Opinião
Timor-Leste: os impasses prováveis
A Fretilin fracassou na tentativa de eleger à primeira volta o seu candidato presidencial, mas a criação de um bloco político alternativo ao partido de Mari Alkatiri é, ainda, uma aposta de alto risco.
O aparente desaire do partido que nas eleições de Agosto de 2001 para a Assembleia Constituinte conseguira 57 por cento dos votos resulta da desagregação institucional, redundando na quase guerra civil do ano passado, e da degradação económica que continua a condenar à miséria mais de 750 mil camponeses.
As expectativas da restante população na área de influência da economia urbana, centrada na capital e em Baucau, foram igualmente defraudadas pela ineficácia do aparelho administrativo e a falta de emprego que atinge 40 por cento dos jovens.
A fuga em massa da população, como sucedeu em Díli durante os confrontos de Abril e Maio, revelou a plena consciência por parte dos habitantes da capital da incapacidade do estado em garantir a segurança, além de mostrar a persistência dos traumatismos causados pelas violências que marcaram o país entre 1975 e 1999.
O projecto Alkatiri
Um quinto dos timorenses subsiste com menos de um dólar por dia e a taxa de fertilidade de 7,8 por cento aponta para que a população triplique até 2050. A instabilidade política, a falta de quadros, o nepotismo e corrupção crescentes, a oposição da Igreja ao controlo de nascimentos apontavam, ainda antes da retirada da missão da ONU, para o fracasso dos objectivos governamentais de reduzir a pobreza extrema para metade até 2015 ou de diminuir significativamente o desemprego nas zonas urbanas.
O culto tradicional da honra, da família e dos laços étnicos acentuou-se ante poderes de estado claudicantes e tornou-se, a par de um catolicismo popular com raízes na resistência à ocupação indonésia e muito marcado pelas devoções e ritos ancestrais, num dos principais factores na balança dos poderes simbólicos e das relações de força na sociedade timorense.
Neste contexto, a capacidade de mobilização do aparelho da Fretilin, hostilizado pela estrutura institucional da Igreja e pelo presidente, mostrou agora os primeiros sinais de enfraquecimento, mas, segundo os resultados provisórios, ainda revela capacidade para poder levar o seu candidato presidencial a uma vitória na segunda volta das eleições e comprometer seriamente as aspirações de Xanana Gusmão de vir a chefiar o governo de Díli.
É de esperar ainda que, no mínimo, o partido de Mari Alkatiri consiga nas eleições legislativas de Junho ou Julho uma relevante minoria de bloqueio na assembleia de Díli, mas, mais provavelmente, será a formação chave para sustento de qualquer governo.
A Fretilin conta com a sua organização partidária, a mais significativa a nível nacional, para garantir o controlo do incipiente aparelho de estado e, por isso, pode, de momento, privilegiar uma estratégia de investimentos no sector agrícola, infra-estruturas e equipamentos sociais, em detrimento de subsídios imediatos ao consumo.
Esta custosa estratégia em termos sociais pensada por Mari Alkatiri implica, contudo, capacidade de contenção da violência o que obriga à muito morosa criação de um corpo militar e policial leal às chefias castrense e política. Acresce que terá de contar com a sagacidade e interesse de australianos e portugueses.
A neutralização da Igreja, evitando que a hierarquia católica potencie forças de oposição ao governo, é outra exigência da estratégia de desenvolvimento a prazo que se confronta, no entanto, com o embaraço da indisponibilidade de quadros, tornando o aparelho estatal presa fácil da ineficácia que arrasta corrupções e nepotismos.
Apesar da prevalência da Fretilin e do seu aparelho clientelar não ser a opção de maior agrado de conservadores ou trabalhistas na Austrália ou da diplomacia de bloco central portuguesa, será sempre possível aos estados com influência mais directa em Díli, incluindo a Indonésia, acautelarem uma rede de influências susceptível de evitar que Timor-Leste se transforme num foco de instabilidade regional.
Xanana Gusmão permanecerá, contudo, como um embaraço capaz de a qualquer momento crítico mobilizar forças contestatárias ao projecto da Fretilin que tudo deve, essencialmente, a Mari Alkatiri.
Um triunfo da Fretilin seria apenas o momento de conjuntura mais propício a uma estabilização instável e para tanto a sua vitória teria de se revelar incontestável nas eleições legislativas.
O projecto Horta-Xanana
Timor-Leste é, a prazo, um estado precário, sob tutela de segurança estrangeira, e os proventos do fundo petrolífero, pensado em função da experiência de gestão norueguesa, arriscam, sobretudo, um destino mais próximo da Nigéria.
Uma vitória de José Ramos-Horta nas eleições presidenciais abriria portas à investida de Xanana Gusmão contra a Fretilin nas legislativas e poria em causa o projecto desenvolvimentista de Alkatiri.
A Fretilin, ainda assim, caso falhe a eleição presidencial e ocorra uma vitória por maioria relativa do recém inventado CNRT de Xanana Gusmão – a histórica sigla de Conselho Nacional da Resistência Timorense passa por Congresso Nacional da Reconstrução Timorense – disporá sempre de uma representação parlamentar capaz de bloquear qualquer iniciativa governamental.
Com Ramos-Horta na presidência – apostado entre outras intenções que passaram despercebidas à imprensa portuguesa em levar Timor-Leste a seguir o exemplo de Moçambique solicitando a adesão à Commonwealth – o bloqueio institucional e partidário revelar-se-á inelutável mesmo na eventualidade de Xanana chegar à chefia do executivo.
Ramos-Horta e Gusmão pretendem enveredar pela disponibilização imediata das receitas do sustento petrolífero e do gás natural e, eventualmente, promover uma isenção global de impostos para a quase totalidade dos timorenses. Sem uma estrutura administrativa e judicial capazes de controlarem a adjudicação de verbas elevadíssimas para a capacidade de execução do estado timorense é de esperar o pior.
A dupla Horta-Xanana já deixou bem claro, no entanto, que, por necessidade óbvia de criar uma rede clientelar, optará por mobilizar imediatamente os mais de 1 200 milhões de dólares do fundo petrolífero para subsídios diversos. Sem estrutura partidária montada e subentendendo a criação de um sistema de clientela alternativo, a eventualidade desta estratégia surtir efeitos negativos e conflituosos é ainda mais perversa do que a lógica desenvolvimentista de Alkatiri.
Mantém-se válido, portanto, com as devidas salvaguardas para apostas em casinos e outras jogadas de proventos abissais, o desabafo do antigo vice-ministro do Desenvolvimento, Abel Ximenes, no auge da crise de Abril/Maio do ano passado, de que “só um investidor maluco” aposta em Timor-Leste.