Opinião
A diplomacia civilizacional da China
A forma como a China desempenha o seu papel mundial também se distingue muito da forma como o Ocidente o faz, isto porque a China enfatiza as suas semelhanças com o "resto", para usar a expressão de Niall Ferguson.
A China está a tornar-se rapidamente numa potência mundial, capaz de exercer uma influência considerável sobre outros países. E está a avançar para o centro do palco geopolítico à medida que a liderança norte-americana e europeia parece estar a recuar para a parte mais lateral desse palco (se é que não é por isso que a China está a avançar para o centro).
A China tem uma audiência receptiva. Um dos motivos para essa receptividade são as "nações mais sombrias" ("darker nations", em inglês), como Vijay Prashad, académico de estudos internacionais, apelida os países do sul, que sentem uma maior afinidade com a China do que com os Estados Unidos e com a Europa. Estes países identificam-se com a história da China, que lutou contra o imperialismo, e mesmo com a aparência física dos chineses. Se se trata de uma superpotência emergente, há uma vantagem distinta em ter a maioria da população mundial com estes sentimentos.
A forma como a China desempenha o seu papel mundial também se distingue muito da forma como o Ocidente o faz, isto porque a China enfatiza as suas semelhanças com o "resto", para usar a expressão de Niall Ferguson no que diz respeito ao mundo não-Ocidental. Com esta estratégia, a China expandiu a sua esfera de influência muito para além da sua região imediata.
A África Subsariana é frequentemente citada como uma região onde a influência da China ultrapassou a da Europa. Mais recentemente, o Governo chinês salientou o seu interesse no Médio Oriente e no Norte de África (MENA na sigla em inglês), e no Egipto em particular. No início de 2016, o presidente chinês Xi Jinping esteve no Cairo no âmbito de uma visita à região para promover a iniciativa "one belt, one road", um relançamento da legendária Rota da Seda – uma antiga rede de rotas comerciais que ligavam o Extremo Oriente ao Mediterrâneo.
Uma característica importante da complexa estratégia regional da China é a sua tentativa de abordar os seus parceiros em pé de igualdade. No caso do Egipto, fê-lo apelando a uma história partilhada – uma tática que ressoa em ambos os países. Quando o site de viagens chinês Kooniao recentemente mostrou a declaração do geoquímico Sun Weidong que aponta que a civilização chinesa pode ter origem no antigo Egipto, os leitores chineses responderam com entusiasmo. Ficaram muito contentes por serem considerados em pé de igualdade com o Egipto. Este episódio sugere um relançamento das discussões iniciais entre os funcionários chineses na era pós-Segunda Guerra Mundial, que também colocavam as origens da civilização chinesa no Ocidente.
É tentador questionar se a China implicitamente usa as suas teorias civilizacionais para se mostrar em determinadas regiões e em determinadas alturas. O que sabemos é que a China teve interesse no mundo árabe, pelo menos, desde o início da era pós-colonial, quando novos países foram criados na região do MENA. Esse interesse personificou-se na relação entre o primeiro primeiro-ministro da República Popular da China, Zhou Enlai, e o herói egípcio da independência e segundo presidente, Gamal Abdel Nasser.
Zhou e Nasser foram ambos fundamentais na luta mundial dos países do sul pela independência e autonomia ideológica. Mas a Guerra Fria, a ruptura sino-soviética e o desenvolvimento de programas por parte das instituições internacionais Ocidentais rapidamente interrompeu a cooperação entre os países do Sul e os laços entre a China e o Egipto enfraqueceram. Isso mudou em 2016 com o altamente publicitado encontro entre Xi Jinping e o presidente Abdel Fattah el-Sisi, que teve lugar em Janeiro.
Em 2012, o antigo presidente egípcio, Mohamed Morsi – que venceu a primeira eleição presidencial no Egipto depois de o regime do antigo presidente Hosni Mubarak ter sido derrubado, em 2011 – estabeleceu as bases. A China era o primeiro destino oficial de Morsi fora da região.
Quando os militares egípcios retiraram Morsi da presidência e el-Sisi se tornou presidente, este continuou a aproximar o país à China. Xi devolveu o favor e usou a sua viagem ao Cairo para comemorar os 60 anos das relações diplomáticas bilaterais. Xi já tinha visitado o Egipto 16 anos antes e na sua segunda visita oficial elogiou a civilização egípcia: "se você beber do Nilo, voltará".
O Egipto e a China assinaram um elevado número de acordos bilaterais. Um dos acordos que se destaca é um projecto para construir uma nova capital do Egipto no deserto fora do Cairo, um projecto financiado em 45 mil milhões de dólares pela China. A importância simbólica do projecto é óbvia: a China quer cimentar o seu papel como o maior aliado da região, em vez dos Estados Unidos.
De facto, esta relação sino-egípcia renovada é o alicerce dos esforços chineses para atrair novos aliados em regiões onde, anteriormente, dominavam os interesses europeus e norte-americanos. E é aqui que a confiança chinesa no diálogo civilizacional, de respeito mútuo e partilha de padrões históricos, mostra um forte contraste com o discurso do Ocidente colonial, pós-colonial e neocolonial, que tende a enquadrar as culturas locais como retrógradas ou inferiores.
Ao louvar a cultura local egípcia, e ao aludir às suas origens partilhadas, a China está a reforçar as suas relações diplomáticas e hipóteses de futuras cooperações internacionais. Em troca, o Egipto – uma entrada para o mundo árabe – vai tornar-se num aliado estratégico crucial para a China. Mas ao aprofundar o seu relacionamento com o Egipto, a China posiciona-se no sentido de aumentar também a sua influência em outros países do Médio Oriente e Norte de África.
Zaynab El Bernoussi é professora de Relações Internacionais na Escola de Humanidades e Ciências Sociais, da Universidade Al Akhawayn (Marrocos).
Copyright: Project Syndicate, 2016.
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Tradução: Ana Laranjeiro