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Andrew Sheng e Xiao Geng 04 de Março de 2018 às 14:00

A busca da China por um crescimento com qualidade

Não vai ser fácil concretizar a visão de "desenvolvimento centrado nas pessoas" que Xi anunciou em Outubro. Mas a China está na direcção certa.

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À medida que o presidente chinês, Xi Jinping, começa o seu segundo mandato de cinco anos, a mudança para um "crescimento com qualidade" está no topo da agenda política. No governo chinês há um compromisso discreto, mas resoluto, que está já a ganhar raízes, que é o de impulsionar um novo modelo de crescimento que corrija as distorções criadas por décadas de crescimento de dois dígitos – incluindo corrupção, poluição, crescimento das desigualdades e outros desequilíbrios estruturais.

 

Ao longo dos últimos 40 anos, a China focou-se num desenvolvimento territorial rápido, impulsionado pelas iniciativas locais com o objectivo de atrair investimento para infra-estruturas, parques industriais e zonas de comércio livre facilitadoras de tal desenvolvimento, à medida que beneficiavam de um elevado conjunto de mão-de-obra barata que migrou das áreas rurais.

 

Durante este processo, a China usou o crescimento do PIB como a sua principal medida de sucesso. Isto permitiu o estabelecimento de objectivos bem definidos e de incentivos para os membros locais, à medida que concorriam uns contra os outros. Mas isto também provocou problemas sérios – como danos ambientais, desigualdades, dívidas excessivas, sobrecapacidade e corrupção.

 

Hoje, as autoridades chinesas estão a olhar para um conjunto mais amplo de medidas, tanto ao nível local como nacional, que possam abranger não apenas o crescimento mas também a qualidade de vida. A visão por detrás desta mudança foi articulada no 19º Congresso Nacional do Partido Comunista da China, em Outubro, quando Xi Jinping apontou 14 áreas políticas em que é fundamental desenvolver "o socialismo com características chinesas".

 

Entre estes imperativos estava a "adopção de uma nova visão sobre o desenvolvimento" na qual "sejam assegurados e melhorados os padrões de vida". Esta visão deveria ser apoiada num compromisso de ter "uma abordagem mais centrada nas pessoas" e na "harmonia entre os humanos e a natureza". Xi enfatizou também uma governação forte, em especial "assegurando à liderança do Partido todo o trabalho", "assegurando que todas as dimensões da governação são baseadas em leis" e "exercendo uma governação total e rigorosa sobre o Partido".

 

A motivação por detrás desta mudança no foco do desenvolvimento da China não é nenhum mistério. A China é agora a segunda maior economia mundial e responsável por quase metade do crescimento mundial. Está agora praticamente ao mesmo nível dos países desenvolvidos em termos de infra-estruturas, comércio, investimento e industrialização. Continuar a fortalecer a sua posição no palco mundial é agora uma questão de cumprirem ou mesmo ultrapassarem os padrões mundiais em áreas que vão da sustentabilidade à boa governação.

 

Claro, abordar os desafios que a China enfrenta vai exigir muitas tentativas e erros – muito como foi feito com o seu desenvolvimento passado – para não falar da aceitação de algumas baixas económicas. Por exemplo, o declínio das áreas industriais no nordeste da China, e o crescimento de clusters produtivos nas áreas do Pearl e Yangtze River Deltas, localizadas no sudeste da China, são as duas faces da mesma moeda. A concorrência entre mercados na China criou tanto vencedores como perdedores, com os vencedores no sudeste a ficarem com os empreendedores, talento e outros recursos dos perdedores do nordeste.

 

Gerir a transformação das economias regionais da China, enquanto a estabilidade social é preservada, vai exigir um equilíbrio cuidadoso entre a antiga estratégia de crescimento - exemplificada pelos perdedores, que estão sobretudo dependentes das empresas públicas e do investimento público – e a nova abordagem que é mais orientada para o capital humano e que está a ser desenvolvida pelos vencedores. Ao longo deste processo, a China vai precisar de ter em atenção os factores locais, como as tendências ao nível da população, os recursos naturais e a atractividade que determinadas regiões têm para o turismo de classe média.

 

Este reequilíbrio vai exigir que o governo central ajude a aliviar o fardo da dívida, que é o resultado da falência de projectos nas regiões derrotadas, muito como sucedeu na década de 1990, quando as perdas das empresas públicas durante a crise financeira asiática foram anuladas. Isto não significa que a China deva resgatar as indústrias locais desactualizadas. Em vez disso, significa evitar que os custos irrecuperáveis do anterior modelo de crescimento da China deixem regiões inteiras presas em níveis baixos de qualidade de vida e de desenvolvimento, ao permitir que a população local desenvolva start-ups inovadoras, enquanto investe em projectos que criam novas oportunidades de rendimentos.

 

Além dos ajustamentos estruturais do lado da oferta, a China tem de assegurar que a sua nova estratégia de crescimento aborda "o último ponto" do lado da procura que existe no desenvolvimento urbano e humano, incluindo engarrafamentos no trânsito, obstáculos ao nível das infra-estruturas, falta de habitações, serviços subdesenvolvidos de gestão do lixo, e cuidados de saúde e educação inadequados. Como está, resolver estas questões pequenas – fundamentais para o bem-estar humano – está entre as questões mais frágeis do complexo plano de reformas macroeconómicas e sociais.

 

A China tem todos os recursos sociais, físicos e financeiros necessários para abordar estes problemas que, de facto, representam grandes oportunidades de investimento tanto para o sector público como para o sector privado. Mas, para ser bem-sucedida, qualquer estratégia não pode apenas contar com a opinião local sobre o que é que pode ser alcançado no âmbito das condições locais; tem de ser também permitido que haja soluções detidas localmente, incluindo o desenho e a implementação das mesmas.

 

Em qualquer caso, os líderes chineses têm demostrado uma vontade e capacidade para olharem para o quadro geral, aceitando as baixas taxas de crescimento do PIB enquanto há um reequilíbrio do modelo de desenvolvimento do país para perseguir melhorias ao nível da qualidade de vida. Não vai ser fácil concretizar a visão de "desenvolvimento centrado nas pessoas" que Xi anunciou em Outubro. Mas a China está na direcção certa.

 
Andrew Sheng é membro do Asia Global Institute da Universidade de Hong Kong e do Conselho Consultivo de Finanças Sustentáveis da UNEP. Xiao Geng, presidente do Hong Kong Institution for International Finance, é professor na Universidade de Hong Kong.

Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro

 

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