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28 de Maio de 2015 às 20:00

China: corrupção ou crescimento?

A campanha anti-corrupção lançada pelo presidente chinês Xi Jinping, que já derrubou muitos "tigres" de alto nível no governo, tem sido amplamente elogiada como uma componente fundamental das profundas reformas estruturais de que a China precisa para construir uma economia de mercado mais sustentável e inclusiva. Mas muitos temem que num país onde a actuação dos funcionários públicos é muito importante para o crescimento económico, eliminar a corrupção possa minar a prosperidade.   

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Algumas pessoas mencionam os recentes problemas de restaurantes e hotéis de luxo (que, na China, dependem em grande medida dos gastos do governo) como prova de que a campanha anti-corrupção está a desencorajar actividades favoráveis ao crescimento. Mas é provável que a quebra seja temporária e que, depois de um período de ajustamento, surjam novos clientes.

 

Uma causa de preocupação mais credível é que os esforços para terminar com a corrupção possam tirar aos funcionários públicos incentivos para promover o crescimento. Ao fim e ao cabo, os elevados níveis de crescimento traduzem-se em elevados rendimentos que os funcionários podem conseguir mediante práticas de corrupção para benefício próprio ou dos seus amigos e protegidos. Segundo este raciocínio, ao eliminar estas práticas, os funcionários já não poderão tirar proveito do crescimento económico – e, assim, estarão menos motivados a encorajá-lo.

 

Mas este argumento está longe de ser hermético. Uma das formas mais comuns de corrupção é a "venda" de posições no governo – uma prática que tem pouco a ver com crescimento, especialmente vindo de oficiais militares de topo, como os generais do Exército Popular de Libertação presos durante a campanha pela promoção a troco de subornos.

 

Outra grande preocupação é que, tirar às empresas meios para "lubrificar as engrenagens" – ou seja, subornar os responsáveis para lhes permitir contornar as regulações excessivas – possa prejudicar o seu desempenho. E, de facto, mesmo depois de 30 anos de reformas, a produtividade da economia da China continua limitada por elevados níveis de burocracia.  

 

Mas este argumento também tem defeitos. O mais importante é que para que os ditos subornos impulsionem o crescimento económico de forma significativa ou sustentável deveriam ser prática comum num amplo conjunto de empresas – não apenas as mais ricas e melhor relacionadas. Não é o que acontece actualmente; a maior parte dos funcionários chineses que têm sido acusados até agora tinham aceitado subornos de um único empresário, com o que permitiam à sua empresa obter uma posição de monopólio.

 

De modo que, ainda que na China o suborno possa facilitar o crescimento até certo ponto, não promove o tipo de ambiente empresarial competitivo que torne possíveis ganhos de longo prazo. De facto, o certo é que a corrupção impõe um imposto considerável e frequentemente arbitrário para as empresas, sobretudo porque retira aos funcionários incentivos para reduzir a burocracia em benefício de todas elas – uma mudança que realmente impulsionaria o crescimento.   

 

A conclusão é clara: os custos da corrupção superam de longe os benefícios – e não apenas na China. Desde a Segunda Guerra Mundial, muitos países têm tentado fazer a transição do estatuto de rendimentos baixos para o de rendimentos elevados, mas apenas 13 foram bem-sucedidos – e todos tinham níveis relativamente baixos de corrupção pública.

 

Tendo isto em conta, podemos questionar como a China conseguiu atingir um crescimento tão impressionante ao longo dos últimos 20 anos, apesar da corrupção excessiva. A resposta está provavelmente relacionada com a sua "selectrocracia". Ao contrário de uma democracia, onde os cidadãos elegem os funcionários do governo baseados nos critérios que escolham, na "selectrocacia" da China, o Partido Comunista da China escolhe os responsáveis para promoção baseado na sua capacidade de promover os principais objectivos do partido – especialmente o crescimento.

 

Claro que as ligações políticas e a lealdade também pesam nas decisões de promoção, especialmente nos altos níveis do governo. Mas, como assinala um trabalho do cientista político americano Pierre Landry e dos seus colegas, o factor mais importante é o crescimento económico, particularmente para os responsáveis a nível local e municipal, onde têm lugar muitas das actividades públicas das quais depende o crescimento – por exemplo, o investimento em infra-estruturas. 

 

A possibilidade de promoção dá aos responsáveis um forte incentivo positivo para impulsionar o crescimento. Pensemos em Liu Zhijun, antigo ministro dos Transportes e promotor do frenesim de linhas ferroviárias de alta velocidade na China. O seu desejo de realização profissional – e, especialmente, o seu desejo de ser promovido – motivou importantes contribuições para o crescimento do PIB da China.

 

Mas Liu também se entregou a um abuso de poder em grande escala – no momento da sua prisão, em 2011, tinha aceite mais de 10 milhões de dólares em subornos – o que provocou importantes perdas económicas para o Estado. A sua sentença de morte (suspensa) deverá dissuadir outros funcionários de imitar o seu exemplo.

 

Se funcionários corruptos podem contribuir tanto para o crescimento, imaginem o que funcionários obedientes à lei podem fazer. Tudo o que precisam são fortes incentivos para serem pró-activos. Neste sentido, a "selectocracia" da China, que promete promoções aos funcionários mais eficazes na promoção do crescimento, pode ser a chave para explicar o histórico económico impressionante do país.  

 

Yao Yang é director do Centro de Pesquisa Económica da China e reitor da Escola Nacional de Desenvolvimento, da Universidade de Pequim.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org 
Tradução: Raquel Godinho

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