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25 de Outubro de 2015 às 20:00

Deve a Alemanha deixar o euro?

O debate sobre se a Grécia deve deixar a Zona Euro reavivou a ideia de que Alemanha, e outras economias também fortes, serviriam melhor o resto do contingente se fossem elas a saírem da união monetária.

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Mas, apesar desta ideia poder receber alguns aplausos, implementá-la seria em termos económicos dúbio, míope e impraticável.

 

Para começar não seria fácil libertar a maior economia europeia da moeda única. Qualquer discussão séria sobre esse objectivo iria gerar caos nos mercados financeiros, devido às inúmeras incertezas ligadas ao processo.

 

Ainda mais importante são as falhas económicas, três das quais são imediatamente visíveis. Em primeiro lugar, os defensores de uma saída da Alemanha colocam demasiada fé no poder das moedas fracas em impulsionarem a economia. Estes argumentam que se a Alemanha sair, o resto da Zona Euro iria desvalorizar e essa desvalorização iria restabelecer o crescimento. Isto é pouco provável.

 

Antes da introdução do euro, países como a Itália, Grécia, Espanha e Portugal – e até à década de 1980 também a França – desvalorizavam regularmente as suas moedas. O resultado era inflação e um pouco de crescimento. Foram precisamente as consequências dolorosas da desvalorização cambial que aliciou estes países a juntarem-se à união monetária com a Alemanha.

 

Uma desvalorização da moeda pode impulsionar as exportações no curto prazo mas também faz com que as importações sejam mais caras, diminuindo assim o poder de compra das famílias. Os trabalhadores naquela altura exigiam salários mais elevados para compensar. A menos que o banco central seja muito forte e esteja preparado para engendrar um abrandamento económico, os salários mais elevados tendem a fazer subir a inflação. O resultado é frequentemente uma espiral salários-preços que rapidamente ofuscam os ganhos de competitividade de uma moeda mais fraca.

 

Em segundo lugar, os defensores de uma saída da Alemanha argumentam que esta economia é muito competitiva para partilhar uma moeda como os actores mais frágeis como a Itália, França e Espanha. Isto é elogioso mas errado. Desde o ano 2000 que o crescimento acumulado do PIB da França é o mesmo que o da Alemanha. A Irlanda e a Espanha tiveram crescimentos ainda melhores apesar das fortes quedas que tiveram de suportar durante a crise.

 

A competitividade não depende apenas, ou mesmo primeiramente, de taxas de câmbio. Os fundamentais como a produtividade, educação, pesquisa e desenvolvimento e o sistema de impostos são mais importantes. Nestas áreas, a Alemanha está longe de estar num campeonato só seu. Pelo contrário, o país tem de parar de descansar à sombra dos seus louros e recomeçar as suas reformas domésticas se quer manter a sua posição forte na Zona Euro e mundialmente. De qualquer maneira, seria absurdo reorganizar a união monetária de cada vez que a competitividade de cada membro individual mudasse.

 

Finalmente, os defensores de uma saída da Alemanha dizem que a Zona Euro na sua forma actual é profundamente defeituosa (embora frequentemente tenham relutância em dar detalhes sobre exactamente como é defeituosa). Para ser claro, a Zona Euro não cumpre na totalidade todas as condições de uma área monetária perfeita (que inclui uma economia aberta e diversificada, livre movimentos de capital e de trabalho e preços e salários flexíveis). Mas, embora a Zona Euro tenha espaço para melhorar, a crise trouxe já muitos progressos em termos de integração e flexibilidade. A Zona Euro pode não ser perfeita mas é boa o suficiente para durar.

 

Uma das mais importantes condições – mas frequentemente ignorada – para uma união monetária bem-sucedida é a capacidade dos seus membros em concordarem em certos fundamentais de política económica. Independentemente das diferenças históricas e culturais que persistem entre os sistemas económicos de, digamos, Itália, França, Espanha e Alemanha, todos estes países acordaram princípios fundamentais de uma economia de mercado. Em especial, acordaram que o crescimento económico sustentável exige mercados abertos para os produtos e para o trabalho.

 

No caso da Grécia, estas ideias fundamentais não parecem ter sido aceites universalmente. Durante décadas, o Estado actuou como empregador de primeiro e de último recurso. O mercado dos produtos foi estrangulado pela regulação, devido à influência de interesses instituídos. Este sistema pode persistir apenas através de empréstimos públicos constantes. Durante os últimos 20 anos – incluindo o período em que a Grécia se juntou ao euro – o défice orçamental médio do país foi de mais de 7% do PIB.

 

Os salários e os preços na Grécia já caíram o suficiente para restabelecer a competitividade; o país precisa agora de um enquadramento em que a actividade económica privada possa prosperar. Se as condições ligadas ao terceiro plano de resgate ajudarem a Grécia a ir para um modelo económico mais sustentável então, também, terá um futuro na Zona Euro.

 

A sobrevivência da Zona Euro exige, em primeiro lugar e mais importante, que todos os seus estados-membros tenham economias fortes e flexíveis, o que significa que todos têm de fazer esforços contínuos para continuarem a ser competitivos. Ponderar se economias mais (ou menos) competitivas devem deixar a união monetária pode ser um exercício intelectual interessante. Mas contribui pouco para a tarefa presente.

Michael Heise é economista-chefe da Allianz SE.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015. 
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro

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