Opinião
A meca paquistanesa do terror
O Paquistão, que tem armas nucleares, está actualmente em risco de se tornar num estado falhado. Mas mesmo que não falhe, a relação entre os grupos terroristas e os poderosos militares paquistaneses faz crescer o fantasma do terrorismo nuclear.
Cerca de sete décadas depois de ter sido criada a primeira república islâmica da era pós-colonial, o Paquistão está perto do abismo. A economia está estagnada, o desemprego é elevado e os recursos são escassos. O Governo é instável, ineficaz e está assolado pela dívida. Os militares – em conjunto com o seu desonesto Directório para os Inter-Serviços de Inteligência (ISI na sigla em inglês), incluindo os espiões e a polícia secreta do país – estão isentos da supervisão civil, o que lhes permite manter e aprofundar os seus laços terroristas.
O Paquistão, que tem armas nucleares, está actualmente em risco de se tornar num estado falhado. Mas mesmo que não falhe, a relação entre os grupos terroristas e os poderosos militares paquistaneses faz crescer o fantasma do terrorismo nuclear – uma ameaça tão grande que os Estados Unidos estão a preparar um plano de contingência para extrair o arsenal nuclear, que está a crescer cada vez mais rápido, em caso de necessidade.
Não nos enganemos: o Paquistão é "ground zero" (ponto zero) para as ameaças terroristas que o mundo enfrenta. As pegadas de muitos ataques terroristas no Ocidente foram rastreadas até ao Paquistão, incluindo os ataques em Londres, em 2005, e as mortes em San Bernardino em 2015. Dois actores fundamentais por detrás do 11 de Setembro de 2011, os ataques terroristas nos Estados Unidos - Osama bin Laden e Khalid Sheik Mohammed – foram encontrados no Paquistão. Nos recentes ataques à bomba em Manhattan e em New Jersey, o suspeito que foi detido, Ahmad Khan Rahami, foi radicalizado num seminário no Paquistão, localizado nas proximidades do esconderijo que os militares paquistaneses têm para a liderança Talibã do Afeganistão.
Mas são os vizinhos do Paquistão que estão a sofrer as consequências do facto de este Estado patrocinar o terrorismo. Muitos dos ataques terroristas no Sudeste Asiático, como os ataques em Bombaim em 2008 e os assaltos às embaixadas norte-americana e indiana no Afeganistão, em 2008 e 2011, respectivamente, foram aparentemente orquestrados pelo ISI, que criou organizações terroristas como a Lashkar-e-Taiba, Jaish-e-Mohammad e a rede Haqqani para fazer estes trabalhos. Isto não é um rumor; o antigo ditador militar paquistanês Pervez Musharraf há muito que sabe disto.
Em particular na Índia, os militares paquistaneses – que, apesar de serem sexto maior exército do mundo, teriam poucas hipóteses de vencer uma guerra convencional contra o seu vizinho gigante – usam representantes de terroristas para rentabilizar uma guerra clandestina. Só este ano, os militares paquistaneses ajudaram terroristas a atravessar a fronteira duas vezes para fazer ataques nas bases militares indianas.
Em Janeiro, a Jaish-e-Mohammad atacou a base aérea indiana de Pathankot, dando início a vários dias de luta que culminaram na morte de sete soldados indianos. Em Setembro, membros do mesmo grupo atravessaram novamente a fronteira para atacar a base de Uri do exército indiano, matando 19 soldados e levando a Índia a desenvolver um ataque cirúrgico de retaliação contra os militares que estavam na linha de controlo da disputada e dividida Caxemira.
O Afeganistão e o Bangladesh também acusam o ISI de enfraquecer a sua segurança através de terroristas substitutos. Eles culpam o Paquistão pelos recentes ataques nas suas capitais, Cabul e Daca, em que uma universidade e um café estavam entre os alvos.
Tais actividades deixaram o Paquistão isolado. Recentemente, os seus vizinhos regionais – Afeganistão, Bangladesh, Butão, Índia, Nepal e Sri Lanka – cancelaram a sua presença na cimeira de Cooperação Regional, que estava agendada para o início de Novembro na capital paquistanesa, Islamabad. O primeiro-ministro do Sri Lanka, Ranil Wickremesinghe, foi alertado que o "terrorismo transfronteiriço" ameaça o futuro da Associação Sul-Asiática para a Cooperação Regional (SAARC na sigla em inglês).
Mas uma menor reputação internacional e o crescente isolamento regional tem sido insuficiente para levar a classe militar paquistanesa dominante a repensar a sua posição sobre o terrorismo. Um dos motivos é que o Paquistão tem alguns patronos poderosos. Além de receber apoio financeiro da Arábia Saudita, o Paquistão tornou-se, de certa maneira, cliente da China, o que lhe dá protecção policial – mesmo para os terroristas baseados no Paquistão – no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Neste mês de Outubro, a China opôs-se, pela quinta vez em dois anos, à proposta das Nações Unidas para impor sanções sobre Masood Azhar, líder da Jaish-e-Mohammed, que as Nações Unidas designaram de terrorista há anos. As sanções foram apoiadas por todos os outros membros do comité anti-terror do Conselho de Segurança, nomeadamente porque a Índia apresentou provas ligando Azhar aos assassinatos perpetrados por terroristas em duas das suas bases militares.
Contudo, em termos de apoio financeiro são os Estados Unidos o maior benfeitor do Paquistão. Sim, mesmo depois de descobrirem Bin Laden em solo paquistanês, os Estados Unidos – o país que liderou a chamada Guerra ao Terror – continua não apenas a dar milhares de milhões de dólares ao Paquistão como dá grandes quantidades de armas letais. A administração do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, também se opôs a um movimento no Congresso que iria oficialmente marcar o Paquistão como um Estado patrocinador do terrorismo.
Esta abordagem reflecte o compromisso de Obama em incitar os militares paquistaneses a persuadirem os Talibãs a concordarem com um acordo de paz no Afeganistão. Mas essa política falhou. Os Estados Unidos continuam presos à guerra mais longa da sua história, na medida em que o Talibãs, que ressurgiram, estão a levar a cabo ataques no Afeganistão com o apoio da sua estrutura de comando e controlo – adivinhou – no Paquistão. Nenhuma campanha de contra-terrorismo foi bem-sucedida quando os militantes gozam de tais refúgios transfronteiriços.
Alcançar a paz no Afeganistão, tal como travar a propagação do terrorismo internacional, vai ser impossível sem tornar os militares paquistaneses responsáveis pelo Governo civil do país. Os Estados Unidos têm uma grande vantagem: o Paquistão tem um dos maiores rácios de impostos em relação ao PIB e é fortemente dependente da ajuda norte-americana e de outros países estrangeiros. Os Estados Unidos deviam usar essa vantagem para assegurar que os militares paquistaneses são controlados e são responsabilizados.
Brahma Chellaney, professor de Estudos Estratégicos no Centro de Pesquisa Política em Nova Deli e membro da Academia Robert Bosch em Berlim, é autor de nove livros, incluindo Asian Juggernaut, Water: Asia’s New Battleground, e Water, Peace, and War: Confronting the Global Water Crisis.
Copyright: Project Syndicate, 2016.
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Tradução: Ana Laranjeiro