Opinião
O beco sem saída das reformas da China
O programa de reformas da China atingiu um impasse, com conflitos de interesse fundamentais e mecanismos de resistência subtis a bloquear o seu progresso. Até que estas barreiras sejam removidas, há pouca esperança de que a economia em desaceleração da China – que cresceu 7,4% em 2014, a sua taxa mais baixa em quase um quarto de século – possa esperar que a reforma lhe dê o impulso que precisa.
Os líderes chineses estão bem conscientes do difícil que pode ser implementar reformas drásticas. Quando Deng Xiaoping lançou o seu programa radical de "reformas e abertura" em 1978, enfrentou uma oposição feroz – sobretudo das ideologias apaixonadas e revolucionárias. Da mesma forma que o estatuto e contundência de Deng lhe permitiram enfrentar os seus opositores e manter a modernização económica da China em curso, a liderança firme do presidente Xi Jinping pode superar os interesses particulares e implementar as reformas necessárias.
Claro, reconciliar o desalinhamento fundamental de interesses na China não será tarefa fácil – entre outras coisas porque os grupos de interesses não vão discutir reformas, muito menos opor-se, de uma forma aberta e transparente. Em vez disso, argumentam que as reformas são demasiado arriscadas ou expiam as suas disposições substantivas. Apenas foram feitas pequenas concessões para reduzir a intervenção do governo, afectando os poderes que são irrelevantes ou, na realidade, nunca existiram.
Há dois tipos de conflitos de interesses entre as instituições governamentais. Em primeiro lugar, a poderosa burocracia da China está relutante em ceder aos seus poderes em nome da liberalização e uma mudança em direcção a uma economia mais orientada para os mercados.
Por exemplo, a Comissão de Supervisão e Administração de Activos do Conselho de Estado (SASAC, nas siglas em inglês) é a instituição governamental responsável pelas empresas detidas pelo Estado (SOE, nas siglas em inglês). A sua tarefa agora inclui eliminar o poder de monopólio das empresas detidas pelo Estado, que está a obstruir a concorrência do mercado. Mas reduzir o poder das empresas detidas pelo Estado também implicaria um papel diminuído para a SASAC – e, muito provavelmente, a sua eventual obsolescência. Como resultado, os esforços para combater o monopólio estão atrasados e a próxima etapa da reforma – a transição para um "sistema de titularidade conjunta" – continuam distante.
Da mesma forma, a Administração Estatal de Divisas (SAFE, nas siglas em inglês),a subsidiária do Banco Popular da China (PBOC, nas siglas em inglês) que controla as transacções em moeda estrangeira dos bancos comerciais e famílias, obtém o seu poder de controlo das entradas e saídas de capital. Ao reconhecer que um progresso em direcção a uma liberalização da conta de capital implicaria o seu eventual desaparecimento, a SAFE apresentou numerosas desculpas (às quais as recentes crises financeiras no Ocidente dão crédito) para reter um controlo apertado às transacções com moeda estrangeira. Em consequência, apesar do compromisso manifestado pelo governo de liberalizar a conta de capital, o PBOC ainda tem que fazer um progresso notável.
O segundo maior conflito de interesses na China é entre o governo central e os governos locais, que supostamente deveriam estar a ajustar o seu modelo de partilha de receitas. O problema reside numa discordância entre as suas respectivas percentagens de receitas fiscais e os gastos obrigatórios. Como os governos locais estão obrigados a cobrir uma grande proporção de gastos públicos com uma participação desproporcionalmente baixa das receitas, a dívida dos governos locais aumentou.
Mas o governo central continua relutante em fazer mudanças significativas ao modelo de distribuição das receitas. Está receoso não apenas em relação aos efeitos nos seus cofres, mas também a conferir uma maior autonomia aos responsáveis locais. Além disso, duvida da capacidade dos governos locais de administrarem correctamente os seus orçamentos e utilizarem as receitas fiscais adicionais de forma eficiente.
A contradição fundamental, como estes exemplos demonstram, reside entre os objectivos do processo de reforma e os incentivos que os sustentam. Em nenhum lugar isso é mais claro do que no "sistema de titularidade mista" concebido pelo Terceiro Plenário do 18.º do Comité Central do Partido Comunista da China. Encorajar o sector privado a tomar participações nas empresas detidas pelo Estado em áreas estratégicas como a energia, a electricidade e as finanças supostamente aumentará a concorrência, impulsionará a eficiência e reduzirá a pressão sobre o governo para investir.
Mas porque deveriam os investidores privados colocar o seu dinheiro nas empresas detidas pelo Estado? Como accionistas minoritários em empresas cujos administradores são nomeados pelo Ministério Central de Pessoal, os actores privados não podem influenciar a tomada de decisões. Até que o governo central não esteja disposto a ceder o seu controlo sobre a administração das empresas detidas pelo Estado, as reformas de titularidade provavelmente apenas despertem um interesse tépido do sector privado.
Se as implementa completamente, a actual ronda de reformas teria um impacto de grande alcance na economia política da China, porque alteram o equilíbrio de poder dos responsáveis para os mercados. Isso permitiria à China continuar a sua ascensão em direcção ao estatuto de elevados rendimentos, melhorando o bem-estar de milhões dos seus cidadãos no caminho.
Mas os interesses particulares não vão recuar. Embora não se oponham abertamente a reformas, vão continuar a adiá-las e não vão parar de espalhar receio sobre a instabilidade económica e a tensão social, com a intenção de evitar mudanças que ameacem diminuir o seu estatuto e os seus privilégios. Até que os líderes de topo da China não ultrapassem essa resistência, o progresso sobre a reforma continuará a ser lento.
Keyu Jin é professora de Economia na London School of Economics
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
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Tradução: Raquel Godinho