Opinião
Tornas de divórcio
Hoje em dia, é público e notório o elevado número de divórcios em Portugal, ocorrência que suscita, entre outras questões, a abordagem quanto à partilha do património do casal desavindo, e em concreto, dos efeitos fiscais que daí decorrem.
Em termos civis, o regime supletivo de casamento que prevalece no nosso país é o da comunhão de adquiridos. Trata-se de um regime que tem como objetivo evitar eventuais injustiças na repartição de bens do casal, pois inversamente ao regime da comunhão que determina que, regra geral, são comuns todos os bens existentes, quer previamente, quer na vigência do património, o regime da comunhão de adquiridos caracteriza-se pela possibilidade da existência de bens comuns e bens próprios de cada um dos cônjuges.
Segundo este regime, o de comunhão de adquiridos, a cada um dos cônjuges pertence só e apenas os bens que tinham antes de contrair o casamento e os bens que, depois do casamento adquiram a título gratuito (por sucessão ou doação), ou venham a adquirir por virtude de direito próprio anterior, que por não resultarem do esforço conjunto do casal, são considerados próprios.
Por sua vez, os bens que constituem o património comum do casal assumem a natureza de propriedade coletiva, pertencendo aos dois cônjuges, em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre essa mesma propriedade.
Assim, o património comum do casal é constituído pelo conjunto de bens adquiridos, na vigência do casamento, como produto da atividade conjunta de ambos os cônjuges ou graças ao apoio, estímulo e assistência que um deles preste à iniciativa, ao esforço e à capacidade realizadora do outro .
Deste modo, a partilha corresponde à divisão dos bens comuns segundo a composição dos quinhões (50% a cada), entendido como conjunto de bens comuns que cabe a cada um dos interessados. É, no fundo, um processo que se destina a distribuir o património da "sociedade conjugal", em virtude da sua dissolução (divórcio).
Para tal, aquando da apresentação do pedido de divórcio, entre outros documentos, deverá ser apresentada uma relação de bens comuns e os respetivos valores.
Quanto exista património imobiliário comum, se nenhum dos cônjuges pretender ficar com os imóveis pertencente à esfera de ambos, poderão, porventura, optar por vender os mesmos a terceiros.
Artigo 10.º do CIRS
A nível fiscal, a venda do imóvel poderá eventualmente originar mais-valias, enquadráveis como rendimentos da Categoria G, já que estamos perante uma alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, Assim, obtendo-se mais-valias, as mesmas deverão ser declaradas em 50% por cada um dos ex cônjuges, no seu anexo G, aquando da entrega da declaração de rendimentos- Modelo 3.
Por outro lado, se um dos cônjuges pretender ficar com o património imobiliário, pagará uma parcela ao ex-cônjuge, uma espécie de compensação, vulgo "tornas".
Nestes termos, as designadas tornas, consubstanciam-se, na realidade, num negócio de alienação/aquisição do direito real a um bem imóvel ou parte dele, sendo as mesmas consideradas, na ótica de quem as recebe, como um ganho, por conseguinte, eventualmente sujeitas a tributação em mais-valias no ano da partilha, e sendo consideradas, relativamente a quem as paga, como se de uma aquisição se tratasse.
O artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), quando refere que "constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis ", pretende abranger não só as transmissões onerosas resultantes dos normais contratos de compra e venda mas também a cedência em ato de divisão ou partilha de direitos reais sobre bens imóveis.
Passemos a ver dois exemplos para distinguir quando é que haverá o apuramento de mais-valias e se originam alguma obrigação declarativa.
Exemplo 1
Um casal tem dois imóveis, que fazem parte da sua propriedade comum. Decidem separar-se, ficando determinado que o cônjuge A fica com um imóvel no valor de 100.000 euros e B com o outro imóvel no valor de 150.000 euros. B paga tornas a A no valor de 25.000 euros. Tendo em conta que o valor do património comum representa um valor de 250.000 euros, o quinhão de cada um dos cônjuges será de 125 000 euros.
No caso apresentado, não estamos perante uma cedência de direitos sobre bens imóveis, uma vez que a cada um dos titulares é atribuído um bem imóvel. Como um dos imóveis tem um valor superior ao outro, o titular que fica com o imóvel de maior valor terá que pagar a diferença ao ex-cônjuge de modo a completar a sua quota-parte nos bens.
Em termos de IRS, para o cônjuge que recebe as tornas, a operação não tem qualquer relevância, não havendo obrigação declarativa, nomeadamente o preenchimento do anexo G- Mais Valias.
Exemplo 2
Imagine-se, por sua vez, que um casal tem um imóvel no valor de 200.000 euros.
O cônjuge A fica com um imóvel e paga tornas ao cônjuge B no valor de 100.000 euros. Tendo em conta que o valor do património comum representa um valor de 200.000 euros, o quinhão de cada um dos cônjuges será de 100.000 euros e será esse valor que será pago por o cônjuge A ao cônjuge B.
Neste caso, já estamos perante uma cedência em ato de divisão ou partilha de direitos reais sobre bens imóveis, pois um dos cônjuges está a ceder o seu direito sobre um bem imóvel e como tal, recebe tornas. Assim, o cônjuge que recebe as tornas, deverá no ano seguinte ao da escritura de partilha/divisão de coisa comum, para efeitos de tributação em sede de IRS, entregar com a sua declaração de rendimentos Modelo 3, o anexo G, onde deve declarar a quota parte cedida (50%).
A mais-valia resultante da alienação de direitos reais sobre bens imóveis, é dada por:
MV = VR - (VA x coef. EV DA), sendo
VR – Valor de realização
A – Valor de aquisição
Coef. – Coeficiente de desvalorização monetária
EV – Encargos com valorização
DA – Despesas com a alienação e com a aquisição
O valor de realização será o da contraprestação obtida, ou seja o valor dos imóveis que foi atribuído no ato ou contrato de partilha, ou o VPT definitivo, resultante da avaliação efetuada nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
Nos termos do art. 46.º do CIRS, considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título oneroso, aquele que haja sido considerado para efeitos de liquidação de SISA / IMT.
A data de realização será a data em que foi efetuado o contrato de venda entre os ex-cônjuges.
A liquidação automática do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira, assegura a consideração de apenas 50 por cento do saldo entre as mais-valias e as menos – valias realizadas, nos termos do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, bem como a aplicação do coeficiente de correção monetária aplicável ao valor de aquisição. É bastante comum obter menos valias em sede de IRS nesse tipo de situações, se tivermos em conta que o cônjuge recebe apenas o valor que falta para completar o seu quinhão, devido à aplicação dos coeficientes de correção monetária e à consideração das despesas de aquisição e alienação, como por exemplo, o valor pago a uma agência imobiliária.
Relativamente à sujeição a IMT, desde de 1 de janeiro de 2009, que não há lugar a sujeição deste imposto nos casos em que o excesso da quota-parte resultar de ato de partilha por efeito da dissolução do casamento que não tenha sido celebrado sob o regime da separação de bens, ou seja, nas situações de divórcio, por separação judicial de bens ou por separação judicial de pessoas e bens.
Contudo, a aquisição de bem imóvel mediante divisão ou partilha, nas situações acima descritas, consubstancia uma aquisição simultaneamente gratuita e onerosa, sendo onerosa na parte que exceda o valor da quota-parte que ao adquirente pertencer, por qualquer título, nos bens adjudicados.
Apesar de a operação não estar sujeita a IMT, existe obrigatoriedade da entrega da declaração Modelo 1 do IMI, no caso do prédio que não tenha sido objeto de avaliação.
Na análise de cada situação, deverá assim haver uma avaliação dos valores envolvidos, para determinar se a operação é onerosa e se estão em causa, cedência de direitos sobre imóveis, pois cumpridos tais requisitos, a operação passará a ter relevância fiscal, e como tal, originará obrigações declarativas para o cônjuge que recebe as tornas.
comunicacao@otoc.pt
Segundo este regime, o de comunhão de adquiridos, a cada um dos cônjuges pertence só e apenas os bens que tinham antes de contrair o casamento e os bens que, depois do casamento adquiram a título gratuito (por sucessão ou doação), ou venham a adquirir por virtude de direito próprio anterior, que por não resultarem do esforço conjunto do casal, são considerados próprios.
Assim, o património comum do casal é constituído pelo conjunto de bens adquiridos, na vigência do casamento, como produto da atividade conjunta de ambos os cônjuges ou graças ao apoio, estímulo e assistência que um deles preste à iniciativa, ao esforço e à capacidade realizadora do outro .
Deste modo, a partilha corresponde à divisão dos bens comuns segundo a composição dos quinhões (50% a cada), entendido como conjunto de bens comuns que cabe a cada um dos interessados. É, no fundo, um processo que se destina a distribuir o património da "sociedade conjugal", em virtude da sua dissolução (divórcio).
Para tal, aquando da apresentação do pedido de divórcio, entre outros documentos, deverá ser apresentada uma relação de bens comuns e os respetivos valores.
Quanto exista património imobiliário comum, se nenhum dos cônjuges pretender ficar com os imóveis pertencente à esfera de ambos, poderão, porventura, optar por vender os mesmos a terceiros.
Artigo 10.º do CIRS
A nível fiscal, a venda do imóvel poderá eventualmente originar mais-valias, enquadráveis como rendimentos da Categoria G, já que estamos perante uma alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, Assim, obtendo-se mais-valias, as mesmas deverão ser declaradas em 50% por cada um dos ex cônjuges, no seu anexo G, aquando da entrega da declaração de rendimentos- Modelo 3.
Por outro lado, se um dos cônjuges pretender ficar com o património imobiliário, pagará uma parcela ao ex-cônjuge, uma espécie de compensação, vulgo "tornas".
Nestes termos, as designadas tornas, consubstanciam-se, na realidade, num negócio de alienação/aquisição do direito real a um bem imóvel ou parte dele, sendo as mesmas consideradas, na ótica de quem as recebe, como um ganho, por conseguinte, eventualmente sujeitas a tributação em mais-valias no ano da partilha, e sendo consideradas, relativamente a quem as paga, como se de uma aquisição se tratasse.
O artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), quando refere que "constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis ", pretende abranger não só as transmissões onerosas resultantes dos normais contratos de compra e venda mas também a cedência em ato de divisão ou partilha de direitos reais sobre bens imóveis.
Passemos a ver dois exemplos para distinguir quando é que haverá o apuramento de mais-valias e se originam alguma obrigação declarativa.
Exemplo 1
Um casal tem dois imóveis, que fazem parte da sua propriedade comum. Decidem separar-se, ficando determinado que o cônjuge A fica com um imóvel no valor de 100.000 euros e B com o outro imóvel no valor de 150.000 euros. B paga tornas a A no valor de 25.000 euros. Tendo em conta que o valor do património comum representa um valor de 250.000 euros, o quinhão de cada um dos cônjuges será de 125 000 euros.
No caso apresentado, não estamos perante uma cedência de direitos sobre bens imóveis, uma vez que a cada um dos titulares é atribuído um bem imóvel. Como um dos imóveis tem um valor superior ao outro, o titular que fica com o imóvel de maior valor terá que pagar a diferença ao ex-cônjuge de modo a completar a sua quota-parte nos bens.
Em termos de IRS, para o cônjuge que recebe as tornas, a operação não tem qualquer relevância, não havendo obrigação declarativa, nomeadamente o preenchimento do anexo G- Mais Valias.
Exemplo 2
Imagine-se, por sua vez, que um casal tem um imóvel no valor de 200.000 euros.
O cônjuge A fica com um imóvel e paga tornas ao cônjuge B no valor de 100.000 euros. Tendo em conta que o valor do património comum representa um valor de 200.000 euros, o quinhão de cada um dos cônjuges será de 100.000 euros e será esse valor que será pago por o cônjuge A ao cônjuge B.
Neste caso, já estamos perante uma cedência em ato de divisão ou partilha de direitos reais sobre bens imóveis, pois um dos cônjuges está a ceder o seu direito sobre um bem imóvel e como tal, recebe tornas. Assim, o cônjuge que recebe as tornas, deverá no ano seguinte ao da escritura de partilha/divisão de coisa comum, para efeitos de tributação em sede de IRS, entregar com a sua declaração de rendimentos Modelo 3, o anexo G, onde deve declarar a quota parte cedida (50%).
A mais-valia resultante da alienação de direitos reais sobre bens imóveis, é dada por:
MV = VR - (VA x coef. EV DA), sendo
VR – Valor de realização
A – Valor de aquisição
Coef. – Coeficiente de desvalorização monetária
EV – Encargos com valorização
DA – Despesas com a alienação e com a aquisição
O valor de realização será o da contraprestação obtida, ou seja o valor dos imóveis que foi atribuído no ato ou contrato de partilha, ou o VPT definitivo, resultante da avaliação efetuada nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
Nos termos do art. 46.º do CIRS, considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título oneroso, aquele que haja sido considerado para efeitos de liquidação de SISA / IMT.
A data de realização será a data em que foi efetuado o contrato de venda entre os ex-cônjuges.
A liquidação automática do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira, assegura a consideração de apenas 50 por cento do saldo entre as mais-valias e as menos – valias realizadas, nos termos do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, bem como a aplicação do coeficiente de correção monetária aplicável ao valor de aquisição. É bastante comum obter menos valias em sede de IRS nesse tipo de situações, se tivermos em conta que o cônjuge recebe apenas o valor que falta para completar o seu quinhão, devido à aplicação dos coeficientes de correção monetária e à consideração das despesas de aquisição e alienação, como por exemplo, o valor pago a uma agência imobiliária.
Relativamente à sujeição a IMT, desde de 1 de janeiro de 2009, que não há lugar a sujeição deste imposto nos casos em que o excesso da quota-parte resultar de ato de partilha por efeito da dissolução do casamento que não tenha sido celebrado sob o regime da separação de bens, ou seja, nas situações de divórcio, por separação judicial de bens ou por separação judicial de pessoas e bens.
Contudo, a aquisição de bem imóvel mediante divisão ou partilha, nas situações acima descritas, consubstancia uma aquisição simultaneamente gratuita e onerosa, sendo onerosa na parte que exceda o valor da quota-parte que ao adquirente pertencer, por qualquer título, nos bens adjudicados.
Apesar de a operação não estar sujeita a IMT, existe obrigatoriedade da entrega da declaração Modelo 1 do IMI, no caso do prédio que não tenha sido objeto de avaliação.
Na análise de cada situação, deverá assim haver uma avaliação dos valores envolvidos, para determinar se a operação é onerosa e se estão em causa, cedência de direitos sobre imóveis, pois cumpridos tais requisitos, a operação passará a ter relevância fiscal, e como tal, originará obrigações declarativas para o cônjuge que recebe as tornas.
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