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27 de Maio de 2013 às 00:01

O problema com o PIB dos países pobres

Sou um grande defensor dos investimentos na saúde e no desenvolvimento em todo o mundo. Quanto melhores ferramentas tivermos para medir o progresso, mais certezas teremos de que esses investimentos chegam efectivamente às pessoas que mais precisam deles

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Mesmo em épocas financeiramente favoráveis, os orçamentos para a ajuda ao desenvolvimento dificilmente são abundantes. Os líderes políticos e os doadores devem tomar decisões difíceis sobre a melhor forma de aplicar os seus recursos limitados. Como se decide que países devem receber empréstimos com condições favoráveis e vacinas baratas, e quais são capazes de financiar os seus próprios programas de desenvolvimento?


A resposta depende, em parte, da forma como medimos o crescimento e as melhorias nas vidas das pessoas. Tradicionalmente, um dos factores orientadores tem sido o PIB per capita – o valor de bens e serviços produzidos por um país num ano dividido pela população desse país. O PIB pode, no entanto, ser um indicador insuficiente no caso dos países mais pobres, o que constitui uma preocupação não apenas para os decisores políticos e para pessoas como eu que lêem imensos relatórios do Banco Mundial, mas também para qualquer pessoa que use os dados estatísticos para ajudar as pessoas mais pobres do mundo.

Há muito tempo que acredito que o PIB não é uma medida exacta do crescimento mesmo nos países ricos, onde o seu cálculo é bastante sofisticado, porque é muito difícil comparar o valor de um conjunto de bens durante diferentes períodos de tempo. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma enciclopédia era, em 1960, cara mas tinha um grande valor em famílias com crianças estudiosas (neste caso, posso falar por experiência própria porque passava muitas horas lendo atentamente o World Book Encyclopedia que os meus pais compraram para mim e para a minha irmã). Agora, graças à Internet, as crianças têm acesso a muito mais informação de graça. Como é que reflectimos isto no PIB?

As dificuldades para calcular o PIB agravam-se nos países da África subsaariana devido ao deficiente funcionamento dos institutos de estatística e aos dados históricos enviesados que baralham medidas importantes. Preocupado com os dados estatísticos da economia da Zâmbia, Morten Jerven, professor assistente da Universidade Simon Fraser, passou quatro anos a analisar a forma como os países africanos obtêm os seus dados e os desafios que enfrentam para os converter em estimativas do PIB. No seu novo livro, "Poor Numbers: How We Are Misled by African Development Statistics and What to Do about It", argumenta que muitas das medidas que considerávamos correctas estão, na verdade, longe de o ser.

Jerven observa que muitos países africanos têm dificuldades em medir a dimensão das suas – relativamente grandes – economias de subsistência e a actividade económica não registada. Como se contabiliza a produção de um agricultor que cultiva e consome os seus próprios alimentos? Se a agricultura de subsistência é, sistematicamente, subestimada, alguns elementos que parecem representar um crescimento - quando uma economía deixa de ser de subsistência - podem apenas ser mais fáceis de medir estatisticamente.

Existem outros problemas com os dados do PIB dos países mais pobres. Muitos países da África Subsaariana, por exemplo, não actualizam os dados reportados com a frequência necessária. Os dados do PIB podem, assim, não contabilizar sectores económicos de grandes dimensões e em rápido crescimento, como o sector dos telefones móveis. Quando o Gana actualizou os dados reportados, o seu PIB aumentou 60%. Mas poucas pessoas perceberam que isto foi apenas uma anomalia estatística e não uma verdadeira mudança nos padrões de vida dos ganeses.

Além disso, há diversas formas de calcular o PIB, e estas podem produzir resultados muito distintos. Jerven destaca três: os Indicadores de Desenvolvimento Mundial (World Development Indicators) publicados pelo Banco Mundial (e, de longe, a base de dados mais usada); a Penn World Table, divulgada pela Universidade da Pensilvânia, e o Maddison Project da Universidade de Groningen, baseado no trabalho do falecido economista Angus Maddison.

Estas fontes baseiam-se nos mesmos dados mas modificam-nos de formas diferentes de maneira a reflectir a inflação e outros factores. Assim, os rakings das economias podem ser muito diferentes. A Libéria, por exemplo, é o segundo, o sétimo e o 22º país mais pobre em termos de produto interno bruto, dependendo da entidade consultada.

Não são apenas os rakings que são diferentes. Às vezes, uma fonte mostra que um país cresceu vários pontos percentuais e outra mostra que, no mesmo período, esse país registou uma contracção.

Jerven cita estas discrepâncias para defender que não podemos ter a certeza sobre a dimensão relativa do PIB de um país e que não devemos usar apenas o PIB para decidir que políticas económicas impulsionam o crescimento.

Quer isto dizer que não sabemos nada sobre o que funciona (e não funciona) no desenvolvimento económico? Claro que não. Há muito tempo que os investigadores utilizam estudos periódicos para recolher dados. Por exemplo, o Demographic and Health Survey é realizado, regularmente, para determinar taxas de mortalidade infantil e maternal. Além disso, os economistas estão a usar novas técnicas, como cartografias por satélite das fontes de luz, nas suas estimativas de crescimento económico. Apesar destes métodos não serem perfeitos, não apresentam os problemas do PIB.

Outras maneiras de medir o nível de vida de um país são igualmente imperfeitas, no entanto, permitem formas adicionais para entender a pobreza. Uma dessas formas, chamada de Índice de Desenvolvimento Humano, utiliza, para além do PIB, as estatísticas de saúde e de educação. Outra, o Índice de Pobreza Multidimensional, utiliza dez indicadores, incluindo a nutrição, saneamento básico, acesso a combustível para cozinhar e água. E, através do uso da paridade do poder de compra, que mede o custo de um mesmo conjunto de bens e serviços em diferentes países, os economistas podem ajustar o PIB de forma a conhecerem melhor os níveis de vida de um país.

É claro para mim que necessitamos de dedicar mais e melhores recursos para termos valores precisos do PIB. Como Jerven afirma, os institutos nacionais de estatística dos diversos países africanos necessitam de mais apoio para que possam obter e divulgar os dados de uma forma mais rápida e exacta. Os governos e as instituições internacionais doadoras, como, por exemplo, o Banco Mundial, têm de fazer mais para ajudar as autoridades africanas a conseguirem dar uma visão mais transparente das suas economias. E os decisores políticos africanos precisam de ser mais consistentes na procura de melhores estatísticas, bem como no uso das mesmas para sustentar as suas decisões.

Sou um grande defensor dos investimentos na saúde e no desenvolvimento em todo o mundo. Quanto melhores ferramentas tivermos para medir o progresso, mais certezas teremos de que esses investimentos chegam efectivamente às pessoas que mais precisam deles.

Direitos de autor: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques

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