Opinião
Seis mil milhões de razões erradas para privatizar
Queriam o Estado fora da economia? Queriam o Governo fora das empresas? Tomai. Tomai redução da despesa do Estado no PIB. Tomai menos funcionário públicos. Tomai EDP, REN, TAP, tomai Galp, CTT, seguros da CGD, tomai sabe-se lá o que mais. A necessidade...
Queriam o Estado fora da economia? Queriam o Governo fora das empresas? Tomai. Tomai redução da despesa do Estado no PIB. Tomai menos funcionário públicos. Tomai EDP, REN, TAP, tomai Galp, CTT, seguros da CGD, tomai sabe-se lá o que mais. A necessidade fez do PS um Governo liberal.
A ironia é total: a crise que obrigara o Estado a entrar pela economia adentro criou-lhe custos tão grandes que serão pagos à custa da sua saída de lá. Veja-se a enormidade de receita orçamentada até 2013: seis mil milhões de euros. Eu repito: €6.000.000.000. Ou o Estado anda a brincar aos orçamentos (como as autarquias despudoradamente fazem com previsões de vendas de património que não concretizam), ou este Programa de Estabilidade e Crescimento contém o mais súbito programa de privatizações alguma vez feito em Portugal.
O Estado não anda a brincar aos PEC. Não pode. Porque essa receita, que não abate ao défice orçamental, vai directa para reduzir encargos com a dívida. Vai para os credores: o dinheiro nem aquece nos cofres do Estado.
Estava escrito. Não nas estrelas, mas nos livros de economia, que os primeiros-ministros não lêem. É um dos problemas portugueses: a atrevida ignorância dos que nos governam. Cavaco Silva foi um primeiro-ministro limitado mas sabia de economia. Os que se lhe seguiram horrorizaram-se com a tecnocracia. O resultado económico está à vista: Guterres foi complacente, Durão um dissidente, Santana foi indiferente e Sócrates é detergente. Nenhum destes entes quis ler, ouvir ou crer na economia.
Os nossos dramas têm a sua própria cacofonia: o problema é défice orçamental, é a dívida pública, é a dívida externa, é o défice externo, é o crescimento económico? São todos e cada um, em círculo vicioso. Só o crescimento é pequeno, o resto é enorme.
O que escrevem os economistas há anos sobre o défice externo? Que a sua causa é a falta de competitividade. Que a sua consequência é a venda de activos. Ora o défice externo está nos 8,2% do PIB numa rota ascendente para 11,3% (em 2011, prevê o Banco de Portugal), o que o aproxima do pico de 1982 (11,8%), quando, sem divisas, recorremos ao FMI.
Venda de activos: EDP, REN, TAP, Galp, CTT, seguros da CGD. Mas não só. É a Cimpor como presságio de vendas privadas: a recente entrada de dois grandes accionistas brasileiros substituiu portugueses altamente endividados. O maior, a Teixeira Duarte, recebeu mil milhões de euros. Entraram-lhe por um ouvido e saíram-lhe pelo outro: foi directo para os bancos portugueses credores (BCP, sobretudo), que, por sua vez, devem a bancos estrangeiros. A Cimpor deixou de ser controlada por portugueses mas o dinheiro que entrou em Portugal a 100 saiu a 200.
A defesa dos Centros de Decisão Nacional e da importância do Estado nas empresas em sectores estratégicos tem sido aqui amplamente criticada. São proteccionismos que servem interesses particulares, prejudicam a concorrência e viabilizam instrumentalizações políticas. Mas não é por essas boas razões que o Estado se prepara para liquidar as suas participações mais valiosas. É por seis mil milhões de razões erradas. Dinheiro sem credo nem ideologia.
Não são apenas as empresas que vão ser postas à venda, é uma ideologia de esquerda que se vende. O liberalismo vence a política pelo seu mais poderoso argumento: dá dinheiro. E come incompetentes ao pequeno-almoço.
psg@negocios.pt
A ironia é total: a crise que obrigara o Estado a entrar pela economia adentro criou-lhe custos tão grandes que serão pagos à custa da sua saída de lá. Veja-se a enormidade de receita orçamentada até 2013: seis mil milhões de euros. Eu repito: €6.000.000.000. Ou o Estado anda a brincar aos orçamentos (como as autarquias despudoradamente fazem com previsões de vendas de património que não concretizam), ou este Programa de Estabilidade e Crescimento contém o mais súbito programa de privatizações alguma vez feito em Portugal.
Estava escrito. Não nas estrelas, mas nos livros de economia, que os primeiros-ministros não lêem. É um dos problemas portugueses: a atrevida ignorância dos que nos governam. Cavaco Silva foi um primeiro-ministro limitado mas sabia de economia. Os que se lhe seguiram horrorizaram-se com a tecnocracia. O resultado económico está à vista: Guterres foi complacente, Durão um dissidente, Santana foi indiferente e Sócrates é detergente. Nenhum destes entes quis ler, ouvir ou crer na economia.
Os nossos dramas têm a sua própria cacofonia: o problema é défice orçamental, é a dívida pública, é a dívida externa, é o défice externo, é o crescimento económico? São todos e cada um, em círculo vicioso. Só o crescimento é pequeno, o resto é enorme.
O que escrevem os economistas há anos sobre o défice externo? Que a sua causa é a falta de competitividade. Que a sua consequência é a venda de activos. Ora o défice externo está nos 8,2% do PIB numa rota ascendente para 11,3% (em 2011, prevê o Banco de Portugal), o que o aproxima do pico de 1982 (11,8%), quando, sem divisas, recorremos ao FMI.
Venda de activos: EDP, REN, TAP, Galp, CTT, seguros da CGD. Mas não só. É a Cimpor como presságio de vendas privadas: a recente entrada de dois grandes accionistas brasileiros substituiu portugueses altamente endividados. O maior, a Teixeira Duarte, recebeu mil milhões de euros. Entraram-lhe por um ouvido e saíram-lhe pelo outro: foi directo para os bancos portugueses credores (BCP, sobretudo), que, por sua vez, devem a bancos estrangeiros. A Cimpor deixou de ser controlada por portugueses mas o dinheiro que entrou em Portugal a 100 saiu a 200.
A defesa dos Centros de Decisão Nacional e da importância do Estado nas empresas em sectores estratégicos tem sido aqui amplamente criticada. São proteccionismos que servem interesses particulares, prejudicam a concorrência e viabilizam instrumentalizações políticas. Mas não é por essas boas razões que o Estado se prepara para liquidar as suas participações mais valiosas. É por seis mil milhões de razões erradas. Dinheiro sem credo nem ideologia.
Não são apenas as empresas que vão ser postas à venda, é uma ideologia de esquerda que se vende. O liberalismo vence a política pelo seu mais poderoso argumento: dá dinheiro. E come incompetentes ao pequeno-almoço.
psg@negocios.pt
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