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Paola Subacchi 04 de Fevereiro de 2018 às 13:10

O destino eleitoral dos bancos italianos

Qualquer esforço para colocar o sector bancário italiano num caminho sólido vai exigir um governo maioritário, uma determinação consistente para colocar o crescimento económico no centro da agenda política e vontade de enfrentar os muitos interesses em Itália.

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À medida que Itália se aproxima daquelas que prometem ser as eleições gerais mais controversas desde 1945, os bancos são o elefante na sala. Demasiado grandes e pesados para serem ignorados, os bancos são uma fonte constante de constrangimento para os partidos que têm estado no governo desde a crise financeira de 2008, em especial para o antigo primeiro-ministro Matteo Renzi, que espera reavivar a sua carreira política em Março. Os bancos são também um alvo convidativo anti-sistema para os populistas do Movimento Cinco Estrelas.

 

De facto, os bancos italianos resumem todos os problemas que a crise financeira trouxe ao país e que os populistas estão a capitalizar: uma dupla recessão seguida de um crescimento lento do PIB, desemprego elevado – em especial entre os jovens -, e o colapso da procura interna. Os bancos também incorporam um emaranhado de interesses, más-praticas e corrupção que, em conjunto com a la dolce vita, são associados a Itália.

 

Apesar do bail-in a quatro bancos locais, do regaste do Monte dei Paschi (um dos bancos sistemicamente importantes de Itália), da liquidação de dois bancos regionais e da recuperação liderada pelo mercado do grupo bancário Carige, de média dimensão, - tudo no espaço de dois anos – o sistema bancário ainda não está estabilizado. Irá a recuperação económica – a economia italiana deverá crescer, em termos reais, 1% este ano e no próximo – ajudar o sistema bancário italiano a ter sob controlo o crédito malparado, que totaliza quase 180 mil milhões de euros? Ou deveria a recuperação ser usada para limpar os balanços dos bancos, agrupando o crédito malparado e vendendo-o com desconto?

 

Antes da crise financeira mundial, a Itália era descrita como um país que tinha bancos sólidos que estavam enraizados na economia local e nunca apostavam em instrumentos financeiros exóticos como derivados. Era também dito que o país tinha aforradores prudentes, que apoiavam o extravagante sector público e a sua dívida crescente.

 

No rescaldo da queda do Lehman Brothers, em Setembro de 2008, o então ministro italiano das Finanças, Giulio Tremonti, defendeu a saúde do sistema bancário do país. Em resultado disso, foi considerada desnecessária uma grande recapitalização dos bancos italianos bem como a constituição de um "banco mau" para absorver o crédito malparado.

 

Dez anos depois, Itália já não é mais vista como a terra de bancos prósperos e de aforradores felizes. A recessão prolongada, e o mau-estar económico, comprometeu a taxa de poupança individual. E os bancos já não têm recursos para dar paz de espírito a muitos investidores do retalho, cuja confiança sofreu uma erosão profunda.

 

O pacto implícito entre os bancos e os aforrados quebrou-se no final de 2015, quando quatro bancos locais problemáticos foram alvo de um bail-in e os accionistas sofreram um golpe. Durante anos, este pacto suportou a repressão financeira ao estilo italiano, na qual os aforradores avessos ao risco negociavam com segurança porque assumiam que os bancos não podiam falhar e aceitaram retornos reais relativamente baixos. A reacção política que surgiu devido ao bail-in gerou um jogo de culpas entre o governo e os partidos da oposição e mesmo entre os políticos e os reguladores, com todos a culparem a União Europeia e os reguladores do sistema bancário.

 

O governo que sair das eleições de 4 de Março vai ter de fazer do sistema bancário uma das suas prioridades. Para restabelecer a confiança entre os aforradores e os investidores, o governo vai ter de criar uma solução para limpar o crédito malparado dos balanços dos bancos, que é algo que está a enfraquecer a concessão de crédito e torna a obtenção de capital mais cara e, por conseguinte, a actuar como um entrave à economia.

 

A solução tem de ser liderada pelo mercado, dado que o crédito malparado é demasiado grande, e a recuperação demasiado lenta para que esta dívida seja gradualmente absorvida. O novo governo pode ter assim de identificar os casos onde o crédito malparado está a impedir o normal funcionamento dos bancos e vender essa dívida e apoiar os bancos afectados. Ao mesmo tempo, os procedimentos civis de falência vão ter de ser alvo de uma reforma para assegurar uma acção razoavelmente rápida no caso dos activos que entrem em incumprimento.

 

Se o objectivo for restaurar a confiança e a credibilidade, no centro dos planos do próximo governo para os bancos tem de estar uma governação sólida. Nos últimos anos, lapsos regulatórios, a falta de independência e uma boa dose de repressão financeira fizeram com que muitos bancos se tenham tornado em meios para financiar familiares, amigos e associados políticos.

 

Por exemplo, o Monte dei Paschi há muito que é associado ao Partido Democrático, que é de centro esquerda, e que tem estado no governo desde 2013. Esta associação política pode ter prolongado a saga do banco durante vários anos, até que ficou tão afectado pelas intervenções fragmentadas e inconsistentes que uma solução de mercado se tornou impossível. Após o resgate no ano passado, o Tesouro italiano detém cerca de 70% do banco.

 

Restabelecer a credibilidade no mercado significa também clarificar qual é o papel que os bancos desempenham na economia. Se eles fornecem um bem público – isto é crédito para a economia real – não devem ser parte de uma estratégia política ampla e de longo prazo para o país? E, numa economia com aproximadamente 600 bancos pequenos e independentes, e demasiadas sucursais, não deve a consolidação ser encorajada e apoiada?

 

Qualquer esforço para colocar o sector bancário italiano num caminho sólido vai exigir um governo maioritário, uma determinação consistente para colocar o crescimento económico no centro da agenda política e vontade de enfrentar os muitos interesses em Itália. Infelizmente, nenhum dos partidos apresentou, até agora, uma agenda económica credível e abrangente. E nenhum até agora parece capaz de conseguir uma maioria parlamentar.

 

O cenário mais provável é, então, que os bancos italianos zombie continuem a alimentar a narrativa eleitoral populista. E se esta narrativa levar a uma vitória populista em Março, a reforma do sector bancário vai ser novamente adiada, o que, eventualmente, vai fazer subir ainda mais os custos.

 

Paola Subacchi é membro sénior da Chatham House e professora convidada da Universidade de Bolonha. O seu livro mais recente é The People’s Money: How China Is Building a Global Currency.

 

Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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