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17 de Julho de 2014 às 13:05

O problema da espionagem de Silicon Valley

Numa carta enviada recentemente ao presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Barack Obama, o CEO da Cisco Systems, John Chambers, pediu que a Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla inglesa) pare de interceptar os produtos da empresa para instalar dispositivos para espiar clientes estrangeiros.

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Esta foi a última de uma série de revelações sobre como as empresas de tecnologia de informação norte-americanas têm transformado, voluntaria ou involuntariamente, na "guerra ao terrorismo". Revelações que podem ameaçar o domínio mundial do sector das tecnologias de informação norte-americano.

 

Desde que foi revelada a magnitude da intervenção da NSA, os governos e as grandes empresas localizadas fora dos Estados Unidos estão a questionar a capacidade das empresas de tecnologias de informação em garantir a segurança dos seus produtos. A posição principal dos Estados Unidos na economia de informação mundial, que parecia segura apenas há dois anos, está actualmente sob ameaça – um facto que deveria gerar elevadas preocupações para qualquer empreendedor, executivo, empregado e investidor de capital de risco na indústria norte-americana.

 

Há mais do que um pouco de ironia nesta reviravolta dos acontecimentos. Afinal, a liderança mundial dos EUA pode ser associada directamente às suas estruturas de segurança nacional. Após a Segunda Guerra Mundial e, em particular depois da União Soviética ter lançado o satélite Sputnik, em 1957, os Estados Unidos fizeram grandes investimentos em engenharia eléctrica e, posteriormente, em ciências da computação.

 

Contratos "cost-plus" [que assentam no princípio que são pagos aos contratantes todos os gastos previstos e é lhe dado um montante adicional que visa que seja possível gerar lucros] permitiram que, o que antes eram pequenas empresas tecnológicas, como a Hewlett-Packard e a Fairchild Semiconductor, tenham cobrado ao Departamento de Defesa os custos das pesquisas e desenvolvimento de produtos que nunca poderiam pagar sozinhos. Isto permitiu a essas empresas criarem produtos tecnológicos que, eventualmente, criaram novos mercados e sectores económicos.

 

O governo norte-americano fez, também, elevados e contínuos investimentos em pesquisa desenvolvida pelas universidades, impulsionando a oferta do país em termos de engenheiros e cientistas. Estas pessoas altamente qualificadas criaram inúmeras novas tecnologias, incluindo computação gráfica, semicondutores, equipamentos de rede, software revolucionário e a própria internet.

 

De facto, o governo norte-americano continua a ser actualmente um apoiante fundamental da pesquisa científica e em engenharia. Em 2012, o Departamento de Defesa só em engenharia electrónica e ciências de computação investiu 1,3 mil milhões de dólares. Enquanto a Fundação Nacional para a Ciência investiu mais 900 milhões de dólares. As forças armadas norte-americanas têm dado elevadas somas para financiar as pesquisas universitárias em áreas como a segurança informática e criptografia.

 

Dado que tantos empreendedores, executivos e investigadores de topo receberam apoio do Departamento de Defesa, não é surpreendente que, por exemplo, os fundadores e administradores da Google tenham trocado emails amigáveis com elementos da NSA. As ligações profissionais e pessoais fizeram com que fosse relativamente fácil recrutar líderes para a guerra contra o terrorismo. Poucos, aparentemente, consideraram as potenciais consequências da sua participação.

 

O relacionamento entre Silicon Valley e Washington DC é notável quer em termos de longevidade como de profundidade. Por exemplo, há rumores que apontam que a Oracle, a gigante de "software" para bases de dados, mantem laços próximos com a CIA. De igual forma, a Keyhole, parcialmente financiada pela CIA, esteve entre as aquisições que produziram o Google Maps. A operação de capital de risco de Silicon Valley da CIA, In-Q-Tel, visa assegurar que os interesses de segurança nacional dos EUA são implantados nas start-ups tecnológicas.

 

A consequência destes laços é que a indústria de tecnologias de informação norte-americana tornou-se num agente de Estado da segurança nacional. E isto mina a fé dos consumidores na vontade ou na capacidade das empresas em garantir a sua privacidade. Por outro lado, faz com que seja difícil para as empresas alegarem o seu elevado nível moral para dizerem que o governo chinês restringe as suas operações domésticas.

 

Dado que o sector de tecnologias da informação nos EUA está tão desenvolvido a nível mundial, o impacto desta percepção vai ser localizado no curto prazo. Mas, à medida que as empresas europeias e asiáticas de tecnologias de informação recuperem terreno, a vantagem dos EUA vai gradualmente deteriorar-se.

 

A procura dos clientes estrangeiros por alternativas está em curso, quer em indústrias já existentes quer em indústrias emergentes. Por exemplo, a Oracle está a registar um abrandamento na região da Ásia Pacifico, onde o seu principal concorrente, a empresa alemã SAP, está a prosperar. E a concorrência que a Cisco enfrenta da chinesa Huawei é possivelmente o motivo que levou John Chambers a apelar recentemente a Obama. Num dos novos campos das tecnologias de informação, "cloud computing" [literalmente, computação em nuvem], onde as empresas norte-americanas são pioneiras, empresas e empreendedores em muitos países estão a explorar a criação de alternativas não americanas.

 

Evitar esta ameaça auto-infligida ao predomínio das tecnologias de informação norte-americanas vai exigir acções fortes por parte dos líderes políticos norte-americanos, que são responsáveis por esta tendência perigosa. Em primeiro lugar e mais importante, Obama, com o apoio do Congresso, deve exigir a divulgação de todas as informações relativas à interacção entre as agências de segurança nacional e as empresas americanas de tecnologias de informação.

 

Além disso, as empresas e os advogados com competências no domínio da privacidade devem ser encorajados a utilizar o sistema judicial para impugnar as exigências do governo que vão no sentido de instalar software de espionagem em produtos comerciais. Se os agentes do governo infringirem as leis da privacidade, no país ou no estrangeiro, o Departamento de Justiça deve processá-los.

 

Dado que a extensão das actividades da NSA degradou a confiança mundial no governo norte-americano e no sector das tecnologias de informação, nada menos do que transparência total é exigido. É tempo para que os líderes dos EUA coloquem em funcionamento a máquina de gerar riqueza de alta tecnologia – que custou aos contribuintes norte-americanos dezenas de milhares de milhões de dólares para construir – acima da ilusão de que o único caminho para a segurança é acesso ilimitado ao tráfego digital mundial. 

 

Martin Kenney é professor na Universidade da California, Davis, e é um dos principais directores de projecto na "Berkeley Roundtable on the International Economy" na Universidade da California, Berkeley.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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