Opinião
A política de guerra de Trump na Síria
A impulsividade de Trump é um pesadelo, não apenas porque faz com que ele seja explorado por aqueles que têm agendas intencionais, mas também porque Trump comanda muitos brinquedos mortais.
A última palavra, claramente, não foi ainda proferida sobre o ataque com armas químicas, em Khan Sheikhoun, na província síria de Idlib, a 4 de Abril, e que fez 85 mortos e, apontam as estimativas, 555 feridos. Mas três pontos – em relação à responsabilidade pelo ataque, à resposta militar norte-americana a esse mesmo ataque e o efeito que este episódio tem na guerra civil na Síria – têm de ser clarificados.
Em primeiro lugar, todos os governos mentem, não de uma forma congénita, mas quando lhes convém e pensam que podem sair impunes. Esta tem de ser a premissa de qualquer esforço para esclarecer a verdade sobre o que aconteceu. Um bom ponto de partida é que os governos democráticos mentem com menos frequência que os regimes autoritários, porque é menos provável que consigam sair impunes. Assim, é preferível a explicação do presidente russo, Vladimir Putin, à do presidente da Síria, Bashar al-Assad, e é preferível a do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, à de Putin.
De acordo com Assad, o massacre foi "fabricado". Por outro lado, Putin admite que o massacre aconteceu, mas alega que as armas químicas estavam no território dos rebeldes e que estas armas químicas foram libertadas ou de forma deliberada, para desacreditar o regime, ou de forma acidental pelos bombardeamentos do governo. Finalmente, a administração Trump cita provas conclusivas que referem que o ataque foi planeado e levado a cabo pelo governo de Assad. Os três pedem um inquérito "objectivo" às circunstâncias que envolvem o "evento", embora discordem sobre o que pode ser tido como "objectivo".
Apesar das provas de Trump não terem sido reveladas, creio que o mais provável é ter existido um ataque com gás sarin ordenado pelo regime de Assad. Mas há espaço para dúvidas. Assumindo que Assad não é completamente irracional, os ganhos militares, relativamente pequenos, de gasear alguns rebeldes (mas também civis) seriam fortemente suplantados pelo efeito provável na opinião internacional, pelo embaraço dos seus aliados russos, e pelo perigo de provocar uma resposta americana. Além disso, para justificar a invasão do Iraque em 2003, os Estados Unidos (e o Reino Unido) produziram igualmente provas "conclusivas" que Saddam Hussein tinha armas de destruição maciça, o que acabou por ser falso. E a crescente "segurança do Estado" aumentou a capacidade dos governos democráticos para saírem impunes com mentiras.
Em segundo lugar, Trump revelou a sua instabilidade psicológica. O seu objectivo enquanto presidente, que constantemente tem proclamado, é reparar a economia norte-americana e não policiar o mundo. Trump avisou repetidamente Obama para não entrar numa guerra na Síria. Ainda assim, foi precisamente o que fez ao lançar 59 mísseis Tomahawk na base aérea síria três dias depois do massacre em Khan Sheikhoun. Trump pode, de facto, ter tido um espasmo de emoção quando viu as imagens de morte e de crianças a morrer na televisão, como tem sido amplamente reportado; mas as provas visuais dos métodos sangrentos de Assad há muito que estão disponíveis.
Quer a sua resposta tenha sido emocional, ou nascida da frustração do falhanço das suas iniciativas de política doméstica, ou desenhada para assustar a Coreia do Norte, ou uma mistura das três, enquadra-se no que o psicólogo e prémio Nobel, Daniel Kahneman, identificou como sistema 1 de pensamento: a propensão para responder impulsivamente a problemas complexos quando é necessária uma ponderação mais cuidadosa (sistema 2 de pensamento).
A impulsividade de Trump é um pesadelo, não apenas porque faz com que ele seja explorado por aqueles que têm agendas intencionais, mas também porque Trump comanda muitos brinquedos mortais. A resposta de sistema 1 de Trump ao ataque com gás sarin contrasta com a reacção deliberada em Outubro de 1962 do presidente John F. Kennedy, e dos seus conselheiros, à decisão de Nikita Khrushchev de colocar mísseis nucleares em Cuba.
Em terceiro lugar, o que o secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, disse em Moscovo - que o "reinado da família Assad está a chegar ao fim" – não faz sentido. Dos 16 milhões de sírios que continuam na Síria, 65,5% vive em territórios controlados pelo governo. A menos que Tillerson tenha em mente uma política oculta para retirar Assad, por assassinato ou por golpe de Estado, insistir na sua saída como uma condição para a solução política para a Síria significa um prolongamento da guerra civil: mais apoio em termos de armamento para a oposição vai significar mais apoio russo ao regime.
De qualquer maneira, a política americana - se é que há uma - é simplesmente uma política de guerra, sem um limite temporal e com consequências incalculáveis. O Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, após o ataque com os Tomahawk, referiu que: "se aparentemente Trump está no caminho para alcançar um equilíbrio político apropriado, a sua impulsividade, ignorância em termos de assuntos internacionais, natureza inconsequente, contrariedade natural e disposição ‘transacional’ provavelmente impedem a consolidação de uma ‘doutrina Trump’ distintiva".
Uma política externa prudente é completamente diferente de uma resposta "proporcional" a um evento específico porque envolve saber que os fins se alcançam com os meios escolhidos. Por outras palavras, política externa exige pensamento estratégico. Trump não mostrou qualquer sinal disso. De facto, a sua impulsividade política arrisca-se a cavar um buraco ainda mais profundo na Síria, no qual os EUA, o Reino Unido e a Rússia vão ficar presos.
Em 1903, um estudante da Universidade de Cambridge, John Maynard Keynes, escreveu um ensaio sobre o filósofo conservador Edmund Burke, no qual incluiu uma pérola de sabedoria do seu próprio tempo. "Além do risco que envolve qualquer método violento de progresso", argumentava Keynes "há ainda esta consideração que frequentemente precisa de ênfase: não é suficiente que os assuntos de Estado que procuramos promover sejam melhores do que os que o precederam; têm de ser suficientemente melhores para compensarem os males da transição".
Robert Skidelsky, membro da Câmara dos Lordes britânica, é professor emérito de Economia Política na Universidade de Warwick.
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Tradução: Ana Laranjeiro