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Opinião
05 de Janeiro de 2016 às 21:00

A falsa guerra da Arábia Saudita contra o terrorismo

Vai ser impossível vencer a guerra global contra o terrorismo sem enfrentar o coração ideológico que inspira o terror jihadista: o wahhabismo. É preciso enfrentar o regime saudita, o principal promotor dessa visão medieval do Islão.

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É impossível conter o flagelo do terrorismo islâmico sem conter a ideologia que o alimenta: o wahhabismo, uma tendência messiânica e exaltadora do jihadismo fundamentalista sunita, cuja expansão internacional foi financiada pelos petrodólares de xeques, especialmente da Arábia Saudita. É por isso que a recentemente anunciada coligação antiterror liderada pela Arábia Saudita, a Aliança Militar Islâmica para Combater o Terrorismo, deveria ser encarada com profundo cepticismo.

 

O wahhabismo promove, entre outras coisas, a subjugação da mulher e a morte dos "infiéis". É – citando a descrição do Presidente norte-americano, Barack Obama, aquilo que motivou que um casal de origem paquistanesa levasse a cabo o recente tiroteio em San Bernardino, na Califórnia – uma "interpretação perversa do islão" e a mãe ideológica do terrorismo jihadista. A sua descendência inclui a al-Qaeda, os talibãs, o Boko Haram, a al-Shabaab, e o Estado Islâmico, sendo que todos demonstram hostilidade em relação aos muçulmanos não-sunitas e defendem um antimodernismo romântico que remete para uma fúria niilista.

 

A Arábia Saudita vem financiando o terrorismo islâmico desde que a explosão do preço do petróleo, na década de 1970, exponenciou a riqueza do país. De acordo com um relatório do Parlamento Europeu, de 2013, parte dos 10 mil milhões de dólares (cerca de 9,2 mil milhões de euros) investidos pela Arábia Saudita na "sua agenda wahhabita" no Sul e Sudeste da Ásia foram "desviados" para grupos terroristas, incluindo o Lashkar-e-Taiba, que levou a cabo os ataques terroristas de 2008, em Bombaim.

 

Os líderes ocidentais reconhecem este papel saudita desde há muito anos. Em 2009, por via diplomática, a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, identificou a Arábia Saudita como "a mais significativa fonte de financiamento, em todo o mundo, de grupos terroristas sunitas". Em grande medida graças aos interesses do Ocidente relativamente ao petróleo saudita, porém, o reino não foi alvo de nenhum tipo de sanções.

 

Agora, com o crescimento de movimentos terroristas tais como o Estado Islâmico, as prioridades estão a mudar. Tal como disse o vice-chanceler alemão, Sigmar Gabriel, numa recente entrevista, "temos de deixar claro aos sauditas que o tempo de olhar para o lado terminou".

 

Esta mudança levou o Reino Unido a anunciar a "repressão" aos indivíduos e grupos que financiem o terrorismo. Mas, de acordo com um recente relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos, algumas instituições de caridade sediadas na Arábia Saudita e doações individuais continuam a servir para financiar militantes sunitas.

 

Visto desta perspectiva, o anúncio-surpresa feito pela Arábia Saudita de uma aliança antiterrorismo formada por 34 países, com um centro de operações conjunto, sediado em Riade, é um passo lógico, apontado a reduzir as críticas ocidentais ao mesmo tempo que fomenta a influência sunita no Médio Oriente. Contudo, como é claro, a aliança é uma farsa – como uma análise mais aprofundada aos seus membros torna evidente.

 

Reveladoramente, a aliança inclui todos os principais patrocinadores mundiais do extremismo e de grupos terroristas, desde o Qatar até ao Paquistão. É como se um cartel de droga reclamasse encabeçar uma campanha antinarcóticos. Entre os membros da aliança estão também cidadelas jihadistas tais como o Afeganistão, incluindo ainda os devastados pela guerra, Líbia e Iémen, dois países que actualmente não dispõem de qualquer autoridade de governo.

 

Além disso, apesar de se vender como uma aliança "islâmica", com membros vindos de "todo o mundo islâmico", o grupo inclui os predominantemente cristãos Uganda e Gabão, mas deixa de fora Omã (um parceiro dos reinos do Golfo), a Argélia (o maior país do continente africano), e a Indonésia (o país muçulmano mais populoso em todo o mundo).

 

A incapacidade de integrar a Indonésia, que possui quase o dobro de muçulmanos de todo o Médio Oriente, é impressionante não apenas devido ao seu tamanho: enquanto a maior parte dos países da aliança são governados por déspotas e autocratas, a Indonésia é uma democracia robusta. A governação autocrática em países muçulmanos tende a reforçar as forças jihadistas. Mas quando a democracia se consegue enraizar, tal como na tolerante e secular Indonésia, o choque entre moderados e extremistas pode ser gerido mais facilmente.

 

A abordagem disfuncional da Arábia Saudita reflecte-se no facto de alguns membros da aliança – incluindo o Paquistão, a Malásia, o Líbano e a Autoridade Palestiniana – terem imediatamente declarado que nunca chegaram verdadeiramente a integrar a coligação. O reino saudita pensou que poderia tomar a decisão em nome dos principais beneficiários da sua ajuda.

 

Somando a não-surpreendente exclusão dos países com governos xiitas, Irão e Iraque, em conjunto com uma Síria governada por um regime alauita, torna-se evidente que a Arábia Saudita se limitou a fabricar um grupo predominantemente sunita para prosseguir os seus objectivos sectários e estratégicos. Algo que está perfeitamente alinhado com a linha política mais dura assumida desde que o rei Salman ascendeu ao trono saudita, em Janeiro de 2015.

 

Ao nível doméstico, até agora o reinado de Salman trouxe somente um aumento do número de sentenças de morte por decapitação, normalmente feitas em público – um método também seguido pelo Estado Islâmico. Ao nível externo, consubstanciou-se numa clara preferência por soluções mais violentas no Bahrein, no Iraque, na Síria e no Iémen.

 

Uma coligação mais pequena, também liderada pela Arábia Saudita, está a bombardear o Iémen desde Março, tendo como objectivo o de fazer recuar os rebeldes xiitas houthis que capturaram Saná, a capital, já depois de terem derrubado do poder o Governo apoiado pelos sauditas. Os aviões de guerra sauditas já bombardearam casas, mercados, hospitais e campos de refugiados no Iémen, o que levou ao surgimento de críticas que acusam o reino saudita de aterrorizar deliberadamente civis de forma a tornar a opinião pública iemenita contrária aos houthis.

 

As soluções da Arábia Saudita acabaram, regularmente, por se revelarem contraproducentes face aos objectivos dos seus aliados Estados Unidos. Por exemplo, o reino saudita e os seus parceiros árabes abandonaram rapidamente a coligação militar liderada pelos Estados Unidos na Síria, deixando a campanha aérea largamente a cargo dos norte-americanos.

 

Mas para lá das manipulações estratégicas da Arábia Saudita, reside o problema essencial com que começámos: a ideologia oficial do reino saudita é o coração da crença terrorista. Um devoto adversário do terrorismo não promove o jihadismo violento. Nem prende e acusa, devido a alegadas práticas de "terrorismo", os críticos domésticos à sua interpretação medieval do islão. A Arábia Saudita faz ambas.

 

Isto ecoa na principal lacuna da actual abordagem militar de combate ao terrorismo. A menos que a expansão de ideologias perigosas como o wahhabismo seja interrompida, a guerra global contra o terror, actualmente com uma geração de vida, nunca será ganha. Não importa o número de bombas utilizadas pelos Estados Unidos e pelos seus aliados, porque as madrassas financiadas pelos sauditas vão continuar a doutrinar os jihadistas de amanhã.

Brahma Chellaney, é professor de Estudos Estratégicos no Center for Policy Research em Nova Deli e investigador na Robert Bosch Acabemy, em Berlim. É autor de nove livros, incluindo Asian Juggernaut; Water: Asia’s New Battleground; and Water, Peace, and War: Confronting the Global Water Crisis.

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015. 
www.project-syndicate.org 
Tradução: David Santiago

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