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09 de Outubro de 2007 às 13:59

Seriedade, ética e pragmatismo

A corrupção é uma questão séria. Uma democracia que acredita em si mesma não pode dar-se ao luxo de a utilizar como factor de instabilização política. Entre outras coisas, a corrupção, tal como a educação, ...

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A corrupção é uma questão séria. Uma democracia que acredita em si mesma não pode dar-se ao luxo de a utilizar como factor de instabilização política. Entre outras coisas, a corrupção, tal como a educação, são áreas em que erros políticos continuados criam culturas difíceis de erradicar e em que as medidas tomadas para os corrigir levam tempo a revelar os seus efeitos. Por isso, numa democracia estabilizada, em que os partidos e os agentes a eles ligados tendem a alternar nas responsabilidades do poder, as políticas que lhes dizem respeito devem ser tomadas num ambiente de serenidade e responsabilidade partilhada, sob pena de se tornarem em armas de arremesso que podem servir para justificar apelos providenciais, mas apenas agravam a situação que lhes serviu de pretexto.

Porque se trata de uma questão séria, vale a pena analisar, em primeiro lugar, a classificação internacional que recentemente deu origem a tanto alarme nos media nacionais, pelo facto de Portugal ter descido relativamente a 2006. Essa tabela, publicada pela Transparency International desde 2001, apresenta um “índice de percepções de corrupção” assente em inquéritos de opinião relativos, em 2007, a 180 países. Cada país tem uma nota que varia entre 10 (ausência total de corrupção) e 0 (corrupção absoluta). Este ano, os últimos lugares são ocupados pelo Iraque (1,5), a Somália e a Birmânia (1,4); os primeiros cabem à Nova Zelândia, Dinamarca e Finlândia (9,4), seguidos de Singapura e da Suécia (9,3). Portugal situa-se em 28º lugar com 6,5 pontos. A sua descida deve-se a ter sido ultrapassado pelo Uruguai e pela Eslovénia, ao mesmo tempo que ultrapassou Macau e que um novo país, Santa Lucia, uma pequena ilha das Caraíbas que integra a Commonwealth, entrou para o 24º lugar. Entretanto a Espanha situa-se em 26º lugar, com 6,7 pontos, a Itália em 41º (5,2), a Grécia em 56º (4,6) e a Polónia em 61º (4,2).

É claro que, perante estes dados, compete aos políticos e à opinião pública analisar inteligentemente a situação portuguesa e, em vez de dramatizá-la, procurar contribuir para que o país ganhe alguns dos 27 lugares que lhe faltam para chegar ao topo. Para isso, convém começar por perceber quais são as causas da corrupção e em que áreas e por que forma se deve actuar com vista a reduzi-la.

Entre os principais factores que favorecem a corrupção estão: a complexidade dos sistemas de regulação e licenciamento das actividades económicas; a tradição burocrática; as regras que regem as compras públicas e a contratação de fornecimentos ao Estado; a transparência das leis, das regras e dos procedimentos e a capacidade das instituições para garantir o seu cumprimento, penalizar quem prevarica e recompensar quem cumpre.

O trabalho com vista a corrigir as deficiências existentes nestas áreas é muitas vezes difícil, exige a coordenação de esforços de diversas entidades, não só públicas como privadas. De facto, é o sector privado cumpridor quem mais perde com a corrupção e com a “informalidade”, um fenómeno muito mais generalizado, igualmente pernicioso, mas ainda aceite, com demasiada frequência, como uma boa alternativa para contornar as deficiências regulamentares e legislativas. A abertura da economia e a necessidade de atrair investimento num mundo onde o capital disfruta de total mobilidade tornou a informalidade num mecanismo extremamente prejudicial à competitividade de uma economia. Os agentes económicos locais podem conhecer os métodos de contornar as leis, mas os investidores de maior dimensão, capazes de concorrer no mercado mundial, ganham mais em aumentar a sua eficiência e em evitar riscos ou negociações complexas, que apenas os levam a contornar obstáculos que não encontram se localizarem o investimento nos países que já os eliminaram.

Um célebre estudo da McKinsey de 2003, de que nunca conhecemos mais que o sumário, teve pelo menos a virtude de chamar a atenção para este tema e há que reconhecer que, para lá das picardias com que alguns media e personalidades se entretêm, os governos que se sucederam têm feito um esforço sério no sentido de corrigir esses problemas. A simplificação regulamentar e legislativa e o esforço de dar maior eficiência à actividade dos tribunais têm sido áreas em que, para lá das polémicas e das acusações de propaganda, têm sido conseguidos progressos assinaláveis, reflectidos aliás na melhoria da posição do país noutros rankings internacionais. As iniciativas em curso em matéria de licenciamento e de legislação laboral irão ainda garantir novos e substanciais progressos, em especial no importante Doing Business, da responsabilidade do Banco Mundial.

É pena que, a nível interno, não se dedique mais tempo a discutir as iniciativas já tomadas e em curso e a analisar os seus resultados efectivos. Daí deveria resultar a compreensão de que não é por acumular leis, regulamentos, licenças, proibições e emaranhados burocráticos que se luta contra a corrupção ou contra o desemprego. Quando se discute a flexisegurança, somos sempre advertidos de que não somos nórdicos. Contudo, tanto em matéria de ética, como de pragmatismo e abertura ao novo mundo em que – apesar de tudo, felizmente – vivemos, é no Norte que precisamos de inspirar-nos, porque esse é o único caminho útil para quem dispõe de poucos recursos naturais e já não pode aspirar a conquistar colónias onde procurá-los.

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