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16 de Fevereiro de 2016 às 20:30

Navegar pela nova Rota da Seda da China

Realizar a iniciativa "um cinturão, uma estrada" não será fácil. Mas a China tem todas as ferramentas que precisa para ter sucesso. Desde que as use de uma forma limpa, verde e transparente, a China e os seus vizinhos vão colher vastas recompensas.

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Desde a sua introdução pelo presidente chinês Xi Jinping em 2013, da iniciativa "um cinturão, uma estrada" - um ambicioso plano para revitalizar a mítica Rota da Seda por terra e mar, para ligar o ocidente ao oriente - tem chamado consideravelmente à atenção. E por uma boa razão: o projecto, que envolve mais de 60 países e algumas organizações internacionais, acarreta oportunidades sem precedentes - e desafios.

 

A original Rota da Seda, estabelecida há mais de 2 mil anos, era uma rede crítica de rotas comerciais que promoviam as trocas económicas, políticas e culturais entre a Ásia, a África e a Europa. O "Cinturão Económico da Rota da Seda" e a "Rota da Seda Marítima do século XXI" farão o mesmo, com novas ou melhoradas infra-estruturas, que facilitam o fluxo das trocas comerciais, do investimento, da cultura e das ideias - e ainda suporta o crescimento económico partilhado.

 

Na perspectiva da China, a lógica por detrás da estratégia é clara. Com as suas fontes de receita crescentemente pressionadas, a China precisa de continuar a avançar no processo de abertura da sua economia. Isso significa construir relações mutuamente benéficas com os países vizinhos, que podem beneficiar ao se apropriarem de algumas das actividades de baixo valor acrescentado chinesas. Isso promete impulsionar o seu próprio crescimento enquanto cria espaço para a economia chinesa subir na cadeia de valor, onde a produtividade e os salários - factores determinantes para o consumo - são maiores.

 

A China já começou a pavimentar o caminho para estes relacionamentos, fortalecendo a cooperação económica e as relações de comércio com os países no "cinturão e na estrada [da nova Rota da Seda]". Também chefiou a criação de instituições multilaterais – nomeadamente o Banco de Investimento em Infra-estruturas Asiático - para apoiar os projectos de investimento.

 

As vantagens comparativas da China, incluindo um centro financeiro global em Hong Kong e um centro financeiro regional em Shangai, reforçam o seu papel de liderança. Acrescente-se a isso o recente aumento de empresas inovadoras e de rápido crescimento - como a Huawei, a Alibaba e a Wanda - e a China está bem posicionada para implementar a visão ambiciosa de Xi [Jinping].

 

Mas não será uma viagem sem tribulações. Tal como qualquer iniciativa transnacional, a iniciativa "um cinturão, uma estrada" requer diplomacia para gerir as relações entre os diversos países e um planeamento cuidado para crescer em escala de forma eficaz.

 

Cada país da iniciativa "um cinturão, uma estrada" enfrenta uma combinação única de riscos e desafios. Muitos deparam-se com riscos macroeconómicos, devido à volatilidade da moeda, ao fardo de grandes dívidas, e a estruturas económicas não diversificadas e insustentáveis. A nível microeconómico, os riscos incluem, por exemplo, débeis sectores bancários.

 

Erros de gestão governamental, desde corrupção até à implementação ineficaz de reformas, também colocam sérios desafios, assim como as tensões políticas e sociais (e, em algumas áreas, a ameaça do terrorismo). E não se pode esquecer o risco sempre presente de desastres naturais, exacerbado pelas alterações climáticas.

 

Depois ainda existem diversas e complexas leis, regras e regulamentações que moldam o clima empresarial de cada país. Claro, é virtualmente impossível para as empresas chinesas inteirarem-se deste clima antes de se inserirem nele. Mas, qualquer violação poderá colocar em risco toda a operação e investimento de uma empresa.

 

Os desafios podem ser complexos, mas a forma de navegar sobre eles é simples. Primeiro e antes de mais, não pode haver corrupção, o que não só iria danificar a iniciativa "um cinturão, uma estrada", como iria minar a capacidade da China de avançar com outras iniciativas transnacionais no futuro. Segundo, nenhum projecto a nível das infra-estruturas deve avançar sem uma ponderação cuidada sobre os custos financeiros, os benefícios e impacto ecológico, como a poluição do ar e a destruição de ecossistemas. Por fim, todos os projectos têm de ser transparentes, e ter uma folha de balanço efectiva.

 

Para reforçar esta abordagem, a provisão do financiamento para os projectos da iniciativa "um cinturão, uma estrada" precisam de cumprir estritamente as regras do mercado. Dada a escala da maioria dos investimentos, o financiamento - que é baseado no fluxo de caixa de um projecto, mais do que na folha de balanço dos seus promotores - vai mostrar-se muito útil, assim como mecanismos eficazes de partilha de risco.

 

Mais, os promotores devem olhar para lá da criação de um projecto, para a conquista de objectivos a médio-longo prazo, garantindo a sua rentabilidade e gerindo o seu impacto ao longo do prazo na comunidade local e no ambiente. Consultores, advogados, auditores, organizações sem fins lucrativos, e outras entidades com experiência internacional podem ter um papel vital em todos estes esforços.

 

Há também passos práticos que podem ser dados para mitigar riscos específicos. Por exemplo, para minimizar os riscos associados com a operacionalidade e o ambiente regulatório e legislativo pouco familiar, as empresas devem estabelecer uma ligação à priori com entidades locais que orientem as suas actividades.

 

A China, como principal promotor da iniciativa "um cinturão, uma estrada", precisa de dar passos para garantir que as empresas actuam de forma responsável. O Governo central terá de coordenar e regular governos locais de forma eficaz, enquanto trabalha para garantir que a competição é justa e construtiva. Ao mesmo tempo, a China deve implementar um programa de treino bem desenhado que providencie às autoridades de todos os escalões governativos e aos empreendedores informações básicas sobre como operar no estrangeiro.

 

E deve fazer mais para aumentar o envolvimento de Hong Kong - que possui vantagem competitivas no aspecto financeiro, logístico, na acessibilidade à informação, no recrutamento de talento e na implementação das leis e regras - na iniciativa.

 

Por fim, mas não menos importante, o Governo central precisa de fortalecer a orientação de estratégias de gestão de crises e de saída.

 

Realizar a iniciativa "um cinturão, uma estrada" não será fácil. Mas a China tem todas as ferramentas que precisa para ter sucesso. Desde que as use de uma forma limpa, verde e transparente, a China e os seus vizinhos vão colher vastas recompensas.

 

Liu Mingkang é um ex-presidente da Comissão de Regulação Bancária da China, é um investigador do Instituto de Economia e Finanças Globais na Universidade Chinesa de Hong Kong e membro do Instituto Global da Ásia, na Universidade de Hong Kong. Wenzhi Lu é investigador assistente na Universidade de Hong Kong de Ciência e Tecnologia. 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016. 
www.project-syndicate.org

Tradução: Inês F. Alves

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