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Opinião
14 de Abril de 2011 às 10:39

Trabalho e saúde

A organização das actividades de segurança e saúde no trabalho deverá ser complementada com outras medidas como forma de contribuir para a redução dos níveis de "stress" e fadiga.

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Quando falamos em factores de risco em contexto de trabalho, rapidamente identificamos como domínios críticos a exposição a condições nefastas como sejam o ruído, vibrações, temperaturas acentuadas, elementos poluentes ou manipulação de matérias perigosas. Porém, outros factores como sejam o clima organizacional, o estilo de liderança ou algo tão prosaico como a carga, o tempo e o ritmo de trabalho tendem a ser negligenciados.

Na verdade, a nossa vida é determinada em grande parte por questões de nível biológico que afectam a forma como estamos e nos sentimos em contexto de trabalho. É comum ouvir-se falar de jet lag e de "sonos trocados" para referir desajustamentos fisiológicos no ritmo normal de funcionamento humano. O jet lag ou fadiga de viagem decorre essencialmente de circunstâncias naturais associadas a viagens de longo curso em que a alteração de fuso horário impõe de forma rápida a necessidade do nosso organismo se adaptar a outro ritmo diferente do da zona de origem. Os "sonos trocados" ou cansaço extremo, como são expressos na linguagem comum, podem ter origens bem mais triviais e comuns. Maus hábitos de sono, sobrecarga da jornada de trabalho ou trabalho por turnos estão entre as principais causas de alterações do ritmo circadiano. Por ritmo ou ciclo circadiano entende-se o ritmo diário determinado pelo sol e que norteia o ritmo biológico de cada um. O ciclo circadiano está relacionado com alterações da capacidade física e mental e justifica em grande parte o porquê das diferenças do ritmo de trabalho ao longo do dia.

Em contexto de trabalho, no sentido de assegurar condições de produção continuada, frequentemente as empresas são obrigadas a aplicar um regime de trabalho por turnos, muitas das vezes, contrário ao ritmo circadiano normal. Com efeito, o trabalho por turnos vem regulado no Código do Trabalho (actual Lei n.º 07/2009, de 12 de Fevereiro) e nos Instrumentos de Regulamentação Colectiva aplicáveis às diversas empresas e sectores de actividade. De acordo com o Código do Trabalho, o trabalho por turnos consiste em "qualquer organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo trabalho rotativo, contínuo ou descontínuo, podendo executar o trabalho a horas diferentes num dado período de dias ou semanas". Os turnos serão fixos ou rotativos consoante os trabalhadores desempenhem a sua actividade sempre no mesmo horário de trabalho ou em horários de trabalho que se alterem periodicamente. Caso ocorra a alteração do horário de trabalho sempre no final de cada turno estar-se-á perante uma situação de turnos rotativos contínuos. Por outro lado, se ocorrer a uma cadência diferente estar-se-á perante turnos descontínuos.

Os turnos no regime de laboração contínua e os de trabalhadores que assegurem serviços que não possam ser interrompidos deverão ser organizados de modo a que os trabalhadores de cada turno gozem, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias, sem prejuízo do período excedente de descanso a que tenham direito.

Embora a legislação preveja que a duração de trabalho de cada turno não possa ultrapassar os limites máximos dos períodos normais de trabalho, que o trabalhador só poderá mudar de turno após o dia de descanso semanal e que o empregador deve ter registo separado dos trabalhadores incluídos em cada turno, importa ter em consideração que esta opção pode afectar significativamente a qualidade de vida no trabalho.

Os trabalhadores por turnos têm, em regra, uma maior incidência de acidentes de trabalho, maiores taxas de absentismo e níveis de queixas fisiológicas superiores (fadiga, perturbações do sono, entre outras). De igual forma, este regime tende a potenciar maiores riscos de doença decorrentes da falta de descanso, do consumo de tabaco, falta de regras alimentares e/ou a redução do exercício físico. Também em termos psicológicos se identificam efeitos nefastos que devem ser considerados aquando da opção por trabalho por turnos, nomeadamente o stress e alterações de humor.

Ao nível social há que atender à potencial alteração da capacidade de manutenção de actividades extra-laborais que sejam de formação e desenvolvimento pessoal (cultura, desporto ou lazer) e ao potencial comprometimento dos papéis familiares associados à vida doméstica e à parentalidade.

Assim, a organização das actividades de segurança e saúde no trabalho nos termos prescritos pela legislação laboral deverá ser complementada com outras medidas de planeamento e desenho de funções e postos de trabalho como forma de contribuir para a redução dos níveis de stress e fadiga. As empresas podem, ainda, actuar através de processos de educação para a saúde incentivando estes trabalhadores a desenvolverem rotinas de actividade física, hábitos alimentares mais saudáveis e condições de ajustamento entre trabalho e vida familiar que permitam uma mais fácil gestão de horários não convergentes.

Independentemente da opção por turnos fixos ou rotativos, o empregador deve atender sempre à necessidade de tempo de recuperação e controlo dos impactos nefastos que esta decisão implica para a vida do trabalhador.

Tal preocupação do empregador deverá estar, igualmente, patente quando a opção de prestação de trabalho sob o regime de turnos surge por vontade expressa do trabalhador e como forma de aumentar o pecúlio mensal através da acumulação de trabalhos. Assim, os turnos devem, na medida do possível, ser organizados de acordo com os interesses e as preferências manifestadas pelos trabalhadores. A organização do trabalho em regime de turnos implica, com frequência, que os trabalhadores tenham inclusivamente direito a um subsídio que não poderá ser esquecido.



Tome nota



1. Os trabalhadores por turnos têm uma maior incidência de acidentes de trabalho, maiores taxas de absentismo e níveis de queixas fisiológicas superiores;
2. O empregador deve assegurar as condições para a fruição de um nível de protecção e segurança e saúde adequado à natureza do trabalho por turnos;
3. Para além da garantia de condições de saúde e segurança, as empresas devem integrar preocupações de apoio aos trabalhadores por turnos, em termos de ajustamento à vida pessoal e ao trabalho;
4. Ainda que o trabalho por turnos seja opção do trabalhador para conseguir conjugar actividades diversas deve-se atender aos riscos associados;
5. Os turnos devem, na medida do possível, ser organizados de acordo com os interesses e as preferências manifestadas pelos trabalhadores.




*Associada da Teixeira de Freitas, Rodrigues e Associados
claudia.torres@tfra.pt

** Docente Universitária
acsd.duarte@gmail.com
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