Opinião
O BCE torna-se perigoso
Os problemas relacionados com a estratégia do BCE são sérios. No entanto, o BCE parece comprometido em prossegui-la até porque, ao que parece, os que beneficiam do programa de compra de activos superam os que pagam a factura.
O Banco Central Europeu fê-lo novamente. Na sua recente reunião em Frankfurt, o Conselho do BCE decidiu aumentar ainda mais a compra de títulos de dívida, de 60 para 80 mil milhões de euros por mês, e tornar elegíveis para este programa a dívida de empresas. A taxa de depósitos também foi reduzida para -0,4%. Isto está longe de ser uma política neutra – e leva o BCE muito além do seu mandato de preservação da estabilidade monetária.
A motivação por trás das recentes medidas é clara: o presidente do BCE, Mario Draghi, está empenhado em travar a deflação, uma grave ameaça para o crescimento económico. Afinal, num ambiente deflacionário, é mais difícil pagar as dívidas, pelo que as empresas tendem a adiar o investimento. Dados recentes do Eurostat, que mostram que o índice de preços no consumidor caiu 0,2% no mês passado, aumentam as preocupações.
Ainda que o que está a acontecer seja, tecnicamente, uma deflação - isto é, descidas contínuas do nível de preços que podem reflectir-se no emprego ou outros contratos – não é uma deflação estrutural. Em vez disso, reflecte, em grande medida, os baixos preços do petróleo, que caíram mais de 70% desde Junho de 2014. Na verdade, se excluirmos os preços da energia e dos produtos alimentares, a Zona Euro está numa situação de baixa inflação estrutural que, juntamente com o preço do petróleo, deve beneficiar a economia, já que impulsiona o consumo e o investimento.
Então, porque é que o programa de compra de activos do BCE (QE) – que colocou uma grande quantidade de dinheiro em circulação – não foi capaz de estimular a procura por bens e serviços? Um problema é que os bancos estão relutantes em passar a taxa de depósitos negativa para a taxa de poupança, com medo de perder depositantes. Assim, são obrigados a aumentar ainda mais as suas margens em hipotecas e empréstimos para pequenas e médias empresas. Como resultado, e ao contrário do objectivo do QE, estão a conceder menos crédito às famílias e às empresas.
Ao mesmo tempo, os bancos, as famílias e as pequenas e médias empresas ainda estão excessivamente alavancadas, e precisam de tempo para pagar as suas dívidas. Ainda que isto pareça sugerir que o foco do BCE no aumento da inflação esteja correcto, a realidade é que uma simples expansão do programa de compra de activos ignora as questões estruturais que afectam as economias mais frágeis da Zona Euro. Pior ainda, ao possibilitar o endividamento a um custo mais baixo, o QE permite que esses países evitem a implementação de reformas estruturais difíceis.
Draghi e as pombas no Conselho do BCE - nomeadamente os presidentes dos bancos centrais dos países do sul da Europa - parecem pensar que conseguem pôr um carro em movimento dando-lhe, simplesmente, mais combustível, mesmo que a sua embreagem esteja partida. Os falcões no Conselho do BCE, como o presidente do Bundesbank, Jens Weidmann, e o presidente do Nederlandsche Bank, consideram que esta estratégia é um disparate, mas estão em minoria.
O QE foi eficaz para estimular o crescimento económico nos Estados Unidos, porque funcionou através do mercado de capitais. Mas, na Europa, onde não há um mercado de capitais unificado que permita um reequilíbrio das carteiras, a política funciona através do canal de crédito bancário, pelo que infla - e distorce - os preços dos títulos e das acções.
Mais problemático ainda é que a política do BCE resulta numa redistribuição substancial da riqueza dos aforradores (incluindo pensionistas) dos países mais fortes da Zona Euro – nomeadamente a Alemanha, a Finlândia e a Holanda – para os países devedores incluindo França, Grécia, Itália, Portugal e Espanha. Essas transferências não deveriam ser uma característica da União Económica e Monetária (UEM), e forçar mudanças profundas no sistema da UEM não está, claramente, dentro do mandato do BCE - especialmente se essas mudanças favorecem um grupo de países.
Os problemas relacionados com a estratégia do BCE são sérios. No entanto, o BCE parece comprometido em prossegui-la- até porque, ao que parece, os que beneficiam do QE superam aqueles que pagam a factura. Quanto mais tempo o BCE mantiver esta política bizarra e irresponsável, maiores são as hipóteses de, quando o carro começar a andar, perder totalmente o controlo.
Sylvester Eijffinger é professor de Economia Financeira na Tilburg University na Holanda.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
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Tradução: Rita Faria