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17 de Novembro de 2016 às 20:00

Além do acordo climático de Paris

O acordo de Paris, concluído no passado mês de Dezembro, foi um grande feito e uma manifestação de união política sem precedentes para lidar com uma das mais perigosas e complicadas ameaças ao nosso bem-estar e prosperidade futura.

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Agora que já foi ratificado pela Índia e pela União Europeia, o acordo climático de Paris pode entrar em vigor. Mas a parte difícil ainda está para chegar: transformar um acordo vago, em termos de compromissos políticos, em acções concretas para mitigar o aquecimento global.

 

O acordo de Paris, concluído no passado mês de Dezembro, foi um grande feito e uma manifestação de união política sem precedentes para lidar com uma das mais perigosas e complicadas ameaças ao nosso bem-estar e prosperidade futura.

 

Mas, em termos práticos, o acordo dificilmente é uma garantia de sucesso. Não fornece ferramentas para assegurar a implementação de políticas e medidas necessárias para manter o aquecimento global "bem abaixo" dos dois graus Celsius do nível pré-industrial, o limiar que se constitui como ponto central do acordo.  

 

O acordo dá apenas o enquadramento para informar e rever a implementação de agendas nacionais díspares, bem como disposições que têm como objectivo levar os países a alcançarem reduções mais profundas. Em vez de estabelecer um mecanismo de aplicação para manter os países no caminho correcto para alcançarem os seus objectivos, o acordo assenta num "diálogo facilitador" sobre os progressos colectivos para não perder dinamismo. Mas mesmo esta ideia não vão ser testada até 2018.

 

Dadas as dificuldades de tal cooperação intergovernamental de larga escala, um acordo global mais ambicioso e vinculativo não deve ser expectável, pelo menos no curto prazo. Mas as mudanças climáticas não vão esperar. Os seus efeitos estão já a ser sentidos mundialmente, com as condições meteorológicas extremas a serem cada vez mais frequentes.

 

De facto, as provas sugerem que os efeitos das actuais concentrações de emissões de gases de efeito de estufa estão já no limite superior dos cenários previstos. Os cientistas do clima alertam agora que a janela de dois graus está a fechar-se rapidamente, se é que já não está fechada.

 

Para termos alguma hipótese de alcançar os objectivos climáticos, precisamos de tomar acções rapidamente para reduzir as emissões de forma drástica – acções essas que vão para além do acordo de Paris. Temos de transformar fundamentalmente a forma como fazemos negócios, com os investidores e as empresas a abandonarem as suas abordagens cautelosas à transição para o baixo carbono.

 

Há sinais que tal mudança de mentalidade está em curso. Esforços e iniciativas para catalisar um movimento mais rápido na direcção de práticas mais ecológicas por parte das empresas, investidores e mercados de capitais estão a multiplicar-se, impulsionadas em parte por líderes empresariais ansiosos por beneficiarem da transformação. Mas o momento continua a não ser forte o suficiente e, em geral, os mercados de capitais continuam a não incorporar os factores do clima e do carbono quando estabelecem os preços dos activos e quando fazem a avaliação de risco.

 

Com a abordagem correcta, os empresários podem não apenas ajudar a alcançar as metas para as emissões estabelecidas em Paris, como também contribuir para relançar o crescimento e cumprir os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, aprovados no ano passado pelas Nações Unidas. Como enfantiza um relatório recente da Comissão Global sobre Economia e Clima, essa abordagem devia ter como ponto central o investimento em infra-estruturas sustentáveis.

 

Não há dúvida de que os investimentos feitos hoje em infra-estruturas, bem como na extracção e serviços, vão ter implicações importantes nas emissões de longo prazo. A abordagem errada pode facilmente deixar o mundo preso numa economia baseada no carbono durante uma década ou mais, fazendo com que o limiar de dois graus seja ultrapassado. Contudo, uma infra-estrutura ecológica pode ser a base para uma economia sustentável.

 

O relatório da Comissão Global visa identificar os principais obstáculos ao financiamento de tal infra-estrutura e à criação de uma agenda para ultrapassá-los. Ao fazê-lo, isto representa uma nova abordagem para implementar uma mudança sistémica, diferente em dois aspectos.

 

Em primeiro lugar, a agenda proposta adopta uma perspectiva mais holística sobre a transformação ecológica. O relatório inclui recomendações específicas sobre questões como as mudanças dos sistemas de baixo carbono mas apresenta-as no âmbito de um conjunto de prioridades mais vastas como são os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável. Por outras palavras, não quer apenas colocar a transição para uma economia mais ecológica no topo da agenda; quer que esta transformação seja um elemento fundamental da resposta a um amplo conjunto de desafios económicos, sociais e políticos.

 

Em segundo lugar, as recomendações enfatizam as oportunidades de negócio apresentadas pela disrupção que está a ocorrer na economia mundial. Se os investidores reconhecerem os benefícios de se envolverem desde o início numa nova economia, eles provavelmente vão aceitar as mudanças necessárias e, por conseguinte, ajudar no avanço da transição climática.

 

A nova abordagem pode fazer toda a diferença – e não apenas para os negócios. O que está em jogo é nada mais nada menos do que a capacidade do mundo voltar a ter controlo sobre o seu futuro.

 

Bo Lidegaard, antigo editor chefe do jornal dinamarquês Politiken, e autor do livro Countrymen.

 

Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.
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Tradução: Ana Laranjeiro

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