Opinião
As lições da Irlanda para a Grécia
O governo grego, liderado pelo partido de esquerda Syriza, quer obter um novo acordo dos seus credores europeus, defendendo que o programa de resgate da troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia) empurrou o país para uma espiral de deflação e austeridade. Mas, ao passo que ninguém contesta que as coisas correram mal na Grécia, o argumento de que a consolidação orçamental conduz necessariamente a uma recessão sem fim não é confirmado pelos factos.
É só olhar para a Irlanda, que está entre os países que mais foram afectados pela crise económica global. Tendo "inchado" bastante durante os anos de euforia anteriores a 2008, os bancos da Irlanda ficaram em mau estado, com enormes prejuízos, quando a bolha imobiliária explodiu. Para impedir uma fuga de depósitos, o governo garantiu a totalidade de depósitos e de passivos.
Assim, a dívida estatal subiu de 25% do produto interno bruto, em 2007, para mais de 120%, em 2013. Acrescentando-se a dívida privada, os irlandeses estavam sentados numa montanha de dívida total de quase 400% do PIB. Na Grécia, onde a dívida privada é muito mais baixa, a dívida total representa cerca de 300% do PIB.
Apesar disso, a Irlanda reconquistou o acesso aos mercados de capitais no início de 2013 e os investidores têm poucas preocupações em relação às perspectivas do país. Na verdade, a economia está a crescer rapidamente, o desemprego está abaixo da média europeia e o custo de financiamento do país encontra-se um ponto percentual abaixo do que é pago pelas obrigações do Tesouro dos Estados Unidos.
A Irlanda provou que, mesmo numa crise severa, a consolidação e as reformas firmes podem rapidamente estabilizar a economia e preparar o terreno para o regresso ao crescimento. Durante a crise, o governo irlandês cortou os salários e as pensões do sector público, aumentou a idade da reforma (para 68 em 2028), reduziu benefícios sociais e aumentou o imposto sobre o valor acrescentado (IVA).
É óbvio que há importantes diferenças entre a Irlanda e Grécia. A austeridade estava destinada a prejudicar a rígida economia grega – uma das menos flexíveis da Europa – muito mais do que a da Irlanda, onde os flexíveis mercados de trabalho e de produto permitiram consideráveis cortes de postos de trabalho no imobiliário, na construção e na banca, compensados parcialmente com contratações noutros sectores. A economia irlandesa também beneficia da forte ênfase que coloca nas exportações e dos fortes laços com as economias relativamente prósperas do Reino Unido e dos Estados Unidos.
Mas a Irlanda ainda pode deixar importantes lições para a Grécia – a começar pela necessidade de reconquistar a confiança dos mercados financeiros. O foco inabalável de colocar as finanças públicas em ordem e a limpeza do sector bancário permitiram à Irlanda sair do seu programa de resgate de 67,5 mil milhões de euros no final de 2013, como estava planeado.
Além do mais, as taxas de juro implícitas soberanas irlandesas na maturidade a dez anos, que estiveram perto dos 15% em meados de 2011, estão agora em mínimos históricos, abaixo de 1%. Embora o programa de compra de obrigações a larga escala do Banco Central Europeu tenha dado uma ajuda para baixar as rendibilidades, o sucesso do governo irlandês em regressar aos mercados de capital sem a rede de segurança de uma linha de crédito cautelar fornecida pelos credores internacionais – um exemplo seguido posteriormente por Portugal – não deve ser esquecido.
Assim que a confiança dos investidores regressou, começou a funcionar um ciclo virtuoso. Por exemplo, a Irlanda foi capaz de reembolsar os 12,5 mil milhões que devia ao FMI antecipadamente, já que conseguia refinanciar-se de forma mais barata nos mercados, ajudando a reduzir ainda mais o encargo com taxas de juro.
Para a Irlanda, a confiança e o crescimento têm andado de mãos dadas. Tendo recuado mais de 6% em 2009, a economia irlandesa tem apresentado um desempenho superior ao das restantes economias resgatadas desde 2011. No último ano, a Irlanda registou uma taxa de crescimento de 4,8% - de longo, a melhor da Zona Euro. Está no caminho para crescer 3% ano, o dobro da média da região.
O crescimento está a ser conduzido por um conjunto variado de factores. A contenção salarial e os ganhos de produtividade melhoraram a competitividade, daí impulsionando as exportações. E, agora que os preços do petróleo e a queda de cinco pontos percentuais do desemprego estão a dinamizar o consumo, a recuperação está a expandir-se para outros sectores.
Em suma, a credibilidade que a Irlanda ganhou através de rígidas políticas e reformas orçamentais ajudou a restaurar a confiança, facilitando o regresso ao crescimento e, portanto, à consolidação orçamental. Obviamente, a abordagem política específica a um país não pode ser imitada para todos os outros. Mas a atitude de "poder fazer" e o método inabalável da Irlanda podem servir como uma inspiração para a Grécia e para outras economias em dificuldades na Zona Euro.
Michael Heise é economista-chefe na Allianz SE
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015
Tradução: Diogo Cavaleiro