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23 de Outubro de 2013 às 14:28

Cortejar os príncipes da China

Os “principezinhos” da China – os filhos dos altos funcionários chineses que beneficiam de privilégios na educação, emprego e negócios – estão agora sob um intenso escrutínio, como nunca estiveram antes. Bo Xilai, o filho de um dos companheiros de Mao e um suposto “imortal” da revolução, foi recentemente condenado a prisão perpétua, por acusações de corrupção e abuso de poder.

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Fora da China, os "príncipes" também estão a ser alvo de escrutínio. Recentemente, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos anunciou que estava a investigar a contratação de principezinhos por parte do JPMorgan Chase, em Hong Kong.

 

Apesar dos recentes escândalos terem colocado os príncipes da China sob o holofote da comunicação social, eles têm sido mercadorias apetecíveis para as empresas ocidentais que procuram capitalizar as suas guangxi (ligações) para fechar transacções multimilionárias. A lista de instituições financeiras envolvidas nessas práticas de contratação parece um quem é quem da banca de investimento.

 

Obviamente, é prematuro concluir que o JPMorgan violou a lei norte-americana sobre a Prática de Corrupção no Exterior empregando filhos de funcionários chineses que supervisionavam as empresas que contratavam o banco para subscrever as suas ofertas de acções. No entanto, o caso evidencia uma tendência mais ampla: o cortejo dos príncipes da China por instituições de ensino e empresas ocidentais de prestígio com o propósito de promover os seus interesses paroquiais no crescente mercado chinês.

 

A inédita corrida ao recrutamento de príncipes começa nas principais faculdades e universidades do mundo. Como a China não tem universidades que rivalizem com a Ivy League dos Estados Unidos ou com Oxford e Cambridge, os altos funcionários chineses preferem enviar os seus filhos para essas escolas.

 

Dada a opacidade em torno das admissões para essas instituições altamente selectivas (onde a taxa de aceitação geral é de cerca de 8%), é impossível dizer se os príncipes são admitidos por mérito próprio ou por causa das suas famílias. Mas é de sublinhar que não há “principezinhos” nos mais prestigiados programas de doutoramento, onde são os professores, e não os administradores, que tomam as decisões de admissão. Da mesma forma, no MIT e Caltech, onde só os verdadeiramente talentosos sobrevivem, também não se encontram príncipes.

 

Na verdade, o grande número de príncipes, incluindo filhos de altos líderes chineses, agora a frequentar universidades da Ivy League aponta claramente para a importância dos laços familiares. A filha do presidente Xi Jinping, por exemplo, estuda em Harvard, sob um nome falso, e o filho de Bo Xilai foi estudante em Oxford e na Kennedy School of Government, da Universidade de Harvard, e está agora na Columbia Law School.

 

Por outras palavras, depois de identificarem a China como um mercado importante para angariar fundos e construir redes de influência, consideram os príncipes tão valiosos como um investimento rentável. Criar laços com a elite política chinesa é um bom negócio, e os “principezinhos” podem ajudar a abrir portas.  

 

Mas o tratamento preferencial que é dado aos príncipes nas universidades (e escolas de negócios) tem custos sociais reais, porque a admissão nessas instituições é uma soma zero. Um lugar atribuído a um príncipe menos qualificado é um lugar negado a um candidato mais qualificado.

 

Pior ainda, esta injustiça tende a perpetuar-se por si mesma. Os bancos de investimento ocidentais e as multinacionais podem usar as credenciais académicas dos príncipes para justificar a sua contratação, mesmo que a verdadeira razão seja a esperança de que colocar um príncipe na folha de pagamentos dê à empresa um gerador de negócios na China.

 

Os defensores desta prática insistem que os príncipes têm um elevado nível de educação e qualificação. Sem dúvida, alguns deles sim; mas muitos não. Os apologistas também afirmam que o nepotismo é universal, citando exemplos de filhos de políticos norte-americanos e líderes empresariais que se formaram em universidades da Ivy League e asseguraram óptimos empregos no sector privado.

 

Mas a contratação de príncipes chineses não é o equivalente moral do nepotismo ao estilo americano. O ambiente político e social em que as duas práticas ocorrem são completamente diferentes. Nos Estados Unidos, o nepotismo é difícil de esconder, e o escrutínio público ajuda a denunciar as suas manifestações mais flagrantes. O processo democrático, em particular o papel desempenhado por uma imprensa livre, limita o favorecimento dos filhos dos altos funcionários do governo.

 

Na China, por outro lado, a corrupção generalizada, a ausência de uma imprensa livre e o capitalismo de Estado implicam que a conduta dos príncipes não tenha restrições – e esteja, normalmente, envolta em segredo. Os censores chineses eliminam, metodicamente, a cobertura de notícias sobre os negócios dos príncipes. Mais importante ainda, como parte da sua estratégia para a sobrevivência do regime, o Partido Comunista chinês favorece os “principezinhos” nas nomeações para o governo e para as empresas estatais.

 

Agora, no rescaldo da queda de Bo, e à luz da controvérsia sobre a contratação de príncipes chineses pelo JPMorgan, os líderes académicos e empresariais do ocidente devem responder a uma questão difícil: Querem ser cúmplices de ajudar o Partido a perpetuar o seu domínio hereditário?

 

Minxin Pei é professor no Claremont McKenna College e investigador sénior não residente no German Marshall Fund dos Estados Unidos.

 

© Project Syndicate, 2013.

www.project-syndicate.org

Tradução de Rita Faria

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