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Uma boa ideia basta

Não sei se estas campanhas eleitorais são uma festa da democracia ou um resquício obsoleto do passado. É evidente o cansaço perante cartazes que pouco dizem, mas muito poluem as cidades. Esta profusão de panfletos, sacos de...

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Não sei se estas campanhas eleitorais são uma festa da democracia ou um resquício obsoleto do passado. É evidente o cansaço perante cartazes que pouco dizem, mas muito poluem as cidades. Esta profusão de panfletos, sacos de plástico e bandeirinhas que só servem para dar trabalho aos "almeidas". Estes jantares onde se come mal e se convive pouco. Os comícios. As arruadas. As declarações virulentas. O frenesim.

Há quem defenda que apesar de tudo esse é o momento do contacto directo entre cidadãos e políticos. Mas, na verdade, todos sabemos que hoje se desce à rua tão-só para aparecer na televisão. É, aliás, mais do que duvidosa a eficácia real destes passeios por mercados e avenidas a distribuir beijinhos e panfletos. As poucas centenas de pessoas que se atingem, e os apoios ou repúdios manifestados, não têm qualquer significado, nem sequer enquanto sondagem ambulante. Nestas coisas conta bastante mais a comitiva. Há os que passeiam sozinhos, o que dá péssima imagem, e os que se mobilizam partidariamente para andar sempre mergulhados numa maré de bandeiras e vivas, o que é muito fotogénico.

De qualquer modo, todo este arraial não vale nada sem televisão. A sociedade mediática e da informação em que vivemos alterou profundamente não só a forma de fazer política, como igualmente a de fazer campanhas. Onde antes se contava a quantidade de pessoas em comícios e manifestações, hoje contam-se os segundos de presença televisiva. Onde antes se valorizava a profusão de cartazes a cobrir paredes e tudo, hoje vale a propagação na Net, sms e twitters.

Por isso estas arruadas, com o seu cortejo de bombos e cenas algo patéticas, chegam até nós como um filme antigo a preto e branco. Daqueles que provocam uns segundos de nostalgia para logo se mudar de canal.

Num tempo em que tanto se fala de criatividade e inovação parece evidente que falta verdadeira inovação nas campanhas eleitorais. Há alguma adaptação, é certo, como é o caso da utilização já corrente da Internet por praticamente todos os partidos. Mas vemos pouca coisa realmente nova e mobilizadora.

Ora isto tem muito a ver com a forma como se geram as ideias nos partidos. Os mais pequenos recorrem ao sistema "petit comité", em que são invariavelmente os mesmos, poucos, a pensar o mesmo. Sendo o caso do Bloco paradigmático. Nunca do Bloco sairá uma ideia que não esteja na cabeça de Loucã. E essas são velhas, como se constata.

Os grandes recorrem a empresas, agências de publicidade, consultores. Mas aí raramente estamos a falar de política e sim de marketing e publicidade. O que não é a mesma coisa.

Há também, particularmente nas eleições autárquicas, aquelas sessões em que se convidam pessoas dispersas e se solicitam ideias avulsas. Exercício muito perigoso. Primeiro porque o candidato fica com centenas de ideias, tantas vezes contraditórias e que não servem para nada, e depois porque ao pedir ideias, assim em público, fica a sensação de que afinal o candidato não tem nenhuma.

Tudo considerado acabamos por ir parar ao básico. Um político e uma campanha não precisam de muitas ideias, mas tão-só de uma boa e mobilizadora. Em Portugal temos o exemplo de Mário Soares e a nossa adesão à Europa. Ideia forte que então muito estimulou os portugueses e o País. Ou, recentemente, a campanha de Obama, que com um simples "Yes, we can" deu o sinal de mudança que o mundo e a maioria dos americanos desejavam depois da catástrofe chamada Bush.

A este propósito cabe contar uma pequena história. Paul Valery, o prolífico escritor francês, um dia encontrou Einstein e muito excitado perguntou: "eu tenho tantas ideias, ando sempre com uns pequenos cadernos para as anotar e há falta deles chego a escrever no punho das camisas. E você como é que faz?" Ao que Einstein respondeu: "sabe, eu não tenho esse problema, porque até hoje só tive uma ideia".

A política contemporânea, tal como sempre sucedeu, não precisa de muitas ideias, arruadas barulhentas, cartazes, intrigas e demagogia. Precisa sim de uma única, forte e boa ideia.
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