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20 de Julho de 2016 às 20:30

Bem fazer, fazendo o bem

Vivemos numa época de enormes transformações – uma era em que focar exclusivamente os resultados financeiros no curto prazo é receita para a extinção, e atender às necessidades da sociedade é completamente compatível com a rentabilidade de longo prazo.

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Há dois anos, Elon Musk, CEO da Tesla, decidiu abrir o acesso às patentes da sua companhia a toda a gente – uma jogada em sentido absolutamente contrário ao comportamento competitivo tradicional. Por que razão iria uma empresa oferecer aos seus rivais os seus originais, tanto tecnológicos como de design, desenvolvidos tão arduamente?

 

Independentemente do que se pense de Musk, uma coisa é certa: a sua coragem tem de ser reconhecida. Ele está a reescrever as regras do negócio, com a convicção de que o sucesso da Tesla depende de todo o mercado dos carros eléctricos e de que os interesses da sua empresa são indissociáveis dos interesses da sociedade.

 

A estratégia pouco convencional de Musk pode virar toda a indústria de pernas para o ar – em benefício do todo. Se a abertura das patentes da Tesla resultar na entrada de novos operadores no sector, isso pode transformar num fenómeno de massas o que agora é um produto de nicho – uma transformação que iria interferir positivamente, e de forma significativa, no combate às alterações climáticas.

 

Não faz sentido perguntar se Musk está a tentar combater as alterações climáticas ou se está apenas a tentar ganhar a vida. Ele está a tentar as duas coisas. E, além disso, é exactamente este tipo de capitalismo de consciência cidadã que será requerido às empresas no futuro.

 

Vivemos numa época de enormes transformações – uma era em que focar exclusivamente os resultados financeiros no curto prazo é receita para a extinção, e atender às necessidades da sociedade é completamente compatível com a rentabilidade de longo prazo. Apesar de esta visão poder parecer pouco convencional neste momento, o tempo dará razão aos pioneiros. Nos próximos anos, empresas de sucesso tomarão a dianteira no combate aos desafios mais urgentes do nosso tempo em matéria de desenvolvimento – num vasto leque que se estende desde a pobreza às doenças, passando pelas alterações climáticas.

 

Considere-se o caso da M-KOPA, uma empresa do Quénia que instala kits de energia solar e cobra através de pagamentos electrónicos. Ao fornecer electricidade a preços mais baixos do que os da iluminação com querosene – a alternativa para os seus clientes – a M-KOPA tem fornecido energia solar a mais de 330.000 agregados familiares de baixos rendimentos no Quénia, no Uganda e na Tanzânia. E novas ligações estão a ser adicionadas a um ritmo de 500 lares por dia.

 

A eliminação gradual do querosene tem um impacto imenso na vida dos clientes da M-KOPA, na saúde das suas crianças e no meio ambiente. Mas não pode ser considerada uma caridade: a empresa tem previsto alcançar 60 milhões de dólares de lucros em 2016, tendo tido um crescimento de 400% em apenas dois anos.

 

Um outro exemplo pode ser encontrado no Peru, onde mais de 30 instituições financeiras escolheram um semelhante e pouco convencional caminho para a rentabilidade, trabalhando em conjunto com vista ao estabelecimento do chamado Modelo Peru – uma plataforma que providencia serviços bancários digitais.

 

No Peru, a norma tem sido a das transacções em dinheiro. Então, as empresas participantes decidiram que era do interesse colectivo criar uma plataforma nacional para pagamentos electrónicos, e trabalharam com o governo e quatro empresas de telecomunicações para construir a plataforma. Hoje, o número de peruanos com acesso a serviços financeiros acessíveis aumentou significativamente. E as instituições por trás do projecto ganharam acesso a um conjunto maior de consumidores do que alguma vez teriam tido se cada uma delas tivesse desenvolvido separadamente a sua plataforma.

 

A minha própria organização, a International Finance Corporation, também está consciente do valor de reescrever as normas. Em 2006, introduzimos padrões de desempenho para ajudar as empresas dos nossos clientes a atenuar os riscos, aplicando princípios ambientais e sociais (E&S, na sigla em inglês) e antecipando a liderança do sector privado no desenvolvimento responsável.

 

Inicialmente outras instituições financeiras mostraram-se cépticas em relação à nossa estratégia e viram na rigorosa aplicação das normas a maneira certa para perderem lucros e negócio. No espaço de poucos anos, porém, os principais bancos e instituições financeiras de desenvolvimento uniram-se para estabelecerem os Princípios do Equador baseados na nossa proposta de padrões em matéria de E&S.

 

Hoje, os nossos padrões aplicam-se ao financiamento de projectos em todo o mundo e ajudaram a nivelar o campo de actuação em empresas do sector bancário. Além disso, através da Rede de Banca Sustentável (Sustainable Banking Network) – uma associação de bancos centrais, reguladores e associações de serviços financeiros – estamos a ajudar os países a desenvolver políticas nacionais para estimular o financiamento verde. E constatamos um crescente apetite por este tipo de áreas de actuação, tanto de governos como do sector privado.

 

O mundo tem uma nova dinâmica – e meios – para criar um mercado de massas para o financiamento sustentável, em que as decisões de financiamento são movidas tanto pelos E&S e critérios de boa governação quanto por objectivos de solvabilidade. Empresas que assinaram os Princípios das Nações Unidas para o Investimento Responsável colocaram activos sob gestão num total de 60 biliões de dólares.

 

Um número crescente de empresas reconhece que, hoje, a fórmula para o sucesso inclui

um olhar sobre as necessidades prementes da sociedade. Como Musk descobriu, o segredo está em atender a essas necessidades de maneira a serem lucrativas e sustentáveis a longo prazo, e depois, quando uma solução de negócios vantajosa é identificada, trabalhar em conjunto para tornar possível a sua implementação em larga escala. Com a vontade para desafiar pressupostos e mudar percepções convencionais, podemos mudar o mundo para melhor.

 

Ethiopis Tafara é conselheiro geral e vice-presidente do departamento de risco corporativo e sustentabilidade na International Finance Corporation.

 

Direitos de autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org

 

Tradução: Rosa Castelo

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