Opinião
As incógnitas conhecidas das sanções dos EUA contra o Irão
Os preços do petróleo afundaram 45% em 1991 e 35% em 2003, um mês depois de os EUA lançarem os seus ataques. Uma queda dessa dimensão parece inconcebível hoje, mas os preços do petróleo deverão cair, apesar das sanções contra o Irão - ou talvez por causa delas.
As sanções contra o Irão restabelecidas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, levantam duas questões importantes que não têm respostas convincentes. Primeiro, esta acção tornará o mundo mais seguro, como afirma Trump, ou desestabilizará ainda mais o Médio Oriente enfraquecendo os esforços futuros para limitar as armas nucleares, como argumenta a maioria dos especialistas geopolíticos que não trabalham directamente para os governos dos EUA, Israel e Arábia Saudita? E, segundo, os esforços dos EUA para obrigar as empresas estrangeiras a cumprir as suas sanções contra o Irão revelar-se-ão tão intensos como a retórica beligerante de Trump?
As sanções contra o Irão poderão não passar de um gesto vazio. Como disse recentemente o antigo embaixador chinês no Irão: "Durante mais de um ano, a diplomacia de Trump, desde o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, a Parceria Transpacífico e o acordo climático de Paris até à questão nuclear da Península Coreana e da guerra civil na Síria, pode ser descrita como um trovão barulhento, mas com pouca chuva".
Ainda assim, a questão da guerra e da paz é impossível de responder. Quinze anos de caos no Médio Oriente desencadeados pela guerra do Iraque em 2003 ensinaram ao mundo uma lição incontestável: ninguém na Casa Branca, CIA, Mossad ou nos serviços de inteligência sauditas faz ideia do que pode acontecer a seguir na região.
A questão comercial também é difícil de responder, por uma razão mais simples: a verdadeira extensão da aplicação de sanções não será clara até aos estágios finais do período de seis meses previsto pelos novos regulamentos dos EUA para que as empresas se desvinculem do Irão.
Mas neste estágio inicial do confronto EUA-Irão, vale a pena considerar outra questão, ainda mais importante, do plano económico: o que é que as sanções americanas farão ao preço do petróleo?
À primeira vista, a resposta parece demasiado óbvia para ser discutida: o preço do petróleo vai subir à medida que as sanções restringirem a produção e as exportações do Irão, enquanto os traders se preparam para uma possível guerra. Mas os mercados financeiros têm um hábito desconcertante: previsões vistas pelos investidores como completamente óbvias muitas vezes revelam-se erradas. Pode vir a acontecer isso mesmo com os preços do petróleo, por várias razões.
Os preços do petróleo já estão 70% acima do seu nível do verão passado - e as expectativas de sanções dos EUA contra o Irão têm sido um dos principais responsáveis por esse aumento. "Comprar no rumor e vender na notícia" é um princípio antigo da especulação financeira. As recentes compras sem precedentes de contratos de petróleo por especuladores não comerciais nos mercados futuros de Nova Iorque e Londres sugerem que as sanções já podem estar reflectidas nos preços, com o Brent a negociar nos 78 dólares por barril.
Este preço nunca subiu acima dos 70 dólares desde 2014, quando o aumento da produção de petróleo de xisto nos EUA levou a um colapso nos preços. E o petróleo para entrega futura em 2020 ainda está bem abaixo dos 70 dólares, criando uma condição de mercado invulgar chamada "deep backwardation", que foi vista pela última vez no outono de 2014 e que muitas vezes pressagia uma queda acentuado nos preços.
Passando das condições especulativas para os fundamentais da produção de petróleo, não é nada claro que as sanções vão reduzir as exportações do Irão ao ponto de afectar o equilíbrio global entre oferta e procura. Ainda que as exportações do Irão tenham quase duplicado desde que as anteriores sanções foram suspensas em 2015 - de 1,5 milhões de barris por dia para cerca de 2,5 milhões actualmente - a maior parte desse petróleo foi vendido à China, Índia e Turquia, que provavelmente ignoram ou contornam as sanções dos EUA.
A parte genuinamente vulnerável do comércio de petróleo do Irão é a exportação de apenas 750 mil barris por dia para a União Europeia, Coreia do Sul e Japão. A UE prometeu proteger o seu comércio com o Irão, mas mesmo que isso seja impossível, grande parte do petróleo iraniano que agora flui para a Europa, Japão ou outros aliados dos EUA será, sem dúvida, desviada para países como a Índia e a China, que libertarão mais petróleo saudita, iraquiano ou russo para a Europa e Japão.
O facto de os comerciantes de petróleo redireccionarem constantemente as cargas de petróleo ao redor do globo explica porque é que a maioria dos analistas espera que as sanções reduzam o fornecimento global de petróleo em menos de 500 mil barris por dia. Uma mudança desta escala seria menor do que o colapso de 700 mil barris das exportações venezuelanas de petróleo desde o ano passado, e muito menor do que o aumento esperado de 1,1 milhões de barris por dia na produção dos Estados Unidos nos próximos 12 meses, já para não falar da provável queda na procura por petróleo, provocada pelo aumento acentuado dos preços desde o verão passado.
Em suma, as sanções contra o Irão terão menos impacto sobre o equilíbrio global entre a oferta e a procura do que o desempenho da economia mundial e o comportamento de outros produtores de petróleo. Isto sugere outra razão pela qual o confronto EUA-Irão poderia levar a preços mais baixos, e não mais altos: Trump e os seus aliados sauditas têm agora um incentivo político muito forte para resistir a uma maior pressão altista sobre os preços do petróleo.
Os custos crescentes da gasolina já reverteram quase metade dos ganhos decorrentes dos cortes de impostos deste ano para os americanos de classe média. Se os preços do petróleo subirem muito mais durante o verão, Trump será culpado pelos eleitores e os republicanos poderão sofrer nas eleições intercalares de Novembro, especialmente nos estados do Centro-Oeste.
Assumindo que Trump considera politicamente conveniente restringir os preços do petróleo, espera-se que a liderança saudita lhe dê o apoio de que precisa. Por outro lado, o Irão e a Rússia, que anteriormente eram menos agressivos do que a Arábia Saudita em relação aos preços da OPEP, podem agora apoiar restrições mais rígidas na oferta, precisamente porque um aumento acentuado nos preços do petróleo poderia ter um efeito negativo sobre Trump.
A experiência passada sugere que os interesses políticos dos EUA e da Arábia Saudita deverão prevalecer, pelo menos no curto prazo. Assim aconteceu depois das duas guerras no Iraque. Os preços do petróleo afundaram 45% em 1991 e 35% em 2003, um mês depois de os EUA lançarem os seus ataques. Uma queda dessa dimensão parece inconcebível hoje, mas os preços do petróleo deverão cair, apesar das sanções contra o Irão - ou talvez por causa delas.
Anatole Kaletsky é economista-chefe e co-chairman da Gavekal Dragonomics e o autor de Capitalism 4.0, The Birth of a New Economy.
Copyright: Project Syndicate, 2018.
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Tradução: Rita Faria