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19 de Outubro de 2005 às 13:59

Rússia: uma potência que aspira ao nível de Portugal

Manuel Pinto que se cuide se lhe perguntarem em Moscovo como vai a economia portuguesa porque podem estar a usá-lo para guerras de poder no Kremlin que o prestígio e visão do ministro não alcançam.

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A Rússia é uma potência nuclear, sem capacidade de projecção militar convencional, em colapso demográfico, com uma economia assente na exportação de petróleo e gás natural, e um regime autoritário a braços com uma insurreição no Cáucaso, que aspira alcançar o nível de desenvolvimento de Portugal dentro de sete anos.

Por estas razões sumárias se alguém, esta semana, em Moscovo, perguntar a Manuel Pinho como vai a economia portuguesa, o ministro que se cuide porque podem estar a usá-lo para guerras de poder no Kremlin que o seu prestígio e visão não alcançam.

Ultrapassar o produto interno bruto per capita de Portugal, o parceiro triste da União Europeia, o mais depressa possível foi, precisamente, um dos objectivos apontados por Vladimir Putin ao chegar ao poder de forma a recuperar o prestígio e poder da Rússia.

 Putin advertia, no entanto, nesse ano 2000, que se a economia russa atingisse um crescimento anual de 8 por cento ainda assim levaria 18 anos a alcançar o rendimento per capita de Portugal. O aumento do preço do petróleo tem impulsionado a economia russa que, ao contrário da portuguesa, regista taxas de crescimento na ordem dos 7 por cento nos últimos cinco anos, e os mais optimistas até encaram a possibilidade de em 2012 o diferencial entre os actuais 3 410 dólares per capita da Rússia e 14 350 dólares de Portugal passar à história.

A estratégia de crescimento foi subordinada ao que Putin definiu como a «ditadura da lei». Na prática tratou-se de controlar ou domar politicamente os grandes grupos económicos e financeiros e os recursos de matérias-primas na mão dos oligarcas saídos da era Ieltsin. Os que recusaram submeter-se e acalentaram ambições políticas acabaram no exílio - casos de Boris Berejosky e Vladimir Gusinsky – ou na prisão, a exemplo de Mikhail Khordokovsky, o ex-senhor da Yukos. Os mais cautelosos acataram as directivas do Kremlin: o patrão do Chelsea, Roman Abramovitch é paradigmático da espécie, aceitando mais um mandato de cinco anos como governador da Chukota, no nordeste da Sibéria, e vendendo por 13 mil milhões de dólares os 73 por cento que detinha na Sibneft (a quinta companhia petrolífera russa) à Gazprom, a maior empresa do país, em que o estado é maioritário.

Pela lei da força Putin alcançou os seus objectivos: presentemente, 57,4 por cento do sector energético, que gera cerca de 25 por cento do produto interno bruto e representa 63 por cento das exportações, é controlado pelo estado e os administradores escolhidos a dedo pelo Kremlin.

O valor das exportações de petróleo aumentou de 14 mil milhões de dólares, em 1998, para quase 100 mil milhões dólares em 2005, tendo nos primeiros 9 meses deste ano a produção média diária atingido os 9,38 milhões de barris. Os efeitos colaterais passaram pelo aumento da massa monetária e, em Setembro, a inflação homóloga cifrava-se em 12,3 por cento, enquanto o rublo se apreciava, provocando o declínio relativo dos sectores de manufactura e um aumento das importações.

O dirigismo do estado e o peso crescente das suas empresas, o adiar das reformas fiscais, e um sistema judicial corrupto e dependente do poder político contribuem para que mais de 25 por cento das actividades económicas se acantone no sector informal. O peso das pequenas e médias empresas continua a ser inferior a 15 por cento no conjunto das actividades económicas e novos projectos estatais em sectores tidos por estratégicos (aviação, banca), a par de legislação proteccionista, ameaçam reduzir a entrada de empresas estrangeiras, cujos investimentos totalizam, actualmente, 90 mil milhões de dólares. O dirigismo do «petroestado» tem levado a um aumento constante da exportação de capitais russos que o Banco Central estima poder chegar a 38 mil milhões de dólares no final deste ano.

Um colapso demográfico irreversível. O fundo de estabilização alimentado pelos excedentes do orçamento tem sido usado preferencialmente para pagar a dívida externa. Os 172 mil milhões de dólares de dívida externa estão praticamente cobertos pelas reservas do Banco Central. Apesar de nos últimos sete anos a população abaixo do nível de subsistência (estimado em 2 dólares/dia) ter diminuído para metade, um em cada 5 russos ainda pena em situação de pobreza absoluta. A monetarização a partir do próximo ano dos benefícios de 14,5 milhões de pensionistas contribuirá para o degradar das condições de subsistência das camadas mais desvalidas da população. O fracasso na melhoria das condições de vida é, aliás, um dos principais factores que explicam a incapacidade das autoridades para articular uma política capaz de conter o colapso demográfico que começou no período soviético, nos anos sessenta, com o aumento da mortalidade. Até 2008 a Rússia continuará a perder 600 mil pessoas por ano e as projecções apontam para que a população se reduza dos actuais 143,4 milhões para 101,5 milhões em 2050.
 

A recomposição das elites e a centralização do poder, reduzindo as prerrogativas das 21 repúblicas, das regiões e distritos da federação, tem ido a par da criação de um sistema de patrocínio em que os partidos políticos, o Conselho da Federação e a Duma funcionam como correias de transmissão do poder presidencial que procura legitimar-se através de uma política de orgulho nacional que assume os valores ortodoxos como religião de estado.

Os limites do putinismo, apesar de controlar os media e não enfrentar oposição partidária ou sindical organizada, são evidentes no fracasso das suas forças armadas e de segurança - que consumem 30 por cento do orçamento de estado – no norte do Cáucaso. A guerra da Tchetchénia alastra inexoravelmente ao Daguestão, à Ingushétia, à Ossétia do Norte e a Kabardina Balquíria. As exacções das tropas e mercenários russos e dos clãs apoiados por Moscovo, a corrupção e a ausência de investimento económico conduzem a uma radicalização étnica e religiosa e à deriva terrorista. A obsessão de controlo por parte de Moscovo mantém congelados conflitos na Transdniestria, na Abkházia e na Ossétia do Sul, sustentando um sistema clientelar e de alianças que da Belarus aos regimes ditatoriais da Ásia Central se resume a recurso táctico.

Até hoje Putin não conseguiu apresentar uma estratégia face aos desaforos dos últimos anos - expansão da Nato, hostilidade da Geórgia, aposta falhada na Ucrânia, grandes ataques terroristas em Moscovo e Beslan, tragédia do submarino Kursk, para citar os mais gritantes --, limitando-se a aproveitar oportunidades conjunturais e a ensaiar uma aproximação à China para salvaguardar posições no Extremo Oriente.

Em 2008 ao terminar o seu segundo mandato Putin terá de designar um sucessor, se não optar por rever a constituição para manter-se na presidência, e, então, se verá até que ponto a recomposição das elites políticas e o dirigismo estatal ainda conseguem obviar ao contínuo e inexorável declínio estratégico da Rússia. Até lá vale a pena tentar vender algo mais do que sapatos e cortiça, sem alimentar grandes ilusões sobre oportunidades de negócio miríficas.

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