Opinião
06 de Abril de 2017 às 10:27
Tudo o que mudou desde que o vizinho do 8.º andar passou a "alugar casa a estrangeiros"
Seja por considerar que o alojamento local se enquadra no conceito de habitação [...], seja por considerar que embora esteja em causa uma atividade comercial, estamos sempre no âmbito de uma utilização para fins habitacionais.
As assembleias de condóminos conseguem a proeza de juntar, no dia e hora mais inconveniente para todos, e por tempo indeterminado, um grupo de pessoas que pouco mais partilham do que o número da porta do prédio onde vivem, mas que estão condenados a ter de gerir os destinos dos "espaços comuns" do prédio que dividem, por "maioria dos votos presentes" em reunião.
Ninguém sai de uma assembleia de condóminos com saudades, mas todos entraram sabendo de antemão, pela "convocatória" recebida semanas antes no correio, a abrangência dos pontos que vão ser discutidos, desde o cheiro a lixo que se faz sentir nas escadas, à lâmpada fundida do quarto dos arrumos.
No entanto, decorrente da recente febre do "alojamento local", a acrescer a esta lista surgem agora as queixas relacionadas com a quantidade de "caras desconhecidas" que se encontram no prédio e os comentários de como tudo está pior, desde que o vizinho do oitavo andar passou a "alugar a casa a estrangeiros".
Alguns condomínios, , cansados dos seus prédios terem a rotatividade de um albergue espanhol, convocaram assembleias nas quais, a "maioria dos presentes" em reunião, decidiu expressamente proibir o alojamento local, procurando assim limitar os direitos dos proprietários das frações.
Esta questão não tardou evidentemente a chegar aos tribunais pela mão daqueles que, embora a custo aceitem que a "maioria dos presentes" em assembleia delibere contra a sua vontade pintar a fachada do prédio de "Pantone 448c", entendem e bem, que essa "maioria" se deve dissolver à porta das suas casas, não lhes reconhecendo legitimidade para interferir na forma como dispõem dos seus imóveis.
Chamado a decidir a questão, o Tribunal da Relação de Lisboa, com o punho ainda viciado por décadas de um regime legal de arrendamento exclusivamente sustentado no conformismo e no património imobiliário dos senhorios, onde predominavam os contratos para habitação sem termo, a impossibilidade de despejo dos inquilinos e o congelamento do aumento das rendas, considerou um verdadeiro excesso, esta "novidade" dos proprietários poderem livremente dispor dos seus imóveis com tamanha soltura e desembaraço.
Na opinião daquele tribunal a sujeição de um imóvel pelo seu proprietário à "libertinagem" do alojamento local, impunha que aquelas frações devessem ser consideradas como espaços quase pecaminosos destinados ao "comércio" e não para fins habitacionais obrigando, assim, a que os seus proprietários tivessem de alterar a descrição da propriedade horizontal. Mudança que, por lei, carece da unanimidade da vizinhança do prédio.
Na passada quarta-feira, o Supremo Tribunal de Justiça, interpelado para decidir da questão, acolheu o pensamento do Tribunal da Relação do Porto, não deixando que a "vontade da maioria" dos votos presentes viesse determinar, ou limitar a vontade dos proprietários das frações.
Seja por considerar que o alojamento local se enquadra no conceito de habitação, como entendeu o Tribunal da Relação do Porto, seja por considerar que embora esteja em causa uma atividade comercial, estamos sempre no âmbito de uma utilização para fins habitacionais, como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, a nossa jurisprudência interiorizou esta nova figura com a abertura e a modernidade que se impunham, ao não deixar que o peso da maioria, aliado ao conservadorismo de outros tempos, viesse amputar os direitos dos proprietários.
Como o nosso sistema jurídico tem a lei por fonte primordial, e não as decisões judiciais, como acontece em sistemas que se regem pela Common Law, esta decisão do Supremo Tribunal de Justiça, embora proferida pela mais alta instância judiciária, não afeta de forma direta e imediata, os casos pendentes ou futuros relativos à mesma questão de direito.
Contudo e mesmo não vigorando entre nós a Common Law, o facto de o Supremo Tribunal de Justiça ter proferido este acórdão, abre desde logo a porta à possibilidade de recorrer de qualquer decisão, sobre esta matéria, que seja proferida em sentido oposto à do Supremo Tribunal de Justiça, caminho que estava vedado pelas apertadas regras dos recursos mas que o bom senso e a razão vieram desimpedir.
Este artigo foi redigido ao abrigo do novo acordo ortográfico.
Ninguém sai de uma assembleia de condóminos com saudades, mas todos entraram sabendo de antemão, pela "convocatória" recebida semanas antes no correio, a abrangência dos pontos que vão ser discutidos, desde o cheiro a lixo que se faz sentir nas escadas, à lâmpada fundida do quarto dos arrumos.
Alguns condomínios, , cansados dos seus prédios terem a rotatividade de um albergue espanhol, convocaram assembleias nas quais, a "maioria dos presentes" em reunião, decidiu expressamente proibir o alojamento local, procurando assim limitar os direitos dos proprietários das frações.
Esta questão não tardou evidentemente a chegar aos tribunais pela mão daqueles que, embora a custo aceitem que a "maioria dos presentes" em assembleia delibere contra a sua vontade pintar a fachada do prédio de "Pantone 448c", entendem e bem, que essa "maioria" se deve dissolver à porta das suas casas, não lhes reconhecendo legitimidade para interferir na forma como dispõem dos seus imóveis.
Chamado a decidir a questão, o Tribunal da Relação de Lisboa, com o punho ainda viciado por décadas de um regime legal de arrendamento exclusivamente sustentado no conformismo e no património imobiliário dos senhorios, onde predominavam os contratos para habitação sem termo, a impossibilidade de despejo dos inquilinos e o congelamento do aumento das rendas, considerou um verdadeiro excesso, esta "novidade" dos proprietários poderem livremente dispor dos seus imóveis com tamanha soltura e desembaraço.
Na opinião daquele tribunal a sujeição de um imóvel pelo seu proprietário à "libertinagem" do alojamento local, impunha que aquelas frações devessem ser consideradas como espaços quase pecaminosos destinados ao "comércio" e não para fins habitacionais obrigando, assim, a que os seus proprietários tivessem de alterar a descrição da propriedade horizontal. Mudança que, por lei, carece da unanimidade da vizinhança do prédio.
Na passada quarta-feira, o Supremo Tribunal de Justiça, interpelado para decidir da questão, acolheu o pensamento do Tribunal da Relação do Porto, não deixando que a "vontade da maioria" dos votos presentes viesse determinar, ou limitar a vontade dos proprietários das frações.
Seja por considerar que o alojamento local se enquadra no conceito de habitação, como entendeu o Tribunal da Relação do Porto, seja por considerar que embora esteja em causa uma atividade comercial, estamos sempre no âmbito de uma utilização para fins habitacionais, como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, a nossa jurisprudência interiorizou esta nova figura com a abertura e a modernidade que se impunham, ao não deixar que o peso da maioria, aliado ao conservadorismo de outros tempos, viesse amputar os direitos dos proprietários.
Como o nosso sistema jurídico tem a lei por fonte primordial, e não as decisões judiciais, como acontece em sistemas que se regem pela Common Law, esta decisão do Supremo Tribunal de Justiça, embora proferida pela mais alta instância judiciária, não afeta de forma direta e imediata, os casos pendentes ou futuros relativos à mesma questão de direito.
Contudo e mesmo não vigorando entre nós a Common Law, o facto de o Supremo Tribunal de Justiça ter proferido este acórdão, abre desde logo a porta à possibilidade de recorrer de qualquer decisão, sobre esta matéria, que seja proferida em sentido oposto à do Supremo Tribunal de Justiça, caminho que estava vedado pelas apertadas regras dos recursos mas que o bom senso e a razão vieram desimpedir.
Este artigo foi redigido ao abrigo do novo acordo ortográfico.