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O perigoso neo-proteccionismo da América

Ainda que algumas formas de protecção direccionada possam, de facto, apoiar os trabalhadores norte-americanos, o neo-proteccionismo não é a resposta. E não seria apenas ineficaz; provocaria danos substanciais.

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está prestes a cometer um erro político. Vai penalizar - particularmente no curto prazo - países da África Subsaariana, América Latina e Ásia, especialmente economias emergentes como a China e o Sri Lanka (que geram grandes excedentes comerciais em relação aos Estados Unidos) e a Índia e Filipinas (principais destinos de outsourcing). Mas ninguém sofrerá mais do que os próprios Estados Unidos.

 

A política em causa é um estranho proteccionismo neoliberal – chamemos-lhe "neo-proteccionismo". É, por um lado, uma tentativa de "salvar" empregos domésticos, impondo tarifas sobre bens estrangeiros, influenciando as taxas de câmbio, restringindo a entrada de trabalhadores estrangeiros e criando desincentivos ao outsourcing. Por outro lado, envolve uma desregulamentação financeira neoliberal. Esta não é a forma certa de ajudar a classe trabalhadora dos Estados Unidos, hoje.

 

Os trabalhadores americanos enfrentam grandes desafios. Embora os Estados Unidos tenham, actualmente, uma taxa de desemprego baixa, de 4,8%, muitas pessoas só estão a trabalhar em part-time e a taxa de participação da força de trabalho (a parcela da população em idade activa que está a trabalhar ou à procura de trabalho) caiu de 67,3%, em 2000, para 62,7% em Janeiro. Além disso, grande parte dos salários reais está estagnada há décadas; o rendimento mediano real dos agregados familiares é hoje o mesmo que era em 1998. De 1973 a 2014, o rendimento dos 20% das famílias mais pobres diminuiu ligeiramente, enquanto o rendimento dos 5% mais ricos duplicou.

 

Um factor que motivou essas tendências foi a diminuição dos empregos na indústria. Greenville, na Carolina do Sul, é um exemplo. Outrora conhecida como a Capital Têxtil do Mundo, com 48.000 pessoas empregadas na indústria em 1990, a cidade tem hoje apenas 6.000 trabalhadores no sector têxtil.

 

Mas a realidade económica que motiva essas tendências é muito mais complexa do que sugere a retórica popular. O grande desafio que o trabalho enfrenta hoje reside apenas parcialmente no livre comércio ou na imigração; o grande culpado é a inovação tecnológica e, em particular, a robótica e a inteligência artificial, que têm impulsionado substancialmente a produtividade. De 1948 a 1994, o emprego no sector industrial caiu 50%, mas a produção aumentou em 190%.

 

De acordo com um estudo realizado pela Ball State University, se a produtividade tivesse permanecido estável de 2000 a 2010, os Estados Unidos teriam precisado de 20,9 milhões de trabalhadores na indústria para produzir o que estava a ser produzido no final dessa década. Mas o crescimento da produtividade possibilitado pela tecnologia levou a que os Estados Unidos precisassem apenas de 12,1 milhões de trabalhadores. Por outras palavras, perderam-se 42% dos empregos na indústria durante esse período.

 

Ainda que algumas formas de protecção direccionada possam, de facto, apoiar os trabalhadores norte-americanos, o neo-proteccionismo não é a resposta. E não seria apenas ineficaz; provocaria danos substanciais.

 

A questão é que graças a uma série de coisas desde transportes eficientes e seguros até à tecnologia digital e à internet, uma grande quantidade de mão-de-obra barata está disponível para os produtores globais. As tentativas americanas de impedir que as empresas domésticas utilizem esse recurso não mudariam essa realidade, nem impediriam as empresas de outros sítios de o fazer. Como resultado, os produtores dos Estados tornar-se-iam menos competitivos em relação aos da Alemanha, França, Japão e Coreia do Sul, por exemplo. Ao mesmo tempo, a desregulamentação do sector financeiro exacerbaria a desigualdade económica nos Estados Unidos.

 

Uma solução eficaz para os problemas que os trabalhadores americanos enfrentam deve identificar as raízes desses problemas. De cada vez que uma nova tecnologia permite a uma empresa usar menos mão-de-obra, há uma mudança da massa salarial para os lucros. O que os trabalhadores precisam, porém, é de mais salários. Se não vêm dos empregadores, devem vir de outro lugar.

 

Na verdade, chegou a hora de considerar alguma forma de rendimento básico e participação nos lucros. A Finlândia tem experimentado isso. No mundo emergente, a Índia, no seu mais recente inquérito económico, delineou um esquema completo.

 

Na mesma linha, o sistema fiscal deveria ser muito mais progressivo; actualmente, há muitas brechas para os ultra-ricos nos Estados Unidos. O investimento em novas formas de educação que permitam aos trabalhadores assumir tarefas mais criativas, que não podem ser feitas por robôs, também será vital.

 

Alguns na esquerda americana - por exemplo, o senador Bernie Sanders – defenderam essas políticas. Compreendem que o conflito é de trabalho versus capital, enquanto os neo-proteccionistas se focam na concorrência entre o trabalho nos Estados Unidos e o trabalho estrangeiro. Mas foram os neo-proteccionistas que ganharam mais poder, e estão agora a ameaçar seguir uma agenda que vai cortar as asas dos produtores dos Estados Unidos, acabando por minar a posição do país na economia global.

 

Quando Greenville viu a vantagem competitiva do sector industrial a começar a diminuir, poderia ter tentado criar incentivos artificiais para proteger as empresas. Mas, em vez disso, criou incentivos para outros tipos de negócios. Essa diversificação reforçou a economia da cidade, mesmo tendo perdido a maioria dos seus empregos no sector têxtil.

 

É assim que os Estados Unidos deviam estar a pensar hoje. Se os presidentes dos Estados Unidos tivessem usado, no passado, as políticas neo-proteccionistas que estão a ser propostas agora para manter os empregos de baixa qualificação quando estes começaram a mudar-se para os países em desenvolvimento, a economia dos Estados Unidos teria hoje um sector industrial maior. Mas também se pareceria mais com uma economia em desenvolvimento.

 

Kaushik Basu, antigo economista-chefe do Banco Mundial, é professor de Economia na Cornell University.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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