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Sem desculpa

Acontecem coisas curiosas. O email de um amigo, por sinal americano, chamou-me a atenção para uma petição que corre em Inglaterra solicitando que o governo inglês peça desculpa, póstuma, a Alan Turing. A vasta maioria das pessoas, ingleses, portugueses...

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Acontecem coisas curiosas. O email de um amigo, por sinal americano, chamou-me a atenção para uma petição que corre em Inglaterra solicitando que o governo inglês peça desculpa, póstuma, a Alan Turing. A vasta maioria das pessoas, ingleses, portugueses e o resto, não faz a mínima ideia quem foi este homem. E, no entanto, as nossas vidas e a nossa sociedade devem-lhe imenso.

Desde logo, teve um papel decisivo na II Guerra Mundial, enquanto criador de uma máquina capaz de decifrar as mensagens encriptadas dos alemães. Muitos historiadores consideram que esse contributo encurtou a guerra em dois anos, com todo o significado que isso tem em número de vidas e horrores poupados.

Mas Turing é sobretudo o pai do computador, tal como o conhecemos. Brilhante matemático, a ele se devem as bases formais e conceptuais que viriam a dar origem à extraordinária expansão da informática. Turing era um visionário. Com poucos elementos, essencialmente teóricos, previu a evolução das máquinas e a possibilidade de se gerar uma nova forma de inteligência, tal como veio a suceder. É, aliás, célebre o teste de Turing (que aparece no filme Blade Runner com outro nome), destinado a medir o grau de inteligência de uma máquina. O método é simples. Coloca-se uma máquina e um humano em espaços ocultos para um entrevistador. Este vai fazendo uma série de perguntas a um e outro e se no final não conseguir distinguir entre o humano ou a máquina então esta é tão inteligente como nós. Ainda que sobre outras formas o teste de Turing é hoje usado em vários projectos de investigação.

Acontece que Alan Turing era homossexual. Nessa época, na puritana Inglaterra, a homossexualidade era considerada uma doença e um crime. Turing foi banido, impedido de continuar a sua actividade, perseguido judicialmente e sujeito a "tratamentos" de castração química. Acabou por se suicidar. A Inglaterra e o mundo perderam um homem que poderia ter acelerado ainda mais o conhecimento e, quem sabe, aberto portas ainda desconhecidas. O preconceito e o conservadorismo são forças altamente destrutivas, mesmo quando imaginam defender o interesse público e a estabilidade moral.

Mas esta história diz-nos ainda outra coisa importante. A ciência moderna tem tido um papel determinante na evolução das nossas sociedades. Pelos enormes avanços no conhecimento e pelas tecnologias extraordinárias que desse saber derivam. O grande motor de mudança do mundo não é a política, nem a economia, mas a ciência e, também nalguma medida, a cultura artística. E, no entanto, a maioria dos cientistas e suas descobertas são totalmente desconhecidos do grande público. Sabem-se de cor os nomes dos futebolistas, das estrelas de cinema, de alguns políticos, mas pouco ou nada se conhece destas personalidade que, de facto, mudaram e continuam a mudar o curso da civilização humana. É certo que nos últimos anos temos assistido a um crescente interesse pela divulgação científica. Muito por obra de cientistas com grande capacidade de comunicação, como Carl Sagan, Richard Dawkins, Stephen Jay Gould ou o menos cientista, mas não menos excelente comunicador, David Attenborough, o interesse pela ciência tem vindo a aumentar. Entre nós, alguns programas de televisão, uma maior atenção dos jornais, ou, na senda do pioneiro Rómulo de Carvalho, Galopim de Carvalho, Jorge Buescu, Carlos Fiolhais ou Nuno Crato, para só citar alguns, muito têm contribuído para ampliar o interesse geral pela cultura científica. Mas é certamente com a criação do projecto Ciência Viva em 1999, altamente inovador no contexto europeu, que a divulgação e o objectivo de estimular jovens e cidadãos para a ciência se tornou num dos mais bem sucedidos empreendimentos nacionais.

O extraordinário salto que Portugal deu na última década em matéria de cultura científica, bem visível na quantidade e qualidade da nossa produção nessa decisiva área, muito devem a esta aposta em força na ciência, cuja origem indiscutível encontramos na pessoa do actual ministro Mariano Gago. É também isso que se vai julgar nas próximas eleições. Nesta matéria Portugal não tem de pedir desculpa. Tem de agradecer.
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