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22 de Julho de 2014 às 11:34

O "trilema" da China

O economista e prémio Nobel Robert Mundell demonstrou que uma economia pode manter duas – mas apenas duas – de três características fundamentais: independência da política monetária, taxa de câmbio fixa e fluxos de capital de livre circulação. Mas a China está, actualmente, a fazer malabarismos com as três – uma atitude que se está a tornar cada vez mais difícil de manter.

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À primeira vista, pode não parecer o caso. Tendo em conta que o Banco Popular da China (PBOC, nas siglas em inglês) tem, em grande medida mantido a independência da sua política monetária ao longo das últimas três décadas e tem gerido de forma activa a taxa de câmbio do renminbi, é natural concluir que a China impõe um controlo rigoroso aos fluxos de capital. De facto, a China liberalizou a entrada do investimento directo estrangeiro há mais de 20 anos e abrandou o controlo para grande parte da conta de capital depois.

 

As medidas adoptadas pela China para regular os fluxos de capital estrangeiros nunca foram muito eficazes. Durante a crise financeira asiática dos anos 90, a China teve de implementar medidas draconianas para evitar a fuga de capital. No início da década de 2000, o capital de curto prazo começou a chegar à China, com os investidores a apostarem na valorização do renminbi e, de 2004 a 2006, na subida dos preços dos activos. Desde que a internacionalização do renminbi foi lançada em 2009, a arbitragem da taxa de câmbio e as operações de "carry trade" (endividar-se numa moeda que tem uma baixa rendibilidade para financiar um empréstimo com taxas elevadas de outra divisa) aumentaram.

 

Certamente, os controlos de capital da China, embora porosos, aumentam os custos das transacções ao transferir capital de curto prazo de e para a China, o que reduz a pressão para a apreciação da taxa de câmbio do renminbi; em circunstâncias extremas, esse fenómeno poderá desempenhar um papel decisivo na segurança financeira da China. Mas o capital continua a circular – não de forma completamente livre – ao longo das fronteiras da China.

 

Isso levanta uma questão óbvia: como é que a China conseguiu desafiar o trilema de Mundell ao manter todos os três objectivos políticos simultaneamente? A resposta está relacionada com a política de esterilização da China.

 

A China acumulou um superávit na conta de capital durante a maior parte dos últimos 30 anos e um superávit comercial todos os anos desde 1993. O PBOC mantém a taxa de câmbio estável intervindo intensamente no mercado de divisas e criando tanta liquidez que as autoridades devem fazer uma esterilização em grande escala para não se exceder no aumento específico da base monetária.

 

Na China, ao contrário do que acontece nos países avançados, a política de esterilização e a monetária são, frequentemente, a mesma coisa. O grau de expansionismo da política monetária depende do grau de esterilização a que se submeteu a liquidez criada pela intervenção no mercado cambial.

 

O instrumento monetário mais usado na esterilização são as operações de livre mercado. Tendo em conta os dois superávits da China, o PBOC vendeu todas as obrigações governamentais que tinha acumulado em 2003, pelo que tem vendido bilhetes do tesouro do banco central desde então e, actualmente, os bancos contam com 5 biliões de yuans (812 mil milhões de dólares) destes títulos.

 

Outro instrumento importante para a esterilização é a relação entre reservas e necessidades que, quando aumenta, bloqueia uma grande quantidade de liquidez no sistema bancário. Esse rácio, que o PBOC alterou 42 vezes desde 1998, ascende actualmente a 20% - o dobro do rácio dos grandes bancos dos Estados Unidos.

 

Seja qual for o mecanismo, os custos da esterilização são muito elevados. Para começar, ao manter uma taxa de câmbio real subavaliada, a China caiu naquilo que é conhecido como "armadilha do dólar", ao impulsionar a importância internacional do dólar norte-americano às custas da própria China. Com o passar do tempo, a insensatez dessa política tornar-se-á cada vez mais aparente.

 

A esterilização também leva a uma má alocação dos recursos, cujo exemplo mais evidente é o de que funciona como um subsídio para o sector da exportação, às custas do resto da economia. Uma forma menos notada da má alocação dos recursos decorre do facto de que apenas os vendedores de divisas ganham liquidez, mas os efeitos afectam toda a economia. Como resultado, as empresas de pequena e média dimensão que produzem bens não-transaccionáveis são privadas de fundos muito necessários e padecem das externalidades negativas da esterilização.

 

Além disso, o elevado coeficiente de reservas e a compra forçada de bilhetes do tesouro por parte do banco central reduzem em grande medida os lucros dos bancos comerciais – um fenómeno que será intensificado com a liberalização da taxa de juro. A busca de rendimento com os fundos disponíveis vai levar os bancos a fazerem investimentos mais arriscados.

 

Há também que ter em conta os custos parafiscais envolvidos. Felizmente, apesar dos baixos retornos nos activos estrangeiros, ainda não são um grande problema para a China, devido aos baixos custos dos passivos correspondentes do PBOC.

 

No entanto, embora as previsões de que a China abandonaria os seus controlos da taxa de câmbio de forma a defender a sua autonomia monetária tenham demonstrado estar erradas ao longo da última década, desta vez pode ser diferente. Com a liberalização das taxas de juro e dos fluxos de capital de curto prazo a dificultarem cada vez mais a possibilidade de fazer malabarismos com a "trindade irreconciliável" de Mundell, é de esperar que os líderes chineses permitam finalmente a flutuação do renminbi sem, por isso, deixar de manter os controlos de capital vigentes.

 

Yu Yongding foi presidente da China Society of World Economics, director do Instituto de Economia e Política Mundial da Academia Chinesa de Ciências Sociais e também trabalhou no comité de Política Monetária do Banco Popular da China de 2004 a 2006.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Raquel Godinho 

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