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05 de Maio de 2015 às 20:00

A falsa recuperação da Zona Euro

À primeira vista, parece que a economia da Zona Euro pode finalmente estar a recuperar. Os mercados accionistas estão a disparar. A confiança dos consumidores está a melhorar. Espera-se que os preços do petróleo mais baixos, o euro mais fraco e a política expansionista do Banco Central Europeu (BCE) impulsionem o crescimento.

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À primeira vista, parece que a economia da Zona Euro pode finalmente estar a recuperar. Os mercados accionistas estão a disparar. A confiança dos consumidores está a melhorar. Espera-se que os preços do petróleo mais baixos, o euro mais fraco e a política expansionista do Banco Central Europeu (BCE) impulsionem o crescimento. O presidente da autoridade monetária, Mario Draghi, defende que "uma recuperação sustentada está a avançar", enquanto os responsáveis políticos em Berlim e Bruxelas agarram-se aos sinais de vida em Espanha e na Irlanda como prova de que a prescrição severa de consolidação orçamental e reformas estruturais funcionou, como anunciado.

 

Numa análise mais próxima, contudo, torna-se claro que a melhoria é modesta, provavelmente temporária e não o resultado das políticas promovidas pela Alemanha. Na verdade, de acordo com algumas estimativas, a economia da Zona Euro pode agora estar a crescer a uma taxa anual de 1,6% acima dos 0,9% do ano que terminou no quarto trimestre de 2014. Mas isto é um crescimento muito mais lento do que nos Estados Unidos e no Reino Unido. Com uma economia da Zona Euro 2% mais pequena do que era há sete anos, "recuperação" não parece ser a palavra certa – especialmente porque é pouco provável que o alívio dure.

 

Para começar, o impulso extraordinário dos preços do petróleo mais baixos já está a esgotar-se. Depois de ter perdido mais de metade do seu valor entre meados de Junho do ano passado e meados de Janeiro, os preços do petróleo em euros recuperaram, desde então, um terço desta queda, em parte devido à depreciação acentuada do euro, o que está a fazer das importações, em geral, mais caras. O seu efeito nos orçamentos das famílias e nos custos das empresas dificilmente é motivo de celebração.

 

Os responsáveis políticos estão a contar com uma moeda mais competitiva para estimular o crescimento. Mas é provável que sejam desapontados. Como as exportações da Zona Euro dependem cada vez mais das cadeias de oferta mundiais, uma moeda mais barata representa um impulso menor do que antes. Os exportadores também podem escolher embolsar os poucos ganhos que possam ter, em vez de procurar aumentar a quota de mercado.

 

Em 2014, as exportações da Zona Euro representaram quase dois biliões de euros (2,6 biliões de dólares) – mais do que as da China. Dada a irregularidade da procura mundial, será difícil conseguir um rápido aumento das exportações. De qualquer forma, como as exportações representam apenas um quinto dos 10 biliões de euros da economia da Zona Euro, não é provável que impulsionem uma forte recuperação enquanto a procura interna continua débil. De acordo com o modelo do BCE, a depreciação de 10% do euro ao longo do último ano (em termos reais ponderados em função do comércio) pode elevar o crescimento em apenas 0,2%, este ano.

 

Também é provável que os benefícios do alívio quantitativo provem ser efémeros. Não é provável que a descida dos custos de financiamento dos governos impulsione muito o crescimento, pois as normas da União Europeia excluem a expansão orçamental. No geral, a situação orçamental da Zona Euro está definida para ser neutral, em grande medida, este ano, de acordo com a Comissão Europeia, embora com mais apertos na Irlanda, França e Itália.

 

A expansão monetária melhora as condições de financiamento das empresas da Zona Euro o suficientemente grandes para recorrerem aos mercados de capitais. Mas, mesmo nos Estados Unidos e Reino Unido, onde os mercados de capitais desempenham um papel muito maior no financiamento das empresas, a inflação dos preços dos activos contribuiu pouco para encorajar os consumidores a gastar ou as empresas a investir. Pelo contrário, o investimento numa economia real débil tem sido muito menos atractivo do que a perspectiva de ganhar dinheiro fácil com a engenharia financeira.

 

A maior parte das empresas na Zona Euro dependem do financiamento bancário e, embora as condições do crédito tenham melhorado um pouco, o crédito está estável (e continua a cair no sul da Europa). Enquanto os bancos "zombie" sejam prejudicados com o malparado, é improvável que esta questão se altere muito.

 

Nem se pode atribuir o pequeno aumento do crescimento da Zona Euro, e muito menos a expansão relativamente rápida de Espanha e Irlanda, à receita alemã da consolidação orçamental e às medidas encaminhadas a aumentar a competitividade das exportações. De facto, nada poderia estar mais longe da verdade.

 

Espanha não é precisamente um exemplo de ajustamento orçamental bem-sucedido. Pelo contrário, a sua recuperação coincidiu com o abrandamento de uma austeridade extrema imposta no período 2011-13, que tem encorajado as famílias a gastar mais, apesar da estagnação dos salários. Ainda assim, a sua economia continua 5,7% mais pequena do que era há sete anos. Uma percentagem gritante de 23,7% dos espanhóis – e um em cada dois jovens – estão desempregados, enquanto muitos outros abandonaram totalmente o mercado laboral.

 

Entretanto, o défice orçamental de Espanha atingiu os 5,7% do PIB, no ano passado, o mais elevado na União Europeia. O rápido aumento da sua dívida pública deverá superar os 100% do PIB este ano. Quando o país de aproxima das eleições que decorrem no final deste ano, a Comissão Europeia autorizou o aumento do seu défice estrutural. Em vez de prosperar graças à austeridade, Espanha está, em muitos aspectos, a conseguir "carta branca".

 

Nem a Irlanda – a economia da União Europeia que mais cresceu no ano passado – confirma a adequação das prescrições políticas da Alemanha. Ao fim e ao cabo, a Irlanda, é uma economia pequena, muito aberta e cujo sector exportador no auge está a beneficiar das vantagens actuais – incluindo os reduzidos impostos para as empresas, uma força laboral competente e uma economia flexível – e das condições externas favoráveis, especialmente a forte recuperação nos seus principais mercados, os Estados Unidos e o Reino Unido. Mesmo assim, a economia é mais pequena do que era antes da crise, a taxa de desemprego tem dois dígitos, a procura interna continua deprimida e a factura do resgate de 64 mil milhões de euros ao sector financeiro imposta injustamente aos 2,2 milhões de contribuintes irlandeses continua a pesar sobre ela.

 

A economia da Zona Euro terá resultados um pouco melhores em 2015, mas não devido às políticas exigidas pela Alemanha. E deverá tratar-se de uma recuperação temporária, não do início de uma recuperação sustentada. Para superar a recessão, em matéria de balanços, a Zona Euro deve sanear os seus bancos, reduzir o pesado endividamento, a maior parte dele privado, reparar a enorme escassez de investimento, eliminar os obstáculos para as empresas e abordar o peso da deflação do mercantilismo alemão. E essa é a razão pela qual a Zona Euro não se livrará em breve dos seus problemas.

 

Philippe Legrain, antigo conselheiro económico do presidente da Comissão Europeia, é membro visitante do London School of Economics’ European Institute e autor de European Spring: Why Our Economies and Politics are in a Mess – and How to Put Them Right.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org

Tradução: Raquel Godinho

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