Opinião
O ponto de viragem holandês da Europa?
Se os eleitores franceses e alemães seguirem o exemplo dos holandeses, escolhendo líderes capazes de manifestar uma verdadeira visão política e liderança, as eleições deste ano podem ser um ponto de viragem política.
Os eleitores holandeses desferiram um duro golpe no populismo de extrema-direita nas eleições gerais do seu país. Com o eurocéptico e anti-imigração Partido da Liberdade (PVV), liderado por Geert Wilders, tendo conseguido garantir muito menos lugares do que se antecipava, o resultado holandês é um início prometedor para um ano de eleições críticas na Europa.
A Holanda será agora liderada por uma coligação moderada de centro-direita, composta pelo Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD), o Apelo Democrata-Cristão (CDA) e os sociais-democratas do D66. Pequenos partidos cristãos - ou, com menor probabilidade, os esquerdistas Verdes – deverão completar a coligação. Mark Rutte, o líder do VVD, deverá continuar como primeiro-ministro.
A afirmação da moderação política será benéfica para a Holanda - e para a Europa. É provável que o novo governo holandês continue a prosseguir importantes reformas estruturais, incluindo a reforma do complicado regime tributário da Holanda. A melhor abordagem para essa reforma pode ser a introdução de uma taxa fixa de imposto sobre o rendimento e a eliminação do complexo sistema de créditos fiscais, de forma a tornar o regime mais eficiente e transparente, e a estabelecer as bases para um crescimento económico mais rápido a longo prazo.
Dado o grande excedente orçamental da Holanda, o novo governo também poderá investir muito mais em infra-estruturas humanas e físicas - esforços que os principais partidos da coligação têm defendido. É provável que as autoridades continuem a avançar na agenda digital do país, que os principais ministérios se têm esforçado para implementar desde o seu lançamento em Agosto passado. Os progressos continuados nesta área – em que a Holanda já está na vanguarda da Europa - impulsionarão o crescimento da produtividade total dos factores.
Além disso, o novo governo deverá adoptar uma abordagem crítica mas construtiva relativamente à União Europeia e ao euro. Isto significa que a Holanda deverá apoiar e incentivar soluções para os grandes desafios que a UE enfrenta agora, a começar pela crise dos refugiados. Dado que o acordo da UE com a Turquia para travar os fluxos de refugiados para o Ocidente se revelou frágil, os holandeses deverão procurar uma solução mais duradoura.
Tudo isto está muito longe da agenda promovida por Wilders, que se concentrou em acabar com a adesão da Holanda à UE e em fechar as suas fronteiras (especialmente para os muçulmanos). A rejeição dessa agenda por parte dos eleitores holandeses é importante, porque pode indicar que os tipos de retórica populista de direita que persuadiram os britânicos a votar pela saída da UE e os americanos a eleger Donald Trump como presidente podem estar a perder o seu fascínio.
Se assim for, as probabilidades de o partido francês de extrema-direita Frente Nacional, liderado por Marine Le Pen, ou o germânico Alternativa para a Alemanha (AfD) virem a ganhar poder nas eleições deste ano podem estar a diminuir. Embora a UE possa sobreviver a um governo eurocéptico na Holanda, não sobreviverá a um em França ou na Alemanha.
De facto, para que a UE possa avançar para uma via mais sustentável, precisa que ambos os membros do eixo franco-alemão - que tem sido essencial para o progresso da integração europeia – estejam a bordo, garantindo o tipo de liderança política comprometida que a UE não tem tido até agora. Eles devem ser os "portadores da esperança", nas palavras de Max Weber, que criam uma âncora para a estabilidade económica, social e política e para a coesão.
A este respeito, as recentes críticas de Trump e da primeira-ministra britânica Theresa May podem ter sido positivas, na medida em que ajudaram a aproximar a França e a Alemanha. Os desafios económicos aparentemente implacáveis que a UE enfrentou também podem ajudar a inspirar uma liderança comprometida; afinal, a UE tem historicamente dependido de crises para estimular o progresso.
Hoje em dia, o progresso implica a criação de novos mecanismos de coordenação das políticas orçamentais e estruturais dos países com excedentes e défices. Isto exigiria, em primeiro lugar, uma coordenação efectiva de políticas económicas entre a França e a Alemanha - um esforço que permitiria recuperar a confiança e fomentar a integração num quadro a várias velocidades.
O governo holandês também tem um papel importante a desempenhar. O restabelecimento da confiança na Europa exigirá que os países excedentários como a Holanda, juntamente com a Alemanha, concordem em aumentar os gastos em infra-estruturas (com a ajuda do Banco Europeu de Investimento). Por seu turno, os países deficitários como França e Itália devem adoptar reformas estruturais nos mercados de trabalho e de produtos, impulsionando o crescimento económico potencial.
A UE está num momento crítico da sua história. Se os eleitores franceses e alemães seguirem o exemplo dos holandeses, escolhendo líderes capazes de manifestar uma verdadeira visão política e liderança, as eleições deste ano podem ser um ponto de viragem política: o momento em que a União começa finalmente a perseguir com seriedade a integração e a reforma de que tão desesperadamente precisa.
Sylvester Eijffinger é professor de Economia Financeira na Tilburg University, na Holanda.
Copyright: Project Syndicate, 2017.
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Tradução: Rita Faria