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19 de Junho de 2015 às 20:00

A boa luta do Japão

A recente visita do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, aos Estados Unidos foi, da sua perspectiva, altamente bem-sucedida. A primeira revisão em 18 anos das orientações bilaterais de defesa foi concluída, dando às Forças de Auto-Defesa do Japão um papel expansivo na concessão de apoio logístico aos Estados Unidos.

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E o presidente norte-americano, Barack Obama, reafirmou que as ilhas Senkaku administradas pelo Japão, sobre as quais a China tem reivindicado a sua posse, estão cobertas pelo tratado de defesa mútua. Foram feitos progressos no pacto comercial da Parceria Trans-Pacífica, que precisa do apoio do Japão para ser bem-sucedida. E Abe tornou-se o primeiro líder japonês a estar presente numa sessão conjunta no Congresso.

 

Mas, apesar da impressionante lista de conquistas, a parte mais marcante da viagem de Abe chegou no final. Em vez de regressar a casa logo depois de a parte oficial da viagem ter terminado, Abe visitou a Califórnia, incluindo Silicon Valley, durante quatro dias.

 

De acordo com os meios de comunicação oficiais japoneses, Abe visitou a Califórnia para ganhar inspiração e ideias para levar para Tóquio. Mas a estadia na Califórnia também enviou uma mensagem forte: o declínio gracioso não é o caminho pré-determinado do Japão. Sob a liderança de Abe, o país vai fazer o que for necessário para se reinventar economicamente, assim como os Estados Unidos fizeram tantas vezes.

 

Tendo em conta o potencial das expectativas para moldar os desenvolvimentos do mundo real, através do seu impacto nas decisões estratégicas e políticas, esta estratégia faz sentido. Abe sabe que deve desafiar a actual narrativa predominante de que o futuro económico da Ásia pertence à China. Se falhar, a pressão vai aumentar sobre os governos da região para os alinhar geopoliticamente com a China, potencialmente mesmo depois da sua liderança na escolha da prosperidade em detrimento da liberdade.

 

Agora, a maior parte dos países do este asiático parecem esperar que Abe seja bem-sucedido. De facto, têm cautelosamente apoiado o Japão como um contra-peso essencial face a uma China em ascensão – e com razão. Considerando que a importância económica regional da China tende a ser sobrestimada, o Japão é frequentemente subestimado.

 

Na realidade, o comércio da China dentro da Ásia – por exemplo, com os membros da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, na sigla anglo-saxónica) – é levado a cabo sobretudo por empresas com sede em economias avançadas, incluindo o Japão. Além disso, apesar da reputação da China como o mercado de crescimento mais dinâmico, os consumidores japoneses ainda têm bolsos mais fundos do que os seus homólogos chineses, o que significa que o Japão tem um grande papel ao sustentar as economias da região dependentes das exportações.

 

As economias em desenvolvimento da Ásia, incluindo a China, não podem atingir o seu potencial sem capital estrangeiro e inovação – algo que as economias avançadas como o Japão proporcionam. De facto, o Japão proporciona de longe mais investimento directo estrangeiro do que a China em cada grande economia no sudeste asiático e na ASEAN como um todo, e as suas empresas líderes – os operadores globais como a Mitsubishi e a Sony – transferem de longe mais tecnologia e "know-how" para a Ásia em desenvolvimento do que os seus homólogos chineses.

 

Para ser correcto, a China está a trabalhar muito para os alcançar, com o governo a identificar o empreendedorismo e a inovação como essenciais para a evolução do modelo de crescimento do país. Mas quando se trata de tecnologias avançadas em sectores emergentes como a computação e sistemas de energia da próxima geração, bem como desenvolvimentos na indústria como robótica e impressão a três dimensões, a liderança considerável do Japão não deve ser subestimada.

 

Ainda assim, o Japão tem de trabalhar muito para evitar perder a sua vantagem. Isso vai significar superar as difíceis reformas estruturais, como a liberalização das relações industriais. Felizmente, Abe reconhece este imperativo e a terceira "seta" da sua estratégia para revigorar a economia do Japão estabeleceu-o como um objectivo oficial (juntamente com a abertura de sectores protegidos – em particular a agricultura – a uma grande concorrência externa).

 

Claro, não há garantia de que a fase da reforma estrutural do "Abenomics" será bem-sucedida. O que é certo é que a China enfrenta um desafio ainda mais difícil: deve reinventar, não apenas reformar, a sua economia política.

 

Apesar de alcançar três décadas de rápido crescimento económico, a China ainda funciona com o "hardware" institucional da era da Guerra Fria. O tipo de inovação em larga escala que se verifica nas economias avançadas requer que as instituições que asseguram o estado de direito, os direitos de propriedade intelectual e uma meritocracia genuína, com as empresas merecedoras, não apenas favorecidas pelo Estado, a terem acesso ao financiamento e às oportunidades de que precisam para crescer. Neste aspecto, a China ainda tem um longo caminho a percorrer. 

 

O Japão nunca saiu da competição para moldar a ordem do futuro económico da Ásia. (Como metade da aliança que vai ter o maior papel na definição do equilíbrio de poder do este asiático nas próximas décadas, o Japão vai ter também um papel estratégico vital.) Mas a viagem recente de Abe aos Estados Unidos serviu como uma lembrança importante da centralidade do Japão para os assuntos asiáticos.

 

É algo irónico que, enquanto o mundo se prepara para comemorar o 70.º aniversário da derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial, os governos dos Estados Unidos e de quase todos os grandes países asiáticos estão silenciosamente a aplaudir Abe. Aquilo pelo qual o Japão está a lutar actualmente promete trazer benefícios de longo alcance, na Ásia e para lá dela.

 

John Lee é membro do Hudson Institute e professor na Australian National University.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
T
radução: Raquel Godinho

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