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Paola Subacchi 11 de Abril de 2017 às 14:00

O regresso da estratégia industrial

Os líderes devem agir agora para definir uma visão estratégica abrangente que lhes permita lidar com os desafios futuros. Essa visão deve ser audaciosa e ambiciosa. Acima de tudo, deve ser partilhada.

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A política industrial está de regresso em muitas economias avançadas. Descartada nos anos de 1980 como uma das responsáveis pela estagnação da década anterior, é cada vez mais vista como um meio para conter a deserção dos eleitores da classe trabalhadora para partidos populistas de direita. Mas desenvolver uma estratégia industrial moderna e eficaz não será tarefa fácil.

 

A União Europeia tem vindo a tentar definir um quadro consistente para abordar o tema desde 2014, quando publicou uma análise das vantagens e desvantagens da política industrial. O Reino Unido está mais à frente, tendo lançado em Janeiro um livro verde sobre a construção de uma estratégia industrial. O presidente dos EUA, Donald Trump, também se concentrou na política industrial, ainda que a sua versão implique, presumivelmente, uma intervenção estatal substancial e medidas proteccionistas.

 

A visão regressiva de Trump, apesar da falta de detalhes, já parece defeituosa. Mas as abordagens europeias à estratégia industrial são promissoras, até porque deverão evitar as amplas intervenções do passado que enfatizaram a "escolha de vencedores" [privilegiar determinados sectores ou indústrias]. No Reino Unido, por exemplo, o governo espera focar-se em "intervenções direccionadas", concebidas para criar incentivos positivos, corrigir falhas do mercado e abordar desequilíbrios sociais, geográficos e sectoriais. Claramente, os líderes políticos aprenderam algumas lições importantes da história.

 

Mas continuam a existir problemas sérios. Os governos europeus parecem pensar que podem implementar políticas ad hoc que reforcem a sua "mão invisível" hoje, e que estas políticas vão acabar por se enquadrar perfeitamente num quadro coerente. Isso parece optimista, na melhor das hipóteses.

 

O novo plano do Reino Unido nem sequer identifica o principal objectivo da estratégia. É para reforçar o crescimento do PIB quando o Reino Unido já não fizer parte do mercado único europeu e da união aduaneira? Ou é para aumentar o produto potencial da economia britânica (ou seja, para aumentar o crescimento tendencial de longo prazo)? O plano do governo menciona ambos os objectivos, mas diz pouco sobre a forma como serão equilibrados.

 

Os líderes do Reino Unido devem reconhecer que, se a estratégia visa reforçar o crescimento pós-Brexit, terá provavelmente de ser estabelecida no contexto de tarifas mais elevadas em relação à UE, que continuará a ser o principal mercado do Reino Unido. Essa estratégia também teria que ter em conta a competitividade global da indústria britânica e complementar a nova política comercial independente do país.

 

Ao mesmo tempo, o governo britânico não deve ficar tão preso à ideia de preservar o crescimento de curto prazo e emprego no contexto do Brexit que perca de vista a necessidade de aumentar o potencial de crescimento a longo prazo. No entanto, e de forma preocupante, a estratégia proposta pode enfatizar demasiado a delimitação do próprio envolvimento do governo na economia.

 

Embora os governos estejam certos em evitar privilegiar determinadas áreas, devem permanecer activos de outras maneiras. Especificamente, devem analisar que sectores e indústrias são mais propensos a contribuir para o crescimento de longo prazo, e ajudar a permitir o seu sucesso - mesmo de formas que impliquem riscos financeiros reais.

 

Por exemplo, os governos devem considerar grandes investimentos em infra-estruturas que tenham externalidades positivas – por exemplo, menor tempo de deslocação, com os seus benefícios económicos e sociais - e que podem ser muito grandes ou muito arriscados para o sector privado. Isso é particularmente relevante onde o governo tem acesso a um conjunto mais amplo de informações do que o sector privado, fortalecendo a sua capacidade de optimizar os seus investimentos.

 

Outra componente que está ausente da discussão actual da política industrial na Europa é um cronograma claro. A realidade é que uma estratégia desenvolvida hoje poderia levar uma geração a produzir resultados (pensemos na reforma da educação). Assim, uma estratégia industrial eficaz deve estabelecer não apenas um calendário geral, mas também marcos importantes ao longo do caminho.

 

No caso do Reino Unido, esses marcos devem incluir metas e resultados de curto prazo associados ao processo do Brexit. Afinal, uma estratégia industrial moderna e eficaz exige uma contagem cuidadosa dos activos e recursos, incluindo o capital humano, que a economia precisará nos próximos anos. Para o Reino Unido, essa contabilização não pode ser dissociada do Brexit. Em particular, os líderes do Reino Unido devem identificar quais os recursos que estão ligados ao mercado único da Europa, como podem ser substituídos e quanto tempo demorará esse processo.

 

O último elemento crítico de uma estratégia industrial eficaz é o quadro institucional de que depende. O governo britânico reconhece a importância de criar as instituições certas para enfrentar as disparidades regionais. Mas as instituições devem ir além da ligação entre sectores e regiões para garantir transparência e responsabilidade, especialmente nas relações entre os sectores público e privado.

 

Tendo isso em mente, os líderes britânicos devem reflectir sobre as instituições necessárias e pensar quais já existem e quais precisam de ser actualizadas. É importante resistir ao desejo de simplesmente fechar instituições fracas ou ineficazes e pensar, em vez disso, como é que elas podem ser reformadas e fortalecidas.

 

Estão para chegar grandes mudanças às economias britânica e europeia. Os líderes devem agir agora para definir uma visão estratégica abrangente que lhes permita lidar com os desafios futuros. Essa visão deve ser audaciosa e ambiciosa. Acima de tudo, deve ser partilhada. Num momento de crescente polarização, essa pode muito bem ser a parte mais difícil.

 

Paola Subacchi é directora de pesquisa de Economia Internacional na Chatham House.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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