Opinião
Como prevenir a auto-destruição do Reino Unido
Uma conclusão clara das eleições recentes é que May terá que considerar uma forma "mais suave" de Brexit do que estava disposta a tolerar.
Se fosse um britânico que tivesse estado preso na Antárctida durante o último ano e meio, tinha desculpa para querer ter ficado por lá. As decisões tomadas durante a sua ausência pelos políticos britânicos, especialmente os líderes do Partido Conservador, colocaram em causa o futuro do seu país. O Reino Unido parece ter perdido o controlo da sua sanidade. Mas a loucura pode ser revertida.
Primeiro, lembre-se de que, nas eleições gerais de Maio de 2015, os conservadores conquistaram uma maioria absoluta, tendo anteriormente estado numa coligação (surpreendentemente bem sucedida) com os democratas liberais desde 2010. Os Tories não esperavam claramente a sua vitória abrangente, e alguns argumentam que foi a promessa do partido de realizar um referendo sobre a permanência na União Europeia que a tornou possível.
Tenho dúvidas sobre essa afirmação. Mas o facto é que, no início da primavera de 2016, a apenas três meses do referendo sobre o Brexit, Whitehall e o governo perderam toda a influência sobre a política. Eu sei porque fazia parte desse governo, como ministro.
Depois de a campanha a favor da saída ter vencido o referendo, o Partido Conservador, dividido acerca do abandono da UE, respondeu com uma mudança de liderança de David Cameron para Theresa May e uma mudança significativa no foco para o novo governo de May. Mas os Tories ainda tinham pouca influência sobre a política, porque May e os seus conselheiros arrogantes passaram a maior parte do tempo a dizer ao governo como é que as coisas iriam correr.
Isso culminou na decisão desastrosa de May de tentar uma maioria maior. As primeiras eleições gerais que convocou em Abril, quando os Tories estavam com uma vantagem de 20 pontos nas sondagens, deixaram agora o Reino Unido com um governo minoritário.
Mas talvez não sejam apenas os políticos que estão loucos. Talvez muitos eleitores também estejam.
Consideremos os eleitores jovens, que nas recentes eleições parecem ter ido às urnas em massa, dando um enorme apoio ao líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn. Se os jovens tivessem participado no referendo do Brexit numa dimensão semelhante, o Reino Unido teria votado a favor da permanência na UE A incerteza de hoje, ampliada por sinais de que o impulso positivo da economia do Reino Unido está a diminuir, continuaria a ser o pesadelo.
Como é que esta auto-destruição pode ser travada?
Para começar, assumamos que o Partido Conservador continua petrificado sobre escolher um novo líder ou realizar outras eleições. Para evitar ambas as situações, os Tories terão que superar a sua paranóia e fazer com que o seu próximo governo - envolvendo possivelmente um acordo formal com os unionistas da Irlanda do Norte - seja um arranjo sustentável. Isso exigirá maior flexibilidade e inclusão em questões-chave da política.
Sobre o Brexit, por exemplo, enquanto os defensores mais veementes da saída e da permanência vão manter as suas ideias, parece bastante claro que o eleitorado não quer sofrer dificuldades económicas e sociais. Assim, uma conclusão clara das eleições recentes é que May terá que considerar uma forma "mais suave" de Brexit do que estava disposta a tolerar. Em vez de se preocupar com o facto de o Parlamento aprovar ou não as futuras facturas relacionadas com a saída do Reino Unido da UE, porque não ultrapassar os impasses e incluir algumas figuras do Partido Trabalhista - e outros – numa equipa alargada para a negociação do Brexit?
Muitos estão agora ansiosos por oferecerem os seus pontos de vista sobre se o Reino Unido deve voltar a olhar para o "modelo norueguês" de relações com a UE, ou algum outro esquema que mantenha a participação do Reino Unido no mercado único. Seja qual for a opção, é agora evidente que o Reino Unido precisa de uma política que possa garantir um apoio amplo e genuíno.
Uma segunda mudança para melhor seria, espero eu, menos controversa: reduzir o poder concedido no Reino Unido a Conselheiros Especiais não eleitos, ou SPAD, que se tornaram figuras dominantes em todos os departamentos governamentais. Durante a minha experiência de 17 meses como ministro, fiquei convencido de que o poder excessivo dos SPAD - e a sua abordagem arrogante - prejudica o excelente serviço público do Reino Unido, bem como os ministros eleitos e nomeados.
Os dois principais SPAD de May, Fiona Hill e Nick Timothy, levaram esse perigo a níveis preocupantes. Já pagaram o preço, com May a demiti-los a pedido do seu partido. Os SPAD têm certamente um papel a desempenhar, mas não o exagerado de que muitas vezes abusam.
Em terceiro lugar, o Reino Unido precisa de colocar o drama político de hoje em perspectiva e continuar com a formulação de políticas, inclusive em áreas que não têm nada a ver com o Brexit. O Northern Powerhouse, projectado para revitalizar o norte do Reino Unido, economicamente negligenciado, mostrou sinais iniciais de sucesso (o noroeste, por exemplo, superou o resto do país, em termos económicos nos últimos 12-15 meses), mas precisa de mais apoio do governo.
A desigualdade intergeracional também precisa de ser abordada. Os jovens precisam de maior acesso a um ensino pós-secundário útil e acessível, bem como a oportunidade de pagar as suas próprias casas. Se as suas necessidades não estão adequadamente representadas, os jovens podem afastar-se do voto no futuro – e partir para formas de protesto menos construtivas.
O Reino Unido precisa de levar muito mais a sério a formação de capacidades, incorporando-a no ADN educacional do país da mesma forma como os estágios estão incorporados na Alemanha. De um modo mais geral, a melhor forma de servir os jovens de hoje é tornar o aumento da produtividade uma prioridade nacional.
Mas para que tudo isto aconteça, May precisa de usar o medo de uma batalha de liderança dentro do Partido Conservador, e o medo do partido de outras eleições gerais, para superar os próximos desafios. Após dois anos de irresponsabilidade governativa, o Reino Unido merece melhor.
Jim O'Neill, ex-presidente da Goldman Sachs Asset Management, é professor honorário de Economia na Universidade de Manchester e presidente da revisão sobre resistência antimicrobiana do governo britânico.
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Tradução: Rita Faria