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Opinião
23 de Agosto de 2007 às 13:59

Servir a identidade portuguesa à procura global

Seguir uma estratégia baseada na afirmação de uma imagem claramente portuguesa que consiga conquistar clientes de outras culturas não é fácil. Mas é o que está a fazer uma cadeia de cafés na África do Sul, com um enorme sucesso.

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Esta história é um exemplo de como a segunda geração de emigrantes pode estar bem posicionada para fazer a síntese entre o que de bom há nos produtos tradicionais portugueses e o que o mercado global procura. Uma promoção dos produtos nacionais, que poderá abrir novos mercados e que não está a ser estimulada da melhor maneira.

O lugar mais “cool” para tomar o pequeno-almoço ao fim-de-semana, na cosmopolita Cidade do Cabo, é um dos quatro cafés de inspiração portuguesa chamado “Vida e Café”. Quem o afirma é o insuspeito guia da Lonely Planet sobre a África do Sul. E, chegando a um destes cafés, vê-se que não faz favor nenhum. Há filas, o espaço interior e a esplanada estão cheios de “beautifull people”, enquanto em frente e ao lado estabelecimentos de conhecidas cadeias internacionais têm mesas vazias.

O segredo está numa combinação original bem conseguida entre pastéis de nata, sandes de presunto e capuccinos, que surgem lado a lado com a meia-de-leite, vendida com esse nome. Tudo, num espaço moderno, onde o símbolo das quinas está por todo o lado, e os empregados usam t-shirts com inúmeras representações do “bigode ideal”, fazendo uma paródia à própria imagem do emigrante português, que mostra que o orgulho da segunda geração nas suas raízes se afirma de forma descomplexada.

Esta síntese entre uma imagem de marca para os produtos portugueses e o gosto e a procura de uma sociedade tão cosmopolita e sofisticada como é, surpreendentemente, a da Cidade do Cabo, foi criada por um português, filho de emigrantes e um entre os quatro milhões espalhados pelo mundo. A cadeia “Vida e Café” espalhou-se para vários pontos da África do Sul, e poderá expandir-se para fora deste país, seguindo o enorme sucesso de uma outra cadeia de ‘franchising’, o Nandos, que se inspirou na tradição luso-africana do frango com piri-piri, e que está já presente em dezenas de países.

A segunda geração de emigrantes, que cresceu com os produtos portugueses, numa cultura diferente, está na posição ideal para fazer a fusão inovadora entre as duas realidades e entidades, permitindo afirmar uma imagem diferente de Portugal e dos seus produtos no mundo, cujo potencial poderá ser muito interessante para o país. Seria algo importante para as exportações e para o turismo, que vivem muito da imagem e do prestígio do que vendem. Mas é, também, algo fundamental no âmbito do contributo de Portugal para a cultura global e para o tipo de ligação que queremos manter com essa outra parte do país que está fora.

Queremos manter uma relação de modernidade ou apenas uma relação baseada na saudade? A resposta parece óbvia. Curiosamente, na Europa, apesar de haver uma enorme comunidade emigrante há menos exemplos bem conseguidos desta fusão do que no continente africano ou latino-americano. O comércio e as relações comerciais estão viradas essencialmente para a geração que emigrou, e não estão nada adaptadas a conquistar outros públicos. Seria interessante ver a nova geração de emigrantes, já nascida e criada em França, nos EUA ou na Alemanha, a afirmar nesses países uma presença da cultura portuguesa expressa de uma forma moderna. Estas pessoas, mais do que quaisquer outras, têm a capacidade de o fazer, mas porventura não estão a ser estimuladas ou são apoiadas nesse sentido.

É tempo de olhar para os quatro milhões e meio de portugueses emigrados como um importante mercado, quer dos nossos produtos, quer como turistas. Um mercado que crescentemente se vai libertando da “obrigação” de vir a Portugal ou de consumir o que é português. São, cada vez mais, clientes que teremos de convencer de que o que é português é bom. São milhões de potenciais embaixadores, que temos de estimular para que o queiram ser, para que continuem a afirmar-se como portugueses, que gostam e querem fazer coisas com uma marca dessa sua identidade.

Se o país os conquistar, pode através deles e do seu conhecimento único de como fazer a ponte entre culturas, angariar outros 400 milhões.

Há aqui um importante trabalho de promoção do Portugal de hoje junto da comunidade emigrante. Trabalho, que quem vê, por exemplo, a RTP Internacional, ou os eventos e efemérides que se celebram em torno da comunidade emigrada, recheados de música pimba e vinho a garrafão, percebe que não está a ser feito da melhor maneira. E vê que em vez de cativar a segunda geração de emigrados a ter uma relação positiva com a identidade portuguesa, está a afastá-la.

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