Opinião
O que está realmente em causa no Congresso do PCC?
As duas questões que realmente importam são a de saber se o crescimento da China impulsionado pelo consumo vai estagnar; e se a BRI será abandonada. Nenhuma destas hipóteses seria boa para a economia global. Mas, felizmente, não parecem prováveis.
Este mês, os meios de comunicação internacionais estão compreensivelmente focados no 19º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, um evento cuidadosamente coreografado que irá revelar quem está "dentro" e quem está "fora" em relação ao presidente chinês Xi Jinping.
Embora seja importante saber quem são os favoritos de Xi, não acho o teatro e a intriga do evento tão interessantes como fazem querer parecer. Muito mais importante é se a liderança da China está a actuar de acordo com o que o PCC prometeu aos 1,3 mil milhões de cidadãos do país.
Pouco antes do último congresso, em 2012, o facto de Xi não ter surgido em público durante dias semanas suscitou preocupações. No caso improvável de ter acontecido o mesmo este ano, os alarmes teriam soado. Além disso, se a agenda que Xi apresentar para os próximos cinco anos sugerir que ele e o resto da liderança do PCC estão a perder credibilidade e a esforçar-se para manter o contrato económico e social do partido com as pessoas, o 19º Congresso será muito relevante. Mas duvido que tenhamos motivos para nos preocuparmos demasiado.
Há questões mais pertinentes - duas em particular. Primeiro, será que o aumento modesto do consumo interno continuará a alimentar o crescimento anual de 6-7%? E, em segundo lugar, a Iniciativa "Uma Faixa, uma Rota" (Belt and Road Initiative, BRI), um tanto indefinida, continuará a ser uma grande prioridade para a liderança da China?
Quanto à primeira pergunta, apesar da tendência de crescimento mais lento este ano, a China ainda acrescentará cerca de 1 bilião de dólares ou mais ao seu PIB nominal, dando-lhe uma economia de 12 biliões de dólares até ao final deste ano - quase o dobro do tamanho da economia em 2010. 12 biliões de dólares representam apenas dois terços do tamanho da economia dos EUA; mas o bilião de dólares que será acrescentado este ano é mais do que todas as economias do mundo juntas, tirando as 15 maiores. É mais do que todo o PIB da Indonésia ou da Turquia, e quase tão grande como a economia mexicana.
De acordo com os dados oficiais, o consumo privado na China representa apenas 39,2% do PIB. É uma proporção muito baixa segundo os padrões da maioria das economias de alto rendimento, mas já aumentou de 35,5% do PIB em 2010. Quando traduzimos esse aumento em números, ele representa 2,58 biliões de dólares desde 2010 – um incremento maior do que toda a economia indiana. O crescimento do consumo chinês é claramente o factor mais importante no crescimento do consumo global hoje.
Se o crescimento do consumo chinês continuar na sua trajectória ascendente moderada até 2020, representará pouco mais de 41,5% do PIB, o que significa mais 2 biliões de dólares. No entanto, há algumas evidências anedóticas que sugerem que o crescimento do consumo chinês pode estar a acelerar de forma mais rápida.
Assim, a verdadeira questão para os observadores da China em todo o mundo é se o que acontecer no 19º Congresso afectará essa tendência. Se a tendência continuar ou acelerar, o consumo chinês pode começar a aproximar-se de metade do nível dos Estados Unidos, o que seria um sinal extremamente encorajador de que a economia mundial está a passar por um reequilíbrio muito necessário.
Quanto à segunda questão, suspeito que a China manterá o seu rumo no que respeita à BRI, especialmente tendo em conta as crescentes preocupações sobre o comércio noutros lugares do mundo. Embora ainda não conheçamos a dinâmica precisa deste grande projecto, é seguro assumir que ligar a China, a Europa e todos os lugares pelo meio através de uma melhor infra-estrutura terá um impacto positivo significativo no comércio mundial.
Não penso que a BRI seja tão importante como o consumo chinês para a economia mundial. Mas no que respeita ao comércio, especificamente, o seu impacto pode ser enorme. A BRI deve ter um efeito directo em cerca de 65 países, incluindo a Rússia e a Índia, que, juntamente com a China, constituem três dos quatro BRIC (o outro é o Brasil). E nove dos 11 países emergentes mais populosos a seguir à China estão dentro da abrangência geográfica da BRI.
A maioria desses países ainda não teve o mesmo sucesso que a China a desbloquear o seu potencial económico. Muitos deles dedicam mais recursos às lutas internas ou aos conflitos uns com os outros do que à participação no comércio internacional. Mas com a BRI, o comércio transfronteiriço poderia aumentar, e algumas das rivalidades poderiam ser ultrapassadas, beneficiando os cidadãos da região.
De facto, muito mais interessantes do que os projectos de infra-estrutura da BRI são as suas implicações geopolíticas. A BRI poderia melhorar de forma subtil mas significativa as relações entre a China e os seus vizinhos, e entre os próprios vizinhos.
O relacionamento da China com a Índia e outros países do subcontinente indiano é de particular importância. Quando Xi realizou uma conferência regional para promover a BRI em Maio, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, não participou, para desgosto dos líderes chineses. Mas, numa cimeira dos BRIC, em Setembro, a China e a Índia pareceram alcançar um importante avanço diplomático numa disputa territorial. Se isso se revelar o início de uma aproximação sino-indiana limitada, e se outros rivais da região seguirem o seu exemplo, a BRI poderia acabar por ser uma política histórica.
Quando estiver a ler a análise do seu jornal favorito ao 19º Congresso Nacional do PCC, não se distraia demasiado com as intrigas. As duas questões que realmente importam são a de saber se o crescimento da China impulsionado pelo consumo vai estagnar; e se a BRI será abandonada. Nenhuma destas hipóteses seria boa para a economia global. Mas, felizmente, não parecem prováveis.
Jim O’Neill, ex-presidente da Goldman Sachs Asset Management, é professor honorário de Economia na Universidade de Manchester e antigo presidente da revisão sobre a Resistência Antimicrobiana do governo britânico.
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radução: Rita Faria