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03 de Julho de 2015 às 20:00

O Milagre chinês do crescimento sem emprego

O Primeiro-Ministro Chinês, Li Keqiang, referiu-se recentemente à criação de emprego como sendo um ponto fundamental para o "objetivo principal de crescimento com estabilidade" do seu país. O seu comentário não poderia ser mais acertado.

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De facto, uma das características mais desconcertantes do crescimento económico chinês é que, mesmo num contexto de crescimento do PIB na ordem dos dois dígitos, o emprego cresceu a uma taxa média anual de apenas 1,8% entre 1978 e 2004. Aparentemente, a maioria das famílias não foi beneficiada pelo desenvolvimento económico da China. 

 

A explicação superficial para a discrepância entre o crescimento do PIB e o aumento do emprego assenta na reestruturação das empresas públicas (em inglês SOEs - State -Owned Enterprises) ineficazes, originando a queda do emprego no setor público de 112,6 milhões para 67 milhões entre 1995 e 2004. Mas há uma razão mais importante: a viragem para a industrialização por parte da China. Desde há muito tempo que o governo chinês considera a industrialização como um fator-chave para a modernização. Durante a campanha de Mao Tsé-tung, "O Grande Passo em Frente", os metais de sucata eram fundidos de forma a satisfazer metas de produção siderúrgica extremamente otimistas e assim impulsionar um rápido desenvolvimento industrial. Atualmente, o Governo promove projetos industriais e de infra-estruturas os quais, ao promoverem o investimento e a criação de receitas fiscais, permitem que a economia alcance metas de crescimento ambiciosas, mas realistas. 

 

O problema é que o sector da indústria contribui muito pouco para a criação de emprego, sobretudo porque o crescimento relativamente alto do setor - em média mais de 10% durante as duas últimas décadas – restringe a procura de mais trabalhadores. Por outro lado, o setor de serviços da China registou um crescimento de apenas cerca de 5% da produtividade anual, sendo este um mecanismo muito mais eficaz de criação de emprego. 

 

De facto, o setor dos serviços é responsável pela maior parte da criação de emprego nas economias mais avançadas Mas enquanto 80% da força laboral norte-americana pertence ao setor dos serviços, apenas 36% dos trabalhadores chineses pertencem a este setor. Para impulsionar o emprego no setor dos serviços, o governo chinês tem de flexibilizar o seu cunho regulador, diminuir barreiras para entrar em mercados como o das telecomunicações e encorajar a mobilidade laboral. 

 

A aposta da China na produção industrial é problemática por outra razão: é extremamente exigente em termos de capital, devido sobretudo às distorções provocadas pelas políticas governamentais. Para além de manter as taxas de juro abaixo dos níveis de mercado, o governo oferece às indústrias automóvel, de equipamentos e siderúrgica, entre outras, acesso preferencial a crédito barato, tratamento fiscal favorável e apoio por parte do investimento público. Estas políticas incitam as empresas a adotar tecnologias exigentes em termos de capital, ocultando as vantagens comparativas naturais da força laboral. 

 

Ao mesmo tempo, a intervenção do governo tem limitado o crescimento das empresas do setor privado, impedindo-as de ter acesso ao financiamento. Apesar de as Empresas Públicas empregarem apenas 13% da força laboral total e de contribuírem para cerca de 30% do PIB, absorvem metade do investimento total. Juntos, bancos e governo concedem cerca de 35% do investimento às Empresas Públicas, mas apenas 10% do investimento às empresas do setor privado. 

 

Mas as empresas do setor privado são significativamente mais empregadoras do que as Empresas Públicas – que utilizam quatro vezes mais capital – e são por isso responsáveis por grande parte da criação de emprego na China durante as últimas décadas. Com um crescimento médio de 10,4% por ano, o emprego formal do setor privado compensou em parte os despedimentos ocorridos nas empresas públicas entre 1995 e 2004. O emprego informal deste setor cresceu ainda mais rapidamente, a uma taxa anual de 24%, embora partindo de uma base baixa. 

 

Tendo em conta os óbvios benefícios de um setor privado prosperante e em rápido crescimento, o governo chinês deveria adotar medidas para garantir que essas empresas – especialmente as pequenas e médias empresas que são frequentemente excluídas dos mercados de crédito – possam ter acesso ao capital de que necessitam para se expandir. Esta medida conduziria inevitavelmente a um pico de crescimento do emprego. 

 

A verdade desconfortável é que as famílias chinesas beneficiaram muito pouco com o milagre do crescimento económico do país. Na realidade, a quota do rendimento nacional destinada às famílias diminuiu consideravelmente na última década, contrastando fortemente com as economias avançadas, em que a quota destinada às famílias é consideravelmente superior. 

 

Ao permitir que o setor privado prospere, e encorajando a mudança no sentido de uma economia orientada para os serviços, o governo chinês poderia estimular o crescimento do emprego e, por sua vez, o consumo interno. Tal como Li parece reconhecer, é necessário um reequilíbrio estrutural, não apenas para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos chineses, mas também para impulsionar a estabilidade económica e social numa época de profunda incerteza a nível global. 

 

Keyu Jin é professora de economia na Faculdade de Economia da Universidade de Londres (London School of Economics), pertence aos Jovens Líderes Globais do Fórum Económico Mundial e é membro do Conselho Consultivo do Grupo Richemont.

 

© Project Syndicate, 2015.

www.project-syndicate.org

Tradução: Raquel Baltazar

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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