Opinião
Conseguirá Macron ser bem-sucedido?
Pelo bem da França, da Europa e do resto do mundo, temos de esperar que a vitória de Emmanuel Macron seja seguida por uma mudança de atitude da Alemanha.
A vitória de Emmanuel Macron sobre Marine Le Pen foi uma boa notícia para qualquer pessoa que seja a favor de sociedades abertas, democráticas e liberais em vez de sociedades xenófobas e nativistas. Mas a luta contra o populismo de direita está longe de estar vencida.
Marine Le Pen obteve mais de um terço dos votos na segunda volta, apesar de apenas um partido além da Frente Nacional – o Debout la France de Nicolas Dupont-Aignan – lhe ter dado apoio. A participação caiu face às eleições presidenciais anteriores, indicando a existência de um grande número de eleitores descontentes. Se Macron falhar durante os próximos cinco anos, Le Pen vai voltar com a sua vingança e os populistas nativistas vão ganhar mais força na Europa e em outros locais.
Numa era de políticas anti-sistema, enquanto candidato, Macron foi ajudado pelo facto de ter ficado fora dos partidos políticos tradicionais. Contudo, enquanto presidente, esse facto é uma desvantagem. O seu movimento político, Em Marcha!, tem apenas um ano. Macron vai ter de construir do zero uma maioria legislativa após as eleições para a Assembleia Nacional, em Junho.
As ideias económicas de Macron não são facilmente caracterizadas. Durante a campanha eleitoral, foi frequentemente acusado de não dar detalhes. Para muitos de esquerda e da extrema-direita, Macron é um neoliberal, com pouco a distingui-lo das políticas de austeridade que falharam e que trouxeram a Europa para o actual impasse político. O economista francês Thomas Piketty, que apoiava o candidato socialista Benoît Hamon, descreveu Macron como o representante da "Europa de ontem".
Muitos dos planos económicos de Macron têm, de facto, um tom neoliberal. Macron comprometeu-se a baixar os impostos sobre as empresas de 33,5% para 25%, cortar 120 mil empregos na função pública, manter o défice público abaixo do limite da União Europeia, que é de 3% do PIB, e aumentar a flexibilidade do mercado laboral (um eufemismo para fazer com que seja mais fácil às empresas despedir). Mas Macron prometeu manter os benefícios nas pensões e prefere, aparentemente, um modelo social de flexisegurança ao estilo nórdico – a combinação de elevados níveis de segurança económica com incentivos de mercado.
Nenhum destes passos vai dar um grande contributo (muito menos no curto prazo) na abordagem ao desafio principal que vai definir a presidência de Macron: a criação de emprego. Como nota Martin Sandbu, o emprego foi a principal preocupação dos eleitores durante as eleições francesas e deve ser uma das principais prioridades da nova administração. Desde a crise da Zona Euro que o desemprego em França se manteve elevado, nos 10% - e próximo dos 25% no caso de pessoas com menos de 25 anos de idade. Não há nenhuma prova que mostre que a liberalização do mercado laboral vá aumentar o emprego, a menos que a economia francesa receba um impulso significativo também na procura agregada.
E é aqui que entra outra componente do programa económico de Macron. É proposto um plano de estímulos a cinco anos, no valor de 50 mil milhões de euros, que inclui investimentos em infra-estruturas e em tecnologias verdes e formação para os desempregados. Mas, dado que isto é pouco mais de 2% do PIB anual francês, o plano de estímulos, por si só, não vai fazer muito para impulsionar o emprego.
A ideia mais ambiciosa de Macron é dar um grande salto em direcção a uma união orçamental na Zona Euro, com um Tesouro comum e com um único ministro das Finanças. Na sua perspectiva, isto permitirá transferências orçamentais permanentes a partir dos países mais fortes para os países que têm desvantagens com a política monetária comum da Zona Euro. O orçamento da Zona Euro seria financiado com as receitas fiscais dos Estados-membros. Um parlamento da Zona Euro separado iria dar supervisão e responsabilidade política. Tal unificação orçamental iria fazer com que fosse possível a países como a França aumentar os gastos em infra-estruturas e impulsionar a criação de emprego sem rebentar com o tecto orçamental.
Uma união orçamental apoiada por uma integração política mais profunda faz sentido eminentemente. Pelo menos, representa uma saída coerente para a actual situação da Zona Euro. Mas as políticas abertamente europeístas de Macron não são apenas uma questão de políticas ou de princípios. São também fundamentais para o sucesso do programa económico. A França, sem uma flexibilidade orçamental maior, ou sem transferências do resto da Zona Euro, dificilmente vai conseguir sair em breve da situação em que se encontra ao nível do emprego. O sucesso da presidência de Macron depende em larga medida da cooperação europeia.
E isso leva-nos à Alemanha. A reacção inicial de Angela Merkel ao desfecho eleitoral não foi encorajadora. Merkel congratulou Macron, que "carrega as esperanças de milhões de franceses". Mas também disse que não vai considerar mudanças nas regras orçamentais na Zona Euro. Mesmo que Angela Merkel (ou um futuro governo de Martin Schulz) esteja mais disponível, há um problema com o eleitorado alemão. Os políticos alemães retrataram a crise da Zona Euro não como um problema de interdependência, mas como um conto de moralidade – trabalhadores e parcimoniosos alemães contra devedores ambíguos e extravagantes – pelo que vão ter dificuldades em conseguir que os seus eleitores sejam favoráveis a um projecto orçamental comum.
Antecipando a reacção alemã, Macron comentou: "Não podem dizer que são a favor de uma Europa forte e da globalização mas que só por cima do seu cadáver é que [vão permitir] uma união de transferências". Isso, acredita Macron, é a receita para a desintegração e para políticas reaccionárias. "Sem transferências, não vai ser possível uma convergência da periferia e isso vai criar divergências políticas [que podem abrir] em direcção ao extremismo".
A França pode não estar na periferia da Europa, mas a mensagem de Macron para a Alemanha é clara: ou ajudam-me a construir uma verdadeira união – económica, orçamental e eventualmente política – ou vamos ser atropelados pela investida extremista.
Quase tudo indica que Macron está certo. Pelo bem da França, da Europa e do resto do mundo, temos de esperar que a sua vitória seja seguida por uma mudança de atitude da Alemanha.
Dani Rodrik, é professor de Economia Política Internacional na John F. Kennedy School of Government de Harvard, e é o autor do livro Economics Rules: The Rights and Wrongs of the Dismal Science.
Copyright: Project Syndicate, 2017.
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Tradução: Ana Laranjeiro