-lhes que estão a ser atacados e denunciar os pacifistas por falta de patriotismo e por exporem o país ao perigo. Funciona da mesma forma em qualquer país.
Outra teoria é que os três Trumps - amigo de Putin, maximizador de riqueza e demagogo - são realmente um só: Trump, o empresário, que tem sido apoiado pelos russos, que o usaram durante anos para lavar dinheiro. Poder-se-ia dizer que ganharam o jackpot, já que, com uma aposta pequena - manipulando o resultado de uma eleição que provavelmente nunca esperaram que ele ganhasse – tiveram um enorme retorno. Nesta interpretação, os ataques de Trump à imprensa, às agências de inteligência e ao FBI visam especificamente desacreditar essas organizações antes de serem reveladas mais informações sobre as relações Trump-Rússia.
Aqueles que viveram o Watergate lembram-se do quão difícil foi obrigar Richard Nixon a dar explicações. Se não tivessem sido reveladas as cassetes secretas da Casa Branca, Nixon teria escapado do ‘impeachment’ e terminado o seu mandato. O mesmo aconteceu com Flynn, que mentiu repetidamente ao público e ao vice-presidente Michael Pence sobre as suas comunicações com o embaixador russo antes de assumir o cargo. No entanto, como Nixon, só foi apanhado porque as suas mentiras foram registadas, neste caso pelas agências de inteligência dos EUA.
Quando as mentiras de Flynn foram expostas, a reacção de Trump, como é costume, foi atacar a fuga de informação, não as mentiras. A principal lição de Washington, e dos homens fortes da política em geral, é que mentir é o primeiro e não o último recurso.
Se o Congresso tiver membros honestos suficientes, a maioria - sabendo que os republicanos não controlarão os republicanos - exigirá uma investigação independente das relações de Trump com a Rússia. O Senador republicano Rand Paul foi explícito sobre este ponto, declarando que "não faz sentido" que os republicanos investiguem os republicanos. Trump parece concentrado em aumentar a pressão sobre o FBI, as agências de inteligência, os tribunais e os meios de comunicação para que recuem.
Os demagogos sobrevivem por causa do apoio público, que eles tentam manter através de apelos à ganância, nacionalismo, patriotismo, racismo e medo. Vão alimentando os seus apoiantes com dinheiro de curto prazo, sob a forma de cortes de impostos e transferências de rendimento, pagos através do aumento da dívida pública e de uma factura deixada às gerações futuras. Até agora, Trump tem mantido os plutocratas da América felizes, com promessas de cortes de impostos incomportáveis, enquanto vai satisfazendo os seus apoiantes da classe trabalhadora com ordens executivas para deportar os imigrantes ilegais e impedir a entrada de pessoas oriundas de países de maioria muçulmana.
Nada disto tornou Trump muito popular. As suas taxas de aprovação são historicamente baixas para um novo presidente – em torno de 40% - com cerca de 55% dos inquiridos a desaprovarem o líder da Casa Branca. Os desafios judiciais às acções executivas, as lutas com os meios de comunicação, as tensões decorrentes do aumento dos défices orçamentais e as novas revelações sobre Trump e a Rússia vão manter a panela a ferver – e o apoio público de Trump poderá evaporar.
Nesse caso, é mais provável que os líderes republicanos se rebelem contra Trump. Mas ninguém pode jamais subestimar a disposição de um demagogo de usar o medo e a violência – e até mesmo a guerra - para manter o poder. E se Putin é de facto seu apoiante e parceiro, as tentações de Trump serão fortes.
Jeffrey D. Sachs é professor de Desenvolvimento Sustentável, professor de Políticas e Gestão de Saúde e director do Earth Institute da Universidade de Columbia. É também conselheiro especial do secretário-geral das Nações Unidas para os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.
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Tradução: Rita Faria