Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião

Acabar com o terrorismo boomerang

Por mais doloroso que seja admiti-lo, o Ocidente, especialmente os Estados Unidos, carrega uma significativa responsabilidade por ter criado as condições para que o ISIS florescesse. Só uma mudança na política externa dos Estados Unidos e da Europa face ao Médio Oriente pode reduzir o risco de mais terrorismo.

  • 2
  • ...

Os atentados terroristas contra civis, quer seja derrubando um avião no Sinai, matando 224 passageiros civis, quer o horrífico massacre de Paris que matou 129 pessoas, ou o trágico atentado à bomba em Ancara, que matou 102 activistas pacifistas, são crimes contra a humanidade. Os perpetradores – neste caso o Estado Islâmico no Iraque e no Levante (ISIS) – têm de ser parados. O sucesso vai requerer uma clara percepção das raízes desta cruel rede de jihadistas.

 

Por mais doloroso que seja admiti-lo, o Ocidente, especialmente os Estados Unidos, carrega uma significativa responsabilidade por ter criado as condições para que o ISIS florescesse. Só uma mudança na política externa dos Estados Unidos e da Europa face ao Médio Oriente pode reduzir o risco de mais terrorismo.

 

Os recentes ataques devem ser entendidos como "terrorismo de contra-resposta": um terrível resultado não-intencional das repetidas acções militares, ocultas e visíveis, dos Estados Unidos e da Europa em todo o Médio Oriente, Norte de África, Corno de África e Ásia Central, que tiveram como objectivo derrubar governos e instalar regimes conformes aos interesses ocidentais. Estas operações não apenas desestabilizaram as regiões alvo, provocando grande sofrimento; também colocaram as populações dos Estados Unidos, da União Europeia, da Rússia e do Médio Oriente em grande risco de serem alvos do terror.

 

Nunca foi contada a verdadeira história ao público sobre Osama bin Laden, a Al Qaeda ou o crescimento do ISIS no Iraque e na Síria. Começando em 1979, a CIA mobilizou, recrutou, treinou e armou jovens sunitas para lutarem contra a União Soviética no Afeganistão. A CIA recrutou amplamente nas populações muçulmanas (incluindo europeias) para forma os Mujahideen, uma força de combate multinacional sunita mobilizada para expulsar do Afeganistão os infiéis soviéticos.

 

Bin Laden, proveniente de uma família rica saudita, foi chamado a ajudar a liderar e co-financiar a operação. Este era um procedimento típico da CIA: confiar no financiamento improvisado através de uma família abastada saudita e do contrabando local e comércio de estupefacientes.

 

Ao promover a visão fundamental de uma jihad defensora das terras do islão (Dar al-Islam) contra o exterior, a CIA produziu uma endurecida força de combate de milhares de homens deslocados das suas casas e ansiosos por combater. É esta força de combate inicial – e a ideologia que a motivou – que hoje continua a servir de base das insurreições jihadistas sunitas, incluindo do ISIS. Enquanto o alvo inicial dos jihadistas era a União Soviética, os infiéis de hoje incluem os Estados Unidos, a Europa (especialmente a França e o Reino Unido) e a Rússia.

 

No final dos anos 1980, com a retirada soviética do Afeganistão, alguns elementos dos Mujahideen criaram a Al Qaeda, "a base", em árabe, e que se referia aos equipamentos e campos de treino militares construídos no Afeganistão por bin Laden e pela CIA, para os Mujahideen. Depois da retirada soviética, o termo Al Qaeda mudou de significado, passando de uma base militar específica para uma organização base das actividades jihadistas.

 

O efeito boomerang contra os Estados Unidos começou em 1990 com a primeira Guerra do Golfo, quando os Estados Unidos criaram e expandiram as suas bases militares para o Dar al-Islam, em concreto para a Arábia Saudita, a casa dos lugares sagrados e alicerces do Islão. Esta expansão da presença militar norte-americana foi o anátema para o núcleo da ideologia jihadista que a CIA tanto fez por promover.

 

A guerra não provocada dos Estados Unidos no Iraque, em 2003, libertou os demónios. Não apenas a guerra foi iniciada com base nas mentiras da CIA; também pretendia criar um regime xiita subserviente aos Estados Unidos e que serviu de anátema para os jihadistas sunitas e para os muitos sunitas iraquianos disponíveis para pegar em armas. Mais recentemente, os Estados Unidos, a França e o Reino Unido derrubaram Muammar el-Qaddafi na Líbia, e os Estados Unidos trabalharam com os generais egípcios que destituíram a Irmandade Muçulmana do poder. Na Síria, a seguir à repressão violenta dos protestos pacíficos de 2011, por parte do presidente Bashar al-Assad, os Estados Unidos, a Arábia Saudita, a Turquia e outros aliados regionais ajudaram a fomentar uma insurreição militar que empurrou o país para uma espiral negativa de caos e violência.

 

Estas operações falharam – repetida e frequentemente desastrosas – em assegurar um Governo legítimo ou sequer uma estabilidade rudimentar. Pelo contrário, ao derrubarem governos estáveis, embora autoritários, no Iraque, na Líbia e na Síria, desestabilizando o Sudão e outras partes de África hostis face ao Ocidente, eles fizeram muito para alimentar o caos, derramamento de sangue e guerras civis. Foi esta turbulência que permitiu ao ISIS capturar e defender territórios na Síria, no Iraque e partes do Norte de África.

 

São necessários três passos para derrotar o ISIS e outros jihadistas violentos. Primeiro, o presidente norte-americano, Barack Obama, tem de acabar com as operações clandestinas da CIA. A utilização da CIA enquanto arma secreta de desestabilização tem uma longa e trágica história de falhanços, todos escondidos da opinião pública sob o manto de secretismo da agência. Colocar um ponto final no caos provocado pela CIA permitiria estancar a instabilidade, violência e ódio anti-ocidente que alimentam o terrorismo.

 

Em segundo lugar, os Estados Unidos, a Rússia e outros membros-permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, deveriam acabar imediatamente com os seus conflitos de interesses e estabelecer um quadro de paz para a Síria. Eles têm a responsabilidade partilhada e urgente de combater o ISIS; todos são vítimas do terror. Além do mais, uma acção militar contra o ISIS só pode sair vencedora com a legitimidade e o respaldo do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

 

O enquadramento das Nações Unidas deveria incluir o fim imediato da insurreição contra Assad que os Estados Unidos, a Arábia Saudita e a Turquia instigaram; um cessar-fogo na Síria; um mandato das Nações Unidas para uma força militar contra o ISIS; e uma transição política na Síria não ditada pelos Estados Unidos, mas pelo consenso no âmbito das Nações Unidas com vista à reconstrução política não violenta.

 

Finalmente, uma solução de longo-prazo para a instabilidade regional assenta no desenvolvimento sustentado. Todo o Médio Oriente é assolado não apenas por guerras, mas também pelo aprofundamento da incapacidade de alcançar o desenvolvimento: intensificação da escassez de água potável, desertificação, elevado desemprego jovem, sistemas de educação deficientes e outras sérias obstruções.

 

Mais guerras – designadamente apoiadas pela CIA e lideradas pelo Ocidente – não irão resolver nada. Pelo contrário, o aumento do investimento em educação, saúde, energias renováveis, agricultura e infra-estruturas, financiado tanto ao nível regional como global, é a verdadeira chave para a construção de um futuro mais estável no Médio Oriente e no mundo. 

 

Jeffrey D. Sachs é professor de Desenvolvimento Sustentável, professor de Políticas e Gestão de Saúde e director do Earth Institute da Universidade de Columbia. É também conselheiro especial do secretário-geral das Nações Unidas para os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.

www.project-syndicate.org 

Tradução: David Santiago

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio