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28 de Setembro de 2015 às 20:00

Quem vai sofrer mais com as alterações climáticas?

Há uns anos, eu e a Melinda visitámos um grupo de produtores de arroz em Bihar, Índia, uma das regiões do país mais propensas a padecer de inundações. Todos eles eram extremamente pobres e dependentes do arroz que cultivavam para alimentar e sustentar as suas famílias.

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Todos os anos, quando chegavam as chuvas, os rios enchiam e ameaçavam inundar as suas explorações e arruinar as suas colheitas. Ainda assim, estavam dispostos a apostar tudo na possibilidade de que as suas explorações fossem poupadas. Era uma aposta que, com frequência, perdiam. Com as colheitas arruinadas, fugiam para as cidades em busca de trabalho para alimentar as suas famílias. Mas, no ano seguinte, regressavam – frequentemente ainda mais pobres do que quando partiram – preparados para plantar novamente.   

 

A nossa visita foi uma lembrança poderosa de que os agricultores mais pobres do mundo vivem na corda bamba – sem redes de segurança. Não têm acesso a sementes melhoradas, fertilizantes, sistemas de rega e outras tecnologias benéficas, como os agricultores dos países ricos – e também não têm seguro agrícola para os proteger das perdas. Um só golpe de má sorte – uma seca, uma inundação ou uma doença – é suficiente os fazer cair na mais profunda pobreza e fome. 

 

Agora as alterações climáticas vão somar uma nova classe de risco às suas vidas. A subida das temperaturas nas próximas décadas provocará importantes perturbações na agricultura, particularmente nas zonas tropicais. As colheitas não vão crescer por culpa da escassez de água ou do excesso dela. Com um clima mais quente, as pragas vão prosperar e destruir as colheitas.

 

Também os agricultores de países mais ricos vão experimentar alterações. Mas contam com os instrumentos e os apoios para gerir estes riscos. Os agricultores mais pobres do mundo trabalham todos os dias e na maior parte dos casos com as mãos vazias. É por isso que, de todas as pessoas que vão sofrer com as consequências das alterações climáticas, estes são aqueles que provavelmente vão sofrer mais.

 

Os agricultores pobres vão sentir as duras consequências destas alterações precisamente quando o mundo precisará da sua ajuda para alimentar uma população crescente. Prevê-se que, até 2050, a procura mundial de alimentos deverá aumentar em 60%. A quebra das colheitas deverá afectar o sistema alimentar global, aumentando a fome e afectando o progresso tremendo que o mundo tem feito no último meio século na luta contra a pobreza.  

 

Sou optimista, no sentido de que, se agirmos agora, podemos evitar as piores repercussões das alterações climáticas e alimentar o mundo. Há uma necessidade urgente de que os governos invistam em novas inovações em matéria de energias limpas que reduzam de forma expressiva as emissões de gases causadores do efeito de estufa e travem a subida das temperaturas. Ao mesmo tempo, devemos reconhecer que já é demasiado tarde para conter todos os efeitos das temperaturas mais elevadas. Mesmo que o mundo descobrisse, na próxima semana, uma fonte de energia barata e limpa, demoraria algum tempo a mudar os seus hábitos de utilização dos combustíveis fósseis e passar para um futuro livre de carbono. É por isso que é importante que o mundo invista em esforços para ajudar os mais pobres a adaptarem-se.

 

Muitas das ferramentas de que eles precisam são muito básicas – coisas de que precisam de qualquer forma para produzirem mais alimentos e conseguirem mais rendimentos: acesso a financiamento, melhores sementes, fertilizantes, treino e mercados onde possam vender o que cultivam.

 

Outras ferramentas são novas e estão adaptadas às necessidades impostas por um clima em mudança. A Fundação Gates e os seus parceiros têm trabalhado em conjunto para desenvolver novas variedades de sementes que cresçam mesmo durante períodos de seca ou inundações. Os produtores de arroz que conheci em Bihar, por exemplo, estão a cultivar agora uma nova variedade de arroz – designado como arroz de águas inundadas, ou "scuba" na designação anglo-saxónica – que tolera as inundações e pode sobreviver duas semanas debaixo de água. Já estão preparados para o caso de as mudanças das tendências climáticas provocarem mais inundações na sua região. Estão a ser criadas outras variedades de arroz que podem resistir à seca, calor, frio e problemas de solo, como a elevada contaminação de sal.  

 

Todos estes esforços têm o poder de transformar vidas. É muito comum ver estes agricultores duplicar ou triplicar as suas colheitas e os seus rendimentos quando têm acesso aos avanços que os agricultores dos países ricos dão como garantidos. Esta nova prosperidade permite-lhes melhorar as suas dietas, investir nas suas explorações e levar os seus filhos para a escola. Além disso, graças a ela a sua vida não está presa por um fio, dando-lhes a sensação de segurança mesmo quando tenham uma má colheita.

 

Também haverá ameaças das alterações climáticas que não podemos prever. Para estar preparado, o mundo deve acelerar as investigações sobre sementes e apoios para os pequenos agricultores. Uma das inovações mais excitantes para ajudar os agricultores é a tecnologia dos satélites. Em África, os investigadores estão a utilizar imagens de satélite para criar mapas detalhados dos solos, que possam informar os agricultores sobre as variedades mais apropriadas para as suas terras.

 

Ainda assim, uma semente melhor ou uma nova tecnologia não podem transformar a vidas das famílias de agricultores até que não cheguem às suas mãos. Várias organizações, incluindo um grupo sem fins lucrativos designado One Acre Fund, estão a procurar formas de assegurar que os agricultores tiram partido destas soluções. A One Acre Fund trabalha de perto com mais de 200.000 agricultores africanos, proporcionando-lhes acesso a financiamento, ferramentas e capacidade. Pretendem chegar, até 2020, a um milhão de agricultores.

 

Na Carta Anual deste ano, eu e a Melinda apostámos que África poderá alimentar-se nos próximos 15 anos. Mesmo com os riscos de alterações climáticas, esta é uma aposta que mantenho.

 

Sim, é difícil para os agricultores pobres. As suas vidas são puzzles com muitas peças para colocar correctamente – desde plantar as sementes adequadas a utilizar o fertilizante correcto para conseguir capacidade e ter um local para vender as suas colheitas. Se faltar apenas uma peça, as suas vidas podem vir abaixo.

 

Eu sei que o mundo tem o que precisa para contribuir para colocar as peças no lugar de modo a enfrentar as ameaças a que estão expostos actualmente e aquelas que vão enfrentar no futuro. O mais importante é que sei que os agricultores também o farão.

 

Bill Gates é co-presidente da Fundação Bill & Melinda Gates.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
Tradução: Raquel Godinho

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