Opinião
Revolução nos documentos de transporte
É questionável a decisão do Governo de obrigar os agentes económicos a investir em recursos não produtivos que permitam cumprir as obrigações fiscais.
Depois da proclamação da República em 1910 e da revolução de Abril de 1974, assistiremos no próximo dia 1 de julho de 2013 à revolução nos documentos de transporte previstos no Regime dos Bens em Circulação. Contrariamente às duas primeiras, esta última não tem cariz político mas tem provocado uma grande celeuma por entre os agentes económicos.
A partir do próximo dia 1 de julho, os agentes económicos serão obrigados a comunicar à Autoridade Tributária e Aduaneira ("AT"), os transportes de mercadorias em território nacional, antes do seu início, ao qual a AT atribuirá um código específico.
Depois da entrada em vigor, no início do ano, da obrigatoriedade de comunicar as facturas emitidas, esta é outra medida do Governo para combater a fraude e evasão fiscal, evitando que os documentos de transporte sejam posteriormente viciados ou omitidos.
Mas num país economicamente débil devido à diminuição da procura e ao aumento do custo de financiamento, com dificuldades para cumprir metas de deficits e dívida pública, é questionável a decisão do Governo de obrigar os agentes económicos a investir em recursos não produtivos que permitam cumprir as obrigações fiscais.
A generalidade dos operadores económicos está obrigado a comunicar os documentos de transporte por transmissão electrónica de dados por uma de duas alternativas: através de ficheiro exportado a partir do SAF-T(PT), que a maioria está obrigada a produzir desde 2008, mas que tem sofrido várias alterações ao longo do tempo, a última das quais no passado dia 23 de abril, ou por transmissão em tempo real, utilizando o webservice disponibilizado pela AT, sendo esta a única alternativa viável para os que realizam diversos transportes ao longo do dia ou transportes urgentes, mas que requer investimentos ao nível da implementação do módulo que os vai comunicar.
No dia 23 de abril foi também publicada uma alteração às regras relativas à obrigatoriedade de certificação pela AT de programas de facturação, sendo-lhes equiparados os programas que apenas emitam documentos de transporte. Não restam agora dúvidas que quem está impossibilitado de emitir facturas pré-impressas, fica também impossibilitado de emitir documentos de transporte pré-impressos sendo, por conseguinte, obrigado a comunicá-los electronicamente através de uma das alternativas acima referidas (excepto nas situações de inoperacionalidade previstas na lei ou emissão de documento de transporte adicional - por exemplo, folha de obra - na sequência dos documentos globais). Mas como operacionalizar a emissão e comunicação electrónica à AT de um transporte determinado após o horário de expediente?
Ainda assim, nem todos os transportes precisam de ser previamente comunicados à AT. Por exemplo, estão dispensados os operadores económicos que tiveram um volume de negócios inferior a 100.000€ no ano anterior (como irá a GNR proceder a esta confirmação? E como poderá a empresa provar que está excluída, quando entrega a declaração de rendimentos do ano anterior apenas em maio?)
Também nos casos em que a factura serve igualmente de documento de transporte e seja emitida através de sistemas informáticos, fica dispensada a comunicação do transporte, devendo a circulação dos bens ser acompanhada dessa factura, a qual continuará a ter de ser comunicada à AT até ao dia 25 do mês seguinte.
Recentemente estabeleceu-se ainda a exclusão da obrigatoriedade de comunicação dos documentos de transporte sempre que o destinatário seja consumidor final, de forma a reforçar a protecção dos dados pessoais, medida que, ainda assim, não tem aplicabilidade prática quando é necessário emitir documento de transporte adicional (por exemplo, folha de obra) na sequência da emissão de documentos globais quando o destinatário (consumidor final) não seja conhecido no início do transporte.
É neste panorama que constatamos que a entrada em vigor destas alterações foi já adiada por duas vezes e, com tantas arestas ainda por limar, estará agora o país (AT e agentes económicos) preparado para à terceira ser de vez? Ou não haverá dois adiamentos sem três?
2. Depois da entrada em vigor da obrigatoriedade de comunicar as facturas emitidas, esta é outra medida do Governo para combate à fraude e evasão fiscal, evitando que os documentos de transporte sejam posteriormente viciados ou omitidos.
3. Com tantas arestas ainda por limar, estará agora o país preparado para à terceira ser de vez? Ou não haverá dois adiamentos sem três?
*Nuno Filipe Santos
nuno.filipe.santos@pt.pwc.com